
A “banalidade triunfante” de Luís Montenegro
O primeiro-ministro não empolga multidões, não carrega nas frases ideológicas, não se distingue mediaticamente. E se, afinal, essa for uma das suas qualidades?
Luís Montenegro surgiu, na apresentação do programa eleitoral, revigorado e, sobretudo, igual a si próprio, parecendo cada vez mais convicto num “caminho do meio” que se está a tornar a sua personalidade política.
O primeiro-ministro sempre o quis ser, mas acho que nem ele acreditava que tal viria a acontecer, até à implosão da maioria absoluta de António Costa. Até chegar à cadeira do poder, Montenegro nunca se destacou em nada. Foi um líder parlamentar razoável, em circunstâncias difíceis, e concorreu duas vezes à liderança do partido: perdeu contra Rui Rio e venceu contra Jorge Moreira da Silva. Depois, o poder caiu-lhe no colo, e por pouco.
Nestas eleições, Montenegro tem como ativo um ano de governação que ficou claramente acima das expectativas, e com uma imagem de alguém que resolve problemas. Tem como passivo a nuvem espessa da Spinumviva, estando por saber, com clareza, quanto pesa este fator.
Aquilo que o distingue é, à partida, não ter grande coisa que o distinga.
Não é um grande comunicador, nunca foi. Não é alguém que faça uso de grandes slogans ideológicos ou que perca muito tempo com grandes filosofias. Sendo ele jurista, o seu registo é o do Bonus Pater Familias, conceito que vem do direito romano e que se refere a uma pessoa média, normal. Este “bom pai de família” nem sequer precisa, segundo esse conceito, de ser particularmente bom; o que se pede é que use o bom senso perante a situação que se lhe depara e que responda da forma que uma pessoa equilibrada, nesse contexto, responderia.
Enquanto muitos – quase todos os outros, diga-se – escolhem entrar na arena munidos das armas da ideologia e fazem disso ponto central, o PSD de Montenegro praticamente ignora esse lado. É como se isso não interessasse nada ou, pelo menos, interessasse muito menos do que uma resposta a um problema em concreto. E esta é toda a filosofia de Montenegro.
Dou três exemplos.
No tema da habitação, que tem a esquerda em polvorosa (sobretudo o Bloco, que faz uma campanha monotemática), muito se falou e muito se tentou, ao longo dos anos. Mas não houve nenhuma medida com um impacto minimamente comparável ao da garantia pública para compra de casa por parte dos jovens.
Ainda nos jovens, depois de anos em que andámos a carpir mágoas por fazermos muito pouco, o jovem governo propôs um corte brutal no IRS dos trabalhadores mais novos. Acabou por não avançar dessa forma e podemos discutir os méritos e deméritos dessa medida (e tinha e tem ambos), mas uma coisa é certa: perante um problema que discutíamos há anos, houve ambição e uma medida concreta, com forte impacto orçamental.
Nas reformas, a simples mexida nos critérios de atribuição do Complemento Solidário para Idosos aumentou claramente o número de reformados apoiados, representando, na prática, um aumento significativo nas reformas mais baixas.
Por mais que muitos se esforcem por ver nestas medidas grandes traços de uma visão de direita, e outros, curiosamente, uma cedência ao socialismo, o trunfo de Montenegro não foi ideológico, foi prático. Havia problemas, ele tomou decisões, fáceis de entender e com impacto visível e rápido.
A marca de Montenegro é esta, este desinteresse por debates teóricos nos quais os partidos da oposição estão mais à vontade e onde acham que têm a ganhar.
Por outro lado, continua a haver a ficção de que os líderes partidários devem ser avaliados pela sua capacidade de mobilização, de galvanização, pelo seu “carisma”. Mas isso está longe de ter sido verdade em muitas eleições legislativas. Podemos falar de Cavaco Silva, de António Guterres, de Pedro Passos Coelho, de Durão Barroso, de António Costa. Com a eventual excepção de José Sócrates, nenhum dos últimos primeiro-ministros era visto como particularmente carismático até chegar ao cargo, nenhum levantava uma sala com os seus discursos.
Luís Montenegro terá percebido que a sua forma de estar no palco político-mediático não era necessariamente um impedimento para o seu sucesso, como não foi para outros. E que mais do que grandes proclamações, os portugueses querem ver mais medidas e menos retórica.
Mesmo na questão da Spinumviva, o primeiro-ministro não está longe da imagem de um “bonus pater familias”, para muitos portugueses. Na cabeça das pessoas há a ideia de que houve ali coisas esquisitas, uns esquemas para ganhar mais algum, mas não há, da parte de muitos eleitores, um juízo de terrível censura para com isso. Não acham que Montenegro tenha feito algo de muito errado ou que eles próprios não o fizessem também. Noutras palavras, perante o que sabe do caso Spinumviva, a resposta de muitos eleitores é, simplesmente, “quem nunca?”.
Luís Montenegro é este protótipo do português médio, obviamente que moldado à escala do poder no qual circula há muito. Não particularmente brilhante, não particularmente entusiasmante, razoavelmente honesto mas disponível para, aqui e ali, contornar as regras.
Se a AD ganhar as próximas legislativas, poderemos falar, com toda a propriedade, da “banalidade triunfante” de Luís Montenegro. Quem diria que esta característica, afinal, poderia ser um importante ativo político?
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