A demografia e a pirâmide invertida

Nós, jovens, tendemos a pensar neste tema como longínquo, mas se o fizermos, estamos a cometer um enorme erro. Da mesma forma que a dívida pública é um enorme fardo sobre as nossas costas.

Um país é mais do que uma fronteira, mais do que uma língua ou uma história comum. Um país é um conjunto dinâmico de gente, naturalmente mais ou menos homogéneo. Estas gentes são a alma viva das nossas sociedades. E é exatamente na demografia que reside um dos maiores desafios das sociedades ocidentais. Diria até mais: a questão demográfica é a mais aguda das doenças crónicas, tanto em Portugal, como na Europa.

Portugal é, hoje, o quarto país mais velho do mundo, o segundo mais envelhecido da UE e o que apresenta, dentro do espaço comum europeu, um envelhecimento mais rápido – a idade média portuguesa subiu 4.4 anos entre 2013 e 2023. Todavia, o problema do envelhecimento não reside apenas no topo da pirâmide, mas também no estreitamento da base, através da redução da natalidade – em 2022 a taxa de fecundidade cifrava-se em somente 1.4 filhos, por mulher, em idade fértil.

As consequências de um país envelhecido são diversas. Num país com mais idosos e menos crianças, talvez já não faça sentido investir tanto dinheiro em educação e escolas espalhadas pelo país, mas sim direcioná-lo para a saúde, para a prevenção e para o desenvolvimento de cuidados paliativos mais eficazes. Teremos de pensar em como encarar o envelhecimento ativo, em como lidar com o enorme problema social da solidão e criar uma rede eficaz de lares e centros de dia. Num país já avesso à mudança, talvez a aversão ao risco e às reformas seja maior, visto que o peso eleitoral dos grupos etários mais envelhecidos será cada vez mais relevante. O impacto desta realidade sobre a economia será, também, significativo, tornando-a menos inovadora e dificultando o crescimento sustentável.

Apesar de todos os contratempos que já elenquei, a primeira preocupação que a todos nos ocorre é, efetivamente, a questão da sustentabilidade da segurança social e das pensões futuras. O problema é real e deve preocupar-nos a todos, mesmo os que, como eu, não contam reformar-se antes de 2075. Segundo dados do Ageing Report 2024, em 2025, as pensões dos portugueses valem, em média, 72% do último salário. É esperado que a partir de 2050 este valor venha a estabilizar por volta de, apenas, 40%. Para salários de 1500€, falamos de pensões de 600€.

É claro que esta percentagem é uma média e tenderá a ser maior para salários mais baixos, tanto pela existência de tetos, como de reformas mínimas. Contudo, os maiores perdedores desta situação estão bem identificados e são os mesmos de sempre: os mais pobres. Num país com taxas de poupança tão baixas, torna-se claro que aqueles que com rendimentos mais elevados puderem poupar olharão para PPRs como parte fundamental dos seus gastos mensais, ao longo da sua carreira contributiva. Os restantes, os que gastam o que ganham, porque a vida assim o exige, ficarão sujeitos, mais uma vez, à esmola caridosa e incerta do Estado.

Já foram estas mesmas pessoas as mais prejudicadas por um sistema de saúde debilitado, redes de transporte exíguas e instáveis; foram os filhos destes cidadãos os maiores lesados de um sistema de educação público que falha aos mais necessitados a olhos vistos, que os coloca bastante atrás daqueles que puderam pagar por um ensino privado. Foram os mais afetados e sê-lo-ão também na velhice, tanto pelas piores condições materiais de vida, como pela maior dificuldade de fazer face aos custos altíssimos dos lares e centros de dia.

Solução? Não é fácil e requer políticas estáveis, transversais e de longo prazo – essencialmente, medidas corajosas de decisores que não temam falhar a eleição no sufrágio seguinte. A ausência da mais simples discussão, o completo esquecimento do tema no debate público é a prova viva de que as condições para esse sacrifício não estão minimamente reunidas e que caminhamos a passos largos para a inevitável insustentabilidade.

A imigração ajuda, mas não é uma panaceia. Contando que os imigrantes assumem o nosso estilo de vida e passam a ter filhos à nossa velocidade, a não ser que deixem o país antes de receber a sua pensão, estamos apenas a empurrar o problema com a barriga. Com o pagamento de impostos, adquirem também direitos na segurança social, pelo que funciona apenas para a geração que recebe agora pensões. Atua como o empréstimo de que beneficiamos hoje, mas será pago amanhã. Sobre este tema, há uma trilogia de artigos interessantíssimos escritos, em janeiro, pelo professor Ricardo Reis, no Expresso.

Como disse, mudar requer coragem, profunda coragem política. Hoje, vivemos mais anos, não tendo a idade da reforma acompanhado; começamos a trabalhar mais tarde – os meus pais começaram a trabalhar com 14 anos, eu terei 23 anos quando começar -; saímos mais tarde de casa dos pais, adiando o primeiro filho; temos baixas taxas de nupcialidade e cada vez mais altas taxas de envelhecimento. Em política, não há elixires mágicos: não basta aumentar a idade da reforma ou atirar dinheiro para incentivos à natalidade. Possivelmente ambos podem ser necessários, mas o elemento diferenciador vai mesmo ser repensarmos o modelo e encontrar a resposta mais sustentável possível.

Nós, jovens, tendemos a pensar neste tema como longínquo, mas se o fizermos, estamos a cometer um enorme erro. Da mesma forma que a dívida pública, a insustentabilidade da segurança social é um enorme fardo e responsabilidade económica sobre as nossas costas. Voltamos, agora, a eleições e é evidente que este tema não será debatido. Logo, cabe-nos a nós essa consciencialização e trazer o tema para a discussão. A bola também está do nosso lado.

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