A ficção e o populismo nas pensões
Com o discurso populista a tomar conta da discussão e um Parlamento fragmentado, é provável que a reflexão em curso sobre a sustentabilidade da segurança social acabe por não levar a lado nenhum.
O voto dos reformados decide eleições e a esquerda tudo faz para voltar a colar a imagem de carrasco das pensões ao PSD. Sempre que se fala em alterações do sistema, lá vem a ladainha de que o objetivo é entregar os descontos dos portugueses aos privados, essa gente maléfica.
Pedro Nuno Santos acusou esta semana o Governo de criar “uma falsa perceção para fragilizar publicamente a Segurança Social e abrir espaço à privatização”. No Parlamento, o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro assegurou que a sustentabilidade do sistema está “totalmente assegurada”.
É mais um corte com a governação de António Costa, que em 2022 pediu a elaboração do Livro Verde sobre a Sustentabilidade do Sistema Previdencial, porque, obviamente, nem tudo está bem.
O aumento das contribuições para a Segurança Social, para o qual contribuiu o crescimento do emprego e a imigração, tem permitido adiar a entrada em défice do sistema, o que é uma boa notícia. Em 2017, previa-se que entraria no vermelho em 2023; no último Orçamento do Estado aponta-se para “a segunda metade da década de 2030”. Só que a partir daí e até ao fim do horizonte de previsão, em 2070, os saldos são sempre negativos, embora não ultrapassem os 0,7% do PIB.
Para fazer face ao défice, em boa hora foi criado o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social(FEFSS), em 1989. No final do ano passado, tinha 36 mil milhões de euros, o que dá para pagar, pelo menos, dois anos de pensões. É bom, mas não chega.
Aliás, as regras do FEFSS são um exemplo do que está mal no sistema. A almofada poderia ser bem maior se o fundo não tivesse um mandato de gestão dos ativos tão conservador, agravado pela obrigação, introduzida em 2018, de investir metade do seu património em dívida pública portuguesa. A medida ajudou a baixar o rácio do endividamento público em percentagem do PIB, mas sacrificou a possibilidade de retornos mais elevados.
Uma instrumentalização política, já apontada pelo Conselho de Finanças Públicas, para quem o Fundo “está fracamente blindado do ponto de vista jurídico-financeiro, o que abre a porta a utilizações espúrias, para fins outros que não os de salvaguarda de pagamento de pensões em caso de necessidade financeira futura”. Segundo contas do Instituto de Gestão do Fundo, a obrigatoriedade de manter 50% da carteira em dívida pública portuguesa teve um impacto negativo de 3 mil milhões de euros entre 2018 e 2023.
Tiago Barbosa Ribeiro afirmou esta semana no Parlamento que o FEFSS “cresceu de forma sólida”, em resultado de “políticas cuidadas” e de um “compromisso claro com os direitos dos pensionistas e dos trabalhadores”.
Uma ficção. Mas há outras.
Não só a sustentabilidade do sistema previdencial não está “totalmente assegurada” – vai entrar em défice na próxima década – como há um buraco imenso no regime da Caixa Geral de Aposentações (CGA), que deixou de ter novas entradas a partir de 2006.
A CGA apresenta défices há mais de duas décadas e segundo o Tribunal de Contas a diferença entre as responsabilidades com o pagamento de pensões e o seu ativo é de 254 mil milhões de euros, o equivalente a quase todo o PIB do país em 2023. É, todos os anos, um enorme fardo sobre as contas públicas.
A ilusão sobre a sustentabilidade do sistema poderá ser ainda maior, já que segundo o Tribunal de Contas o modelo utilizado nas previsões “não projeta adequadamente a receita e a despesa do sistemaprevidencial da Segurança Social”, criticando ainda a separação, na análise, entre o sistema geral e o da CGA.
Há outras ficções em Portugal, como os PPR serem a melhor opção para poupar para a reforma, quando a maioria tem retornos medíocres, o que não abona a favor da capacidade dos privados.
O Governo decidiu criar um novo grupo de trabalho, liderado pelo economista Jorge Bravo, para analisar e fazer recomendações sobre a sustentabilidade da Segurança Social. O que não tem faltado é reflexão: o já mencionado Livro Verde, divulgado o ano passado, elaborou 18 recomendações para matérias que este novo grupo também se vai debruçar, como as reformas antecipadas ou a TSU.
A ministra do Trabalho e Segurança Social garante que não mexerá nos direitos adquiridos. Uma linha vermelha sensata. E claro que não existirá o tão temido plafonamento, em que parte dos descontos passam a ser feitos para sistemas privados. Nem sequer está no programa do Governo.
Mas há mudanças a fazer para tornar o sistema mais robusto, seja prolongado a vida ativa seja diversificando as fontes de receita, o que deve ser feito sem penalizar a competitividade das empresas.
Urgente é também a criação de fortes incentivos fiscais para a constituição de poupanças alternativas, seja pelos particulares seja pelas empresas, que permitam compensar a perda de rendimento na reforma que a atual fórmula de cálculo das pensões vai gerar.
Com o discurso populista a tomar conta da discussão e um Parlamento fragmentado, é provável que também este exercício de reflexão acabe por não levar a lado nenhum.
O ministro das Finanças já veio dizer que eventuais mudanças só acontecerão na próxima legislatura. Não vá o diabo tecê-las.
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