A TSU e a habilidade política
O que mais incomoda nesta cacofonia política é a ausência de argumentos sobre o problema de base em Portugal: a insolvência da “nossa” Segurança Social.
A indignação que subitamente assolou o País por causa das diatribes políticas em redor da taxa social única (TSU) é incompreensível. Não é a primeira vez, nem será a última, que os partidos políticos dão o dito por não dito, que fazem aquilo e não aqueloutro, que baralham e dão de novo. A racionalidade partidária é isto mesmo: tem como objetivo a busca do poder e a conquista do voto. O resto é acessório. Assim, do mesmo modo que o PS decidiu fazer tábua rasa do acordo político estabelecido com os seus parceiros (“Não constará do Programa de Governo qualquer redução da TSU das entidades empregadoras”, escreve-se sem ressalvas no acordo escrito entre PS e PEV, capítulo VI, ponto 2, p.12), também o PSD votará agora contra a redução da TSU quando antes se tinha abstido ou promovido o contrário. Onde o governo PS queria reforçar a sua posição de partido no poder, o PSD vislumbra agora uma brecha entre os partidos no poder. Nada de original, portanto. Na verdade, o que mais incomoda nesta cacofonia política é a ausência de argumentos sobre o problema de base em Portugal: a insolvência da “nossa” Segurança Social e, nesse sentido, qual a lógica de se reduzirem as contribuições em prol do seu financiamento.
Ora, nunca é de mais repeti-lo: o cidadão comum está em geral convencido de que as contribuições que hoje vai fazendo estão a ser creditadas numa espécie de conta individual e de depósito a prazo (um “montinho”), que um dia lhe será devolvido sob a forma de uma pensão. Trata-se, infelizmente, de um logro. O “montinho” não existe; a conta individual, na prática, também não. Na realidade, as contribuições que os cidadãos activos hoje fazem são para pagar, de forma agregada, as pensões de quem já está reformado. Esta solidariedade intergeracional seria justa se funcionasse nos dois sentidos. Mas não é o caso em Portugal, onde, por via de defeitos vários nas regras, e sobretudo pelo inverno demográfico, os pensionistas de amanhã receberão pensões médias inferiores (medidas em termos reais e em proporção do último salário) às dos pensionistas de hoje. Trata-se de simples cálculo actuarial e que, de alguma forma, é anualmente expressado no documento do Orçamento do Estado, no qual todos os anos se faz uma projecção a médio e a longo prazo da conta da Segurança Social. O exercício, não sendo perfeito (porque, ano após ano, há sempre quem abuse das premissas ou do “goal seek”), revela-nos o panorama geral da falta de previdência pública em matéria de pensões.
A insolvência da Segurança Social (em sentido lato) é, de resto, observável já hoje. Se incluirmos as despesas correntes com prestações contributivas e não contributivas, e considerarmos como receitas apenas as quotizações e contribuições sociais, prevê-se na Segurança Social um défice de sensivelmente dez mil milhões de euros em 2017. Este défice corresponde grosso modo ao desequilíbrio do regime não contributivo, de natureza mais conjuntural, porém, evidencia o gelo fino sobre o qual se vai caminhando, não apenas este ano, mas desde há muito. Evidencia também o enorme esforço financeiro que todos os anos se pede ao Orçamento do Estado, que vai cobrindo quase toda a diferença. De resto, não fosse a muleta do Tesouro (e sempre os contribuintes!) e em dois anos lá se ia a almofada do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). Lá se ia a previdência. E lá se ia uma fonte de financiamento do próprio Tesouro. Uma mão lava a outra! A debilidade estrutural do sistema requer uma nova arquitectura institucional, não apenas pública, mas também privada. Não apenas obrigatória, mas também voluntária. Com pensões públicas mínimas, mas também máximas. Olhem, por exemplo, para a Suíça.
A insuficiência financeira da “nossa” previdência é manifesta. A economia tem crescido pouco, a moderação salarial nem sempre tem sido a regra – a este respeito, escreve-se no OE2017 (p.247) que no período 2017-2060 os salários deverão variar “em função dos ganhos de produtividade” (!) –, e, por fim, a nossa paupérrima evolução demográfica acabará por acentuar tudo isto, tornando a situação explosiva a prazo. As contribuições sociais em Portugal equivalem hoje a 12% do PIB, contra 15% na média da zona euro. Neste contexto, a redução da TSU não parece especialmente avisada, sobretudo quando a relação causal entre a TSU e a maior ou menor contratação por parte das empresas está longe de ser brilhante, e menos ainda quando a ideia é financiar parte do aumento do salário mínimo (cinco vezes superior aos ganhos de produtividade esperados para 2017). Nada que atrapalhe. Afinal, é de habilidade política que tanto se fala. E, além disso, como ainda recentemente ficámos a saber a propósito de um trabalho da OCDE, o senhor ministro da Segurança Social também não teria vagar para ler trabalhos técnicos dessa natureza. Com tanta concertação por fazer, tem, naturalmente, mais que fazer!
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