Acabar com o IRC
A definição de uma taxa única de tributação dos lucros em 28%, aplicável na esfera individual dos sócios, colocaria Portugal numa situação competitiva muito favorável.
A proposta de acabar com o IRC já tem alguns anos. Mas, em véspera de legislativas, é altura de regressar ao assunto e defender novamente a ideia. A eliminação do IRC teria três objectivos: a) melhorar a competitividade fiscal de Portugal; b) aumentar o investimento empresarial em Portugal, e; c) tributar os lucros das empresas na esfera individual dos seus sócios ou accionistas.
Pensando no “marketing político” da proposta, o subtítulo seria: “Porque uma elevada taxa de IRC é na realidade um imposto sobre o trabalho”. A lógica é simples: como o investimento empresarial é sensível à taxa de IRC e ambos tendem a oscilar inversamente, a eliminação do imposto seria favorável ao investimento e este seria favorável à produção e ao trabalho. Porque a melhor garantia de emprego (e de bons salários) está na existência de muitos empregos.
Portugal tem hoje uma elevadíssima taxa marginal de IRC que, incluindo derramas, é de 31,5%. Trata-se da terceira taxa marginal mais elevada na União Europeia, cuja média se situa em 21,8% (fonte: “Taxation Trends in the European Union, 2019”).
A concorrência fiscal em sede de IRC é ainda maior entre os países da União Europeia com PIB per capita idêntico ou inferior ao nosso, considerando aqui os seguintes países (que, por sua vez, apresentam as seguintes taxas marginais): Bulgária (10,0%), Croácia (18,0%), Eslováquia (21,0%), Estónia (20,0%), Grécia (28,0%), Hungria (10,8%), Letónia (20,0%), Lituânia (15,0%), Polónia (19,0%), República Checa (19,0%) e Roménia (16,0%). Neste grupo, a taxa marginal máxima de IRC é, em média, de 17,9%.
Em Portugal, o investimento total (público e privado) representa hoje somente 17% do PIB. Tendo em conta o PIB per capita do país, Portugal, em matéria de investimento, encontra-se quatro pontos percentuais do PIB abaixo da tendência na União Europeia, segundo os meus cálculos. Trata-se de um défice de sensivelmente 8.000 milhões de euros. Pior do que nós, só a Grécia.
O paupérrimo nível de investimento em Portugal condiciona a evolução da economia, bem como o seu potencial de desenvolvimento, constituindo um dos principais obstáculos, senão mesmo o principal obstáculo, ao crescimento e à melhoria da produtividade do país. Neste contexto, o IRC, ainda para mais aos actuais níveis, constitui um impedimento competitivo de monta, em particular na atracção de investimento directo estrangeiro.
De acordo com os mais recentes dados da Autoridade Tributária, não chegam a 500.000 os sujeitos passivos de IRC, dos quais apenas 0,6% são sujeitos passivos não-residentes. Em 2017, no conjunto dos 475.119 declarantes, dos quais 69,9% pagaram imposto, o IRC liquidado atingiu o valor de 4.493 milhões de euros. Deste montante, mais de metade do valor liquidado (53,5% do total) foi suportado pelas empresas com volume de negócios superior a 25 milhões de euros (0,4% dos sujeitos passivos); 22,2% pelas empresas com volume de negócios entre 2,5 e 25 milhões de euros (2,9% dos sujeitos passivos), e; apenas 12,5% pelas empresas com volume de negócios entre 500 mil euros e 2,5 milhões de euros (9,5% dos sujeitos passivos). Em suma, 88,2% do IRC liquidado foi gerado por somente 12,8% dos sujeitos passivos.
Num mundo caracterizado pela mobilidade do capital, elevadas taxas de IRC influenciam negativamente os influxos de capital nos países que as praticam. Elevadas taxas de IRC incentivam também a evasão e a elisão fiscais que, por sua vez, beneficiam da complexidade do próprio código fiscal. Estes efeitos são tanto mais intensos quanto maiores forem as empresas em causa, sendo que são as empresas de maior dimensão que mais contribuem para as receitas fiscais e para a melhoria da produtividade de um país.
A eliminação do IRC tornaria Portugal mais atraente do ponto de vista fiscal e simplificaria a tributação dos lucros das mesmas, que passaria a ser feita na esfera individual dos seus sócios – sob o regime da transparência fiscal, com os devidos ajustes. Este regime está consagrado no nosso código fiscal (art.6º do CIRC) e nele as sociedades e outras entidades abrangidas pela transparência fiscal “não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas” (art.12º).
A tributação dos lucros das empresas na esfera individual dos seus sócios eliminaria a dupla tributação dos mesmos (que ocorre, primeiro, na esfera da empresa sobre o resultado líquido e, depois, na esfera dos sócios sobre os dividendos distribuídos) e levaria à transformação do presente modelo de “corporate taxation” num novo modelo de “shareholder taxation”.
Neste novo enquadramento, ganhariam relevância a taxa de tributação dos dividendos e a taxa marginal de IRS porquanto seria na definição destas taxas que resultariam os incentivos à constituição de sócios pessoas individuais ou pessoas colectivas e/ou de sócios residentes ou não residentes.
No conjunto dos países da OCDE, a taxa média de tributação dos dividendos atribuídos a pessoas singulares é de 28,8% (em Portugal, 28%). Quanto à taxa marginal máxima de IRS, no universo da OCDE, incluindo sobretaxas, ela é, em média, de 42,5% (em Portugal, 53%). Por fim, a taxa marginal de IRC na OCDE é, em média, de 22,5% (em Portugal, 31,5%)
Considerando as taxas de imposto em Portugal, designadamente a taxa marginal de IRC de 31,5% e a taxa autónoma de 28% de IRS à qual são tributados os dividendos, no caso dos agentes económicos impactados por aquelas taxas marginais, mais de 50% dos resultados distribuídos (antes de impostos) aos sócios ou accionistas das empresas são consumidos pelo IRC e pelo IRS (fonte: “Tax database”, OCDE). Contudo, no conjunto dos países da OCDE, o peso potencial dos impostos sobre os resultados distribuídos é inferior, situando-se a respectiva média em 41,7%.
Os países que evidenciam menor peso fiscal sobre os lucros empresariais são a Estónia e a Letónia (em ambos os casos, o peso fiscal é de 20,0%), resultante da combinação de uma taxa máxima de IRC de 20% e de uma taxa autónoma de IRS de 0% sobre dividendos.
Segundo a Autoridade Tributária, o IRC liquidado em 2017 foi de 4.493 milhões de euros sobre matéria colectável de 22.746 milhões de euros – uma taxa média efectiva de 20%. Assim, assumindo no novo modelo uma taxa única de 28% sobre lucros (distribuídos e retidos), o montante potencial a tributar na esfera individual dos sócios poderia até ser superior ao que hoje é arrecadado em sede de IRC, pelo efeito da taxa autónoma, pela eliminação da despesa fiscal associada ao IRC, ou ainda pelo estabelecimento em Portugal de novos sujeitos passivos provenientes do estrangeiro para quem a conjugação de taxas fosse atractiva – neste domínio, a eliminação do IRC muito beneficiaria da introdução de um “flat rate” de IRS também para os rendimentos do trabalho.
O alargamento potencial da base de IRS, entre rendimentos de capital, tributados na esfera individual, e rendimentos normais de trabalho, seria uma forma de ultrapassar alguns efeitos negativos, expectáveis no início, sobre a evolução da receita fiscal.
São dois os potenciais efeitos negativos sobre a receita fiscal num primeiro momento.
- Primeiro, a potencial perda de receita associada ao facto de a nova taxa única se aplicar apenas aos lucros atribuíveis a sócios residentes em território nacional (os que pagam IRS em Portugal). Os sócios não-residentes das empresas não pagariam imposto em Portugal – embora, pela eliminação do IRC e com uma taxa de IRS competitiva, passasse a ser forte o incentivo de se estabelecerem por cá.
- Segundo, também se perderia a receita que hoje resulta da dupla tributação que ocorre pela cobrança de imposto na esfera individual dos sócios (sobre os dividendos distribuídos), após a cobrança de IRC ao nível da empresa. Tudo somado, uma estimativa prudente aconselharia a fazer acompanhar a eliminação do IRC de redução da despesa pública de até 1,25% do PIB – cerca de 50% do IRC liquidado – para mais do que acomodar perdas de receita no início.
A eliminação do IRC para novas empresas de responsabilidade limitada, mantendo no geral as regras relativas à dedução e reporte de prejuízos fiscais (art.52º) e às tributações autónomas (art.88º), e a adopção generalizada do regime de transparência fiscal para as empresas já estabelecidas, poderia ser implementada durante um período transitório de até 3 anos.
A definição de uma taxa única de tributação dos lucros em 28%, aplicável na esfera individual dos sócios, pessoas individuais ou colectivas residentes em território nacional, sobre lucros distribuídos e lucros não-distribuídos – desincentivando distorções de comportamento, sem prejuízo da dedução de prejuízos fiscais –, colocaria Portugal numa situação competitiva muito favorável. Aumentaria a rentabilidade do capital investido após impostos e levaria ao aumento do investimento – que é a principal lacuna da economia portuguesa –, da produção e do emprego. Do que precisamos.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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