
Aliança AD-IL reformista pode tornar realista crescimento económico da AD
Apenas uma coligação governativa que adote uma ambição reformista mais sólida do que a atualmente prevista no programa da AD permitirá tornar realista o seu cenário de crescimento à luz das previsões
O cenário de crescimento económico projetado pela AD — com uma média anual de 2,9% até 2029 — pode ser compatível com o cenário base do FMI, já incorporando o impacto da guerra tarifária em curso, desde que venha acompanhado de um impulso reformista significativamente superior ao proposto no seu programa eleitoral. Um maior pendor reformista poderá emergir de uma coligação maioritária pós-eleitoral com a Iniciativa Liberal (IL) — uma possibilidade que algumas sondagens começam a sinalizar —, cujo programa é mais ambicioso nalgumas matérias, com realce para a crucial reforma do Estado. Crescer 1,6% ao ano será igualmente exigente para nos aproximarmos dos países mais ricos da União Europeia (UE) caso se materialize o cenário adverso do FMI, enquanto o cenário otimista exige que o país cresça 3,9% ao ano.
Começo por apresentar os resultados mais relevantes das projeções do FMI no que respeita a Portugal, reservando para o final a análise relativa a outros países e os aspetos mais técnicos em anexo, que poderão interessar apenas a um público mais especializado.
Como analisei num artigo anterior, o programa da AD revela a ambição certa em matéria de crescimento económico — 2,9% ao ano até 2029, como referido —, mas carece das reformas estruturais suficientes para a sustentar. Este valor de crescimento aproxima-se do mínimo de 3% anuais que o país precisa de atingir para se posicionar na metade mais rica da UE na década até 2033, segundo um estudo da Faculdade de Economia do Porto (FEP). Contudo, no atual contexto de invulgar incerteza, é mais robusta a meta equivalente de crescer, pelo menos, 1,4 pontos percentuais (p.p.) acima da média da UE.
A Tabela 1 mostra que o diferencial mínimo de 1,4 p.p. é cumprido quando comparado com as projeções do cenário base do FMI para a UE, já incorporando as revisões em baixa decorrentes da guerra tarifária. Estas revisões são evidenciadas na Tabela 2, onde se apresentam igualmente os cenários alternativos A (adverso) e B (otimista).
Chamo a atenção que o diferencial no cenário base do FMI é de 0,2 p.p., pelo que precisamos de reformas que elevem o nosso crescimento a médio e longo prazo em 1,2 p.p. face à UE. Tratando-se de uma meta relativa, se a UE também progredir, entretanto, teremos de ser ainda mais exigentes em matéria de reformas para elevar o crescimento económico.
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada ao programa da IL — que extravasa o âmbito e propósito deste artigo —, importa reconhecer que, apesar de incluir medidas de concretização difícil pelo seu custo, como a redução do IRS para apenas dois escalões ou uma descida mais ambiciosa do IRC do que a prevista pela AD, há no seu conteúdo elementos reformistas que podem reforçar de forma significativa o programa da AD. Essa articulação poderá, assim, aumentar a viabilidade das metas de crescimento económico previstas no cenário da AD.
Destaco, em particular, a proposta de reforma do Estado apresentada pela IL, que prevê um rácio de uma entrada por cada duas saídas de funcionários públicos (por via da aposentação, não se tratando de despedimentos). Esta medida contrasta de forma clara com o rácio de 1 proposto pela AD, que apenas assegura a estabilização do número de funcionários. A concretização desta proposta da IL exigirá melhorias significativas na gestão pública e ganhos de eficiência na despesa, como tenho defendido. Assinalo ainda a proposta de revisão dos benefícios fiscais, com a eliminação dos que se revelem injustificados e a promoção de um sistema fiscal mais transparente e atrativo, potenciando a atração de investimento e a capacidade de elevar o potencial de crescimento da economia portuguesa. Esta abordagem poderá representar um contributo relevante da IL para reforçar o programa da AD, que se afigura pouco ambicioso nesta matéria.
Na Tabela 1 apresento também a adaptação dos números da AD, considerando a eventual concretização dos cenários alternativos do FMI para a UE. Importa notar que, no caso europeu, o FMI divulga apenas projeções para a Área Euro (AE), pelo que assumi a manutenção dos diferenciais entre a UE e a AE do cenário base — ver notas da Tabela 2. Esta análise permite evidenciar que, no cenário adverso, Portugal deverá crescer, no mínimo, 1,6% ao ano, enquanto no cenário otimista a meta sobe para 3,9% ao ano, conforme já mencionado.
Tabela 1. Cenários de crescimento económico da AD, do PS e do CFP (este em políticas invariantes)
Fontes: AD (cenário macroeconómico do programa eleitoral às legislativas de 2025); FMI, World Economic Outlook (abr-25 e out-24) e cálculos próprios. Nota: os valores dos vários cenários do FMI podem ser consultados na Tabela 2. Foram usadas médias geométricas no cálculo das taxas de crescimento dos períodos considerados.
Na Tabela 2 apresento igualmente os dados relativos ao Mundo, aos EUA e à China. Para já, destaco as revisões face às previsões publicadas em outubro do ano passado, sendo evidente que Portugal regista uma revisão bastante mais desfavorável do que a verificada para a UE e a Área Euro no que respeita ao crescimento médio anual entre 2024 e 2029. Em concreto, a previsão para Portugal foi revista em baixa em 0,3 p.p. (de 2,0% para 1,7%), enquanto na UE e na AE a deterioração foi de apenas 0,1 p.p.
A revisão global mais desfavorável para Portugal decorre da deterioração dos números se prolongar até 2029, enquanto nos agregados europeus está concentrada em 2025 e 2026. Admitindo que estas revisões se devem sobretudo ao impacto da guerra tarifária, parece evidente que Portugal surge relativamente mais penalizado face a outros países da UE — não só pela sua maior exposição externa enquanto pequena economia aberta, mas também pela persistência dos efeitos ao longo do tempo.
A revisão em baixa do crescimento médio anual é igualmente de 0,1 p.p. para os EUA e para a economia mundial. No caso da China, porém, regista-se uma revisão em alta de 0,2 p.p., sugerindo que, à luz do modelo utilizado pelo FMI (referido no anexo técnico), o país poderá estar a beneficiar, em termos relativos, da atual guerra de tarifas.
Tabela 2: Previsões do FMI abr-25 no cenário base, revisões e cenários alternativos (adverso e otimista)
Fonte: FMI, World Economic Outlook (abr-25 e out-24) e cálculos próprios. UE = União Europeia; AE = Área Euro; EUA = Estados Unidos da América; p.p. = pontos percentuais. Notas: o FMI não apresenta valores para a UE, por isso foram aplicadas as mesmas revisões em baixa que para a AE, assumindo-se assim que os diferenciais de crescimento são os mesmos que no cenário base (o que é razoável, pois têm sido relativamente estáveis em torno de 0,3 p.p.). Foram usadas médias geométricas no cálculo das taxas de crescimento dos períodos considerados.
Considerando agora as projeções de crescimento até 2030 (muito semelhantes, em valores médios, às previsões até 2029), verificam-se os seguintes valores por áreas nos vários cenários:
- Mundo: 3,1% no cenário base; 1,9% no cenário adverso e 3,5% no cenário otimista;
- EUA: 2,0%; 0,7% e 2,1%, respetivamente;
- China: 3,9%; 2,3% e 5,5%.
- AE: 1,1%; -0,1% e 2,1%;
- UE: 1,5%; 0,2% e 2,4%.
Verifica-se, assim, que os EUA não registam qualquer ganho em termos de crescimento económico a médio prazo, mesmo no cenário otimista — onde são considerados fatores positivos como a redução de impostos e a reforma da administração (ver anexo técnico). Pelo contrário, perdem de forma substancial no cenário adverso, demonstrando de forma clara que o país que desencadeia uma guerra tarifária acaba por se prejudicar a si próprio, para além dos impactos negativos que impõe aos restantes países.
Por outro lado, se o objetivo era penalizar a China e travar a sua ascensão como potência hegemónica, os resultados mostram que, no cenário adverso, a Administração Trump apenas consegue atenuar o diferencial de crescimento face aos EUA. Contudo, no cenário otimista, esse mesmo diferencial agrava-se, o que torna esta estratégia não apenas arriscada, mas potencialmente contraproducente e perigosa.
No caso da AE e da UE, o cenário otimista sugere que este infortúnio poderá representar uma oportunidade para reforçar o potencial de crescimento económico. No entanto, tal dependerá do aumento do investimento em capital público e defesa, bem como de uma reestruturação da despesa pública — ou seja, de uma verdadeira reforma do Estado —, de acordo com a análise do FMI. Caso essas transformações não se concretizem, o cenário adverso aponta para o risco real de estagnação, ou mesmo de um ligeiro retrocesso do PIB europeu até 2030, o que teria implicações negativas para Portugal.
No final, após as conclusões, apresento um anexo mais técnico com as hipóteses dos cenários alternativos considerados pelo FMI, uma informação mais técnica, mas que poderá ser interessante para os leitores.
Conclusões
A análise desenvolvida neste artigo demonstra que a ambição de crescimento económico da coligação AD — fixada nos 2,9% ao ano até 2029, em média — está alinhada com o diferencial necessário face à UE (1,4 p.p.) para que Portugal entre no grupo dos países mais ricos da UE numa década. No entanto, essa ambição só será exequível se for sustentada por um programa de reformas estruturais significativamente mais robusto do que aquele atualmente apresentado pela AD. A comparação com o cenário base do FMI — já penalizado pelos efeitos da guerra tarifária — revela que Portugal necessitará de reformas que elevem o seu crescimento económico em, pelo menos, 1,2 p.p. adicionais face à UE.
Neste contexto, uma eventual coligação pós-eleitoral entre a AD e a IL, assente numa plataforma comum mais reformista, poderá reforçar a credibilidade e a exequibilidade da meta de crescimento proposta pela AD. As propostas da IL em áreas-chave, como a reforma do Estado e a revisão dos benefícios fiscais, podem complementar o atual programa da AD, fortalecendo a eficiência do Estado e a atratividade do sistema fiscal para o investimento e a poupança. Contudo, para viabilizar esta convergência, a IL terá de abdicar de medidas de difícil sustentabilidade financeira, como a redução do IRS para dois escalões.
Adicionalmente, os cenários alternativos do FMI – adverso e otimista – mostram que, mesmo em condições externas mais difíceis, será crucial garantir um crescimento mínimo de 1,6% ao ano, enquanto a oportunidade oferecida por um cenário externo favorável só se concretizará plenamente se Portugal tiver capacidade interna para a aproveitar, o que novamente remete para a necessidade de reformas, nesse caso conducentes a um crescimento mínimo de 3,9% ao ano.
Em suma, apenas uma coligação governativa que adote uma ambição reformista mais sólida do que a atualmente prevista no programa da AD permitirá tornar realista o seu cenário de crescimento à luz das previsões internacionais do FMI no seu cenário base, bem como assegurar a necessária capacidade de adaptação a cenários alternativos, sejam eles adversos ou otimistas. A ausência de reformas mais decisivas tornaria esse objetivo inatingível, mesmo num contexto externo favorável.
Anexo técnico:
Cenários alternativos para a economia mundial: adverso (A) e otimista (B)
Modelo usado: GIMF (Global Integrated Monetary and Fiscal model), aplicado a 10 regiões, que incluem EUA, Área Euro e China.
Assunções gerais: na política orçamental, é permitido que os estabilizadores automáticos atuem. A política monetária responde de forma endógena, com taxas de câmbio flutuantes na maioria das regiões. No caso da China, o cenário A considera que a divisa (yuan renminbi) tem ligação ao dólar dos EUA, com alguma flexibilidade para responder a choques, mas menos do que num regime de câmbios flutuantes, que é a situação considerada no cenário B.
Cenário A – Adverso: Confluência de choques negativos
Camadas consideradas:
Divergências globais
EUA: Renovação da Tax Cuts and Jobs Act (TCJA) por 10 anos (2025–2034), com medidas fiscais equivalentes a 11% do PIB nesse período, aumentando o défice até 1,4% do PIB em 2027. Leva a um ligeiro aumento temporário das expectativas de inflação.
Área Euro: Quebra da produtividade acentua-se devido a menor inovação, mudanças tecnológicas e menor financiamento por capital. A produtividade total dos fatores (PTF) cai 0,2 p.p. ao ano face ao cenário base, durante 5 anos a partir de 2025, sobretudo no setor dos bens transacionáveis.
China: Queda da procura interna, com consumo e investimento 0,7% e 0,5% abaixo do cenário base em 2025, agravando-se até 2027 e normalizando depois.
Guerra comercial
Tarifa adicional de +50 p.p. em todo o comércio EUA-China (bilateralmente), em relação ao cenário de referência de tarifas e contra-tarifas anunciadas entre 1-fev e 4-abr (neste caso, inclui a contra-tarifa de 34% da China em resposta à tarifa recíproca do mesmo valor dos EUA aplicada a esse país, além da tarifa geral de 10% para todo os países).
Resto do mundo: retaliação equivalente às tarifas anunciadas pelos EUA a 2-abr, a que se segue uma retaliação dos EUA duplicando a tarifa inicial.
Resultado para os EUA: aumento de 18 p.p. nas tarifas efetivas de importação e exportação de bens dos EUA relativamente ao referido cenário de referência.
Aumento da incerteza global sobre as políticas macroeconómicas
Choque de incerteza equivalente a três desvios-padrão da média histórica, cerca de 50% acima do pico de 2018–2019.
Atinge mais fortemente regiões com maior exposição ao comércio ou às tarifas.
Condicionalidade financeira mais apertada
Combinação de choques do cenário torna as condições financeiras mais restritivas durante 2 anos.
Queda dos preços dos ativos em 2025: 5% nos EUA e 3% nos mercados emergentes.
Prémios de risco aumentam: 0,5 p.p. nos emergentes (exceto China) e 0,25 p.p. nas economias avançadas e China.
Cenário B – Otimista: Reformas estruturais e investimento público
Camadas consideradas:
Dívida pública mais baixa nos EUA
Reforma fiscal que reduz ineficiências, transferindo carga fiscal do trabalho para o consumo e melhorando a eficiência das transferências.
Corte permanente da despesa pública reduzida, nomeadamente contendo consumo público e os custos com a saúde, a que acresce a redução da despesa com juros.
Redução do défice orçamental em 1% do PIB após 5 anos, contribuindo ara uma descida do rácio da dívida pública 25 p.p. do PIB no longo prazo.
Maior investimento público na Área Euro
Investimento adicional de 1% do PIB até 2030 (a começar em 2025 e atingindo esse valor máximo logo em 2026), mantendo-se permanentemente 0,4% do PIB acima após esse ano para suster o maior stock de capital público.
Além disso, está contemplado um gasto em defesa permanente de 0,3% do PIB a partir de 2025.
Até 2030, cerca de 2/3 do investimento público em capital e em defesa é financiado por uma descida dos saldos orçamentais, enquanto a partir desse ano é compensado pela realocação de despesa existente (reestruturação), de modo a que os rácios de divida pública retornem gradualmente aos do cenário base.
A PTF e o produto potencial aumentam de forma duradoura face ao novo investimento.
Ganhos de produtividade e reequilíbrio na China
Reformas estruturais para reduzir as barreiras à entrada e reformas nas empresas públicas aumentam o dinamismo do mercado, enquanto o reforço da proteção social favorece um rebalanceamento da procura.
As reformas aumentam a produtividade até 2030 (2% no setor dos bens transacionáveis internacionalmente e 0,5% nos não transacionáveis), dinamizando o crescimento económico.
Taxa de poupança cai 2 p.p. do PIB, a refletir o aumento da procura interna.
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