Cannes Lions 2018 em oito pontos
Havia um sentimento generalizado na indústria de que o festival estaria a perder o seu foco na publicidade e que estaria a ser tomado pelas grandes empresas de consultoria e pelas tecnológica.
A edição deste ano do mais importante festival de publicidade do mundo era muito provavelmente a mais aguardada das últimas décadas. Na edição de 2017, as críticas de Arthur Sadoun, CEO do grupo Publicis, e de Martin Sorrel, na altura Chairman da gigante inglesa WPP, levantaram um autêntico vendaval, que levou a que toda a organização do festival fosse repensada.
Já foram escritas várias crónicas sobre estas críticas e os factos que as motivaram, aliás, alguns destes textos foram publicados aqui mesmo no ECO e nesta mesma coluna. No entanto, posso fazer um pequeno resumo: havia um sentimento generalizado na indústria de que o festival estaria a perder o seu foco na publicidade e que estaria a ser tomado pelas grandes empresas de consultoria e pelas tecnológicas; por outro lado, havia também uma crítica recorrente de que estavam a ser atribuídos demasiados leões e que os mesmos trabalhos eram muitas vezes premiados nas mais diversas categorias.
Em resposta a esta crítica, o festival chamou até si as maiores agências de publicidade do mundo, ouviu-as e introduziu importantes transformações no seu funcionamento. O festival tornou-se mais curto para representar uma menor despesa para os participantes, a inscrição de um mesmo trabalho ficou limitada a seis entradas e encerraram a categoria de “cyber”, por entenderem que a mesma já não fazia qualquer sentido num mundo eminentemente digital.
Isto tudo era o que já se sabia antes de começar o festival. No entanto, o principal objectivo desta crónica é tentarmos perceber o que realmente aconteceu há duas semanas na Riviera Francesa. Por isso, decidi arrumar as minhas ideias em oito pontos que agora partilho convosco:
1. Não foi por verem os seus desejos atendidos que as grandes networks de publicidade voltaram a mostrar força no festival.
Quem passeasse estes dias pela Croissette e não soubesse o que são os Cannes Lions, mais depressa ficaria a achar que são um evento de tecnologia, do que a grande Meca mundial da comunicação e da publicidade.
Às habituais praias do YouTube e do Facebook, juntaram-se agora as praias do Twitter e do Spotify, que juntamente com outras marcas de tecnologia como o Yahoo e a Microsoft, bombardeavam de eventos paralelos ao festival todos aqueles que foram até França.
Pelo meio, havia ainda dezenas de anúncios outdoor da Accenture Interactive e também (principalmente no aeroporto) da PwC Digital, que não se coibiram de mostrar a sua força. Justiça seja feita à Havas e ao seu “Café” que se voltaram a abrir ao mercado com inúmeras conferências, concertos e até com transmissões dos jogos do mundial.
2. As empresas de tecnologia e as grandes consultoras continuam a ganhar peso dentro e fora do evento.
Este facto complementa o anterior e não é propriamente uma novidade no festival. As grandes consultoras vieram para ficar e mais uma vez voltaram-se a activar em força. Paralelamente, as grandes tecnológicas reforçaram a sua presença e trabalharam para se fazer notar.
3. Primeiro Grand Prix para uma consultora. Acabou-se a desculpa de que não são criativos.
Falo-vos do trabalho “JFK Unsilenced” da Accenture Interactive Dublin, que venceu o Grand Prix de Creative Data e que ficará para sempre na história do festival, como o primeiro grande prémio conquistado por uma consultora. De agora em diante, a desculpa utilizada pelas agências de que as consultoras não são criativas começa a cair por terra. As grandes questões que agora se colocam ao mercado são: será esta uma tendência para manter? Qual a leitura que devemos fazer deste resultado? As consultoras tentarão em 2019, agora com os seus trabalhos, demonstrar que vieram para vencer também criativamente? Ainda há poucas respostas e é preciso esperar para ver.
4. Acabaram-se os super cases.
Aqueles grandes trabalhos que venciam dois e três GP acabaram de vez. Quem olhar para a lista de vencedores dos Cannes Lions 2018, pode agora ver uma enorme dispersão de trabalhos e de vencedores, o que, na minha humilde opinião, torna o festival ainda mais rico e interessante de ser analisado.
5. O analógico a brincar com o digital continua a ser uma tendência.
O ano passado, o Burguer King e a sua agência David brilharam com o seu trabalho “Google Home of Wooper”. A mecânica era básica e subtil: utilizavam um simples anúncio de TV para ativar o Google Home que estava em casa das pessoas e colocá-lo a falar sobre o seu produto – a simplicidade e o engenho desta campanha saíram fortemente premiadas pelo festival.
Este ano a história repetiu-se, com a campanha “Tagwords” da agência brasileira Africa, para a cerveja Budweiser. A mecânica era igualmente simples: anúncios de outdoor que em vez de imagens continham expressões que depois de pesquisadas nos motores de busca davam uma determinada imagem – ou seja, desta forma, a gigante americana das cervejas poupou uma largas centenas de milhares de dólares em direitos de fotografias. Genial? Claro que sim, foi por isso que este foi o GP de Outdoor.
6. Podem mudar todas as regras, mas o Brasil continuará sempre a brilhar.
O Brasil sempre foi um dos países mais premiados do mundo em Cannes, mas muitos profissionais da área apontavam que as alterações nas regras de atribuição dos leões iriam fazer com que o número de vencedores do país caísse drasticamente. Aconteceu precisamente o contrário: o Brasil voltou a passar a meta dos cem leões e conquistou inclusive dois GP.
7. 2018 foi o ano dos zero leões para Portugal. Mas ganhámos um Young Lion de Ouro e outro de Prata.
Se o Brasil se voltou a superar, o mesmo não pode ser dito sobre Portugal. O ano passado apenas havíamos conseguido um leão, conquistado pela FCB Lisboa em Health. Este ano não passamos das shortlists, conseguidas novamente pela FCB Lisboa e também pela Solid Dogma. É preciso o mercado sentar-se e reflectir em conjunto sobre os motivos que têm levado a esta decadência criativa nacional que bem se reflectiu no festival.
Por outro lado, temos bons motivos para acreditar no futuro, visto os nossos Young Lions de Marketing terem saído de Cannes com o Ouro, bem como os nossos também Young Lions de Design, que brilharam com uma Prata.
8. O balanço global foi positivo e o festival voltou a demonstrar a sua relevância.
Cannes mudou e há quem diga até que está mais pequeno. Aliás, os dados avançados pela organização do festival mostram mesmo uma diminuição da ordem dos 21% no número de inscrições de trabalhos. No entanto, estas mudanças parecem ter feito de Cannes um festival mais atual e mais preocupado em apontar caminhos para o futuro. Será isto verdade? Esta resposta ninguém tem e só a saberemos ao longo dos próximos anos. Cá estaremos para ver.
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