
Chancelaria com sabor amargo
Em vez de empoderado, Friedrich Merz começa o mandato enfraquecido por um boicote interno deliberado. As próximas semanas serão decisivas para se livrar dessa sombra.
O vazio de poder no coração ao Europa chegou ao fim. Seis meses depois da queda do Governo de Olaf Scholz, um novo liderado por Friedrich Merz foi confirmado. Era um momento de ouro para mostrar unidade e força, mas ficou manchado pela divisão.
Merz entrou já para a história como o primeiro a falhar a eleição para chanceler no Parlamento, obrigando à realização de uma segunda votação seis horas depois. A coligação entre a União Democrática-Cristã (CDU), o seu partido-irmão bávaro (CSU) e o Partido Social-Democrata (SPD) era suposto assegurar uma eleição sem espinhas, mas 18 deputados desalinharam-se dos respetivos partidos, impondo uma humilhação ao novo chanceler.
Com Macron enfraquecido internamente, a esperança numa nova liderança capaz de afirmar o papel da União Europeia na resposta a Vladmir Putin ou à guerra comercial de Donald Trump recai no futuro chanceler alemão. Em vez de empoderado, Merz começa o mandato enfraquecido por um boicote interno deliberado. Não é o melhor cartão de visita para os próximos encontros com os seus homólogos, que começaram já esta semana, com a visita ao Presidente francês.
A votação é secreta, pelo que não é possível saber ao certo onde esteve a dissidência. Há várias teorias. Deputados do SPD descontentes com a visão de Merz para limitar a imigração, que o aproximam do Alternativa para a Alemanha (AfD). Deputados da CDU/CSU desgostosos com o fim da disciplina orçamental imposta pela Constituição, aprovada pelo Parlamento que resultou das eleições anteriores e não das últimas. Ou, simplesmente, deputados desagradados com a constituição do novo Governo, onde predominam independentes. A intenção parece ser mostrar ao novo chanceler que o seu poder é limitado e tem de procurar consensos.
O passo em falso também suscitou dúvidas sobre a capacidade para implementar a ambiciosa agenda da coligação para ressuscitar a economia alemã, alimentadas também pela baixa popularidade de Merz. Só 21% dos inquiridos numa sondagem do instituto Forsa para a revista Stern consideraram o novo chanceler confiável e apenas 40% veem-no como um líder forte. Os números refletem, ainda assim, a relativamente baixa votação registada pelos democratas-cristãos.
A expetativa é, no entanto, que depois do embaraço inicial Merz consiga levar por diante os seus planos para reanimar a economia alemã. Os investidores estão otimistas. Depois de cair ligeiramente na terça-feira, o dia da votação, o principal índice bolsista alemão subiu para um novo recorde esta sexta-feira, acumulando uma valorização de 17,2% desde o início do ano.
Ao contrário da confirmação parlamentar para a chancelaria, a votação dos diplomas legislativos não é secreta, o que inibirá novas manifestações de divisionismo. O facto de o líder do SPD, Lars Klingbeil, ter assumido a pasta das Finanças e a vice-chancelaria, também sinalizam um compromisso dos sociais democratas com o novo Governo.
O crescimento ameaçador da extrema-direita – teve 20,8% nas eleições e está taco a taco com a CDU/CSU nas últimas sondagens –, deverá também servir como cimento para a coligação. Alice Weidel, a líder da AfD, rejubilou com o chumbo inicial de Merz e sublinhou no Twitter “a base fraca sobre a qual foi construída a pequena coligação”.
Uma provocação que põe o dedo na ferida. A chamada “grande coligação” entre CDU, CSU e SPD já chegou a ter 80% dos votos. Na última eleição conseguiu apenas 45% e as últimas sondagens somam cerca de 41%. Não é de todo o enquadramento político ideal para fazer face aos desafios históricos que a nova liderança germânica tem de vencer.
Depois de três anos de uma coligação truculenta e sem ímpeto reformista, Merz tem de fazer diferente. O tropeção no Parlamento é um mau prenúncio. As próximas semanas serão decisivas para o novo chanceler alemão afastar essa sombra e ganhar a confiança dos alemães. Para isso, poderá contar com a grande vitória que já alcançou: a liberdade orçamental para acelerar o investimento em infraestruturas e em defesa.
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