
Como conduzir no nevoeiro das tarifas de Trump
A estratégia de Trump é de usar a geoeconomia para ganhar na geopolítica. Para responder, a Europa tem de visar a independência comercial e evitar a cegueira do investimento na defesa.
“Não é muito diferente de conduzir numa noite de nevoeiro. Abrandamos”, explicava em dezembro Jerome Powell sobre como navegar face às incertezas que rodeavam as políticas económicas de Donald Trump. Em março, passados três meses e duas reuniões de política monetária, o presidente da Reserva Federal continuava às escuras, repetindo por seis vezes em conferência de imprensa que o banco central dos Estados Unidos precisa de esperar para ter clareza antes de definir o rumo. Com a sua calma habitual, Powell ia explicando aos jornalistas que tem tempo para perceber se as tarifas aduaneiras ameaçadas pelo presidente republicano vão mesmo concretizar-se, de que forma e com que impacto na economia.
Se Powell e os outros membros da Fed têm, ou acham que têm, tempo para discernir se as tarifas vão provocar acelerações na inflação e no desemprego ao ponto de atirarem a economia americana para uma recessão que os obrigaria a aumentar o número de cortes nas taxas de juro este ano, os investidores não têm esse luxo. Enquanto o banco central pode, e deve, parar ou desacelerar os motores para avançar quando o nevoeiro passar, Wall Street tem por natureza o hábito de acelerar para deixar a nuvem para trás ou meter a marcha-atrás para fugir dela. Neste caso, em que o fog de Trump é tão denso e carregado, tem escolhido a segunda opção.
Vai haver tarifas para tudo e para todos, anuncia o presidente, mas no dia seguinte diz que é só para alguns produtos e países. Vão começar já, mas afinal vão começar só daqui a um mês. Vão ser totais, parciais, recíprocas. Vão ser só para os inimigos (China, Canadá, México), mas afinal para amigos de inimigos (quem comprar petróleo da Venezuela), para antigos aliados (a Europa) e até para novos amigos (a Rússia, se não cooperar no jogo da guerra). Who knows?
Esta espécie de gaslighting – na qual Trump leva o mundo à loucura através da contradição, confusão e ilusão – não assenta nada bem com os ambiciosos investidores nas bolsas norte-americanas”
Esta espécie de gaslighting – na qual Trump leva o mundo à loucura através da contradição, confusão e ilusão – não assenta nada bem com os ambiciosos investidores nas bolsas norte-americanas. Outrora grandes amigos do republicano que celebrava máximos dos índices com tweets em letras maiúsculas, e no qual apostaram nas eleições de novembro (especialmente os CEO das gigantes tecnológicas), hoje lamentam a manta de nevoeiro com que ele cobriu o mercado acionista. Em resposta, estão a fugir das bolsas americanas, com os principais índices a fecharem o primeiro trimestre em baixa. O Nasdaq Composite tombou 10%, o S&P 500 desceu 4,6% e o Dow Jones Industrial Average recuou 1,3% e aproximou-se rapidamente do estado de correção (10% abaixo do último pico) que os outros dois já tinham atingido durante o trimestre.
Não é claro que os objetivos de Trump sejam atingidos, com vários economistas a salientarem que não é linear que tarifas por si só possam reduzir o défice externo e fomentar a indústria nacional, muito menos limitar a entrada de drogas e imigrantes. Trump não rejeita a possibilidade de as medidas provocarem uma recessão e até diz que pode ser um mal necessário. Quando, em 2018, se autodenominou “tariff man“, vincou que os objetivos eram de obrigar os “invasores” a pagar, maximizar o poder económico dos EUA e “TORNAR A AMÉRICA RICA DE NOVO”. Pobre coitada da nação mais rica e imperialista do mundo…
Agora prepara-se para anunciar tarifas recíprocas para todas as nações, chamando o dia 2 de abril o Dia da Libertação da América, um país que durante décadas foi, na mente de Trump, roubado e abusado por todas as nações do mundo, tanto amigas como inimigas. Entre estas nações estão, claro, as da União Europeia, uma organização que segundo Trump foi criada para “lixar” os Estados Unidos.
Se os investidores em Wall Street desataram a fugir do nevoeiro, os líderes europeus disseram que estão prontos avançar logo que ele levantar. Ursula von der Leyen disse que a UE tem “muitas cartas” que pode usar, mas não disse exatamente quais além de sermos um mercado único. A retaliação às novas tarifas de Trump já tinham sido adiadas para meados de abril. É natural que a UE não queira abrir o jogo, que prefira esperar para ver, mas a falta de assertividade não oferece muita confiança.
A estratégia de Trump é de usar a geoeconomia para ganhar na geopolítica. Para a Europa responder tem de ter jogo de cintura prático e não apenas palavras vagas. Tem de caminhar em direção à independência comercial, como disse esta semana Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu. Acima de tudo, tem de evitar entrar na cegueira do investimento na defesa.
Claro que a guerra na Ucrânia expôs a fraqueza europeia em termos da indústria de defesa. Claro que é importante não depender de terceiros na questão da segurança. Mas será essa a única forma de crescer, de ganhar competitividade e fazer frente aos outros blocos económicos? Os defensores desta estratégia militarista citam vezes sem fim o relatório Draghi, mas omitem que as recomendações incluem muitas outras áreas com potencial para a Europa, especialmente o digital e o ‘verde’. Não seria melhor uma aposta mais forte na Inteligência Artificial, por exemplo? Seria certamente mais democrático. A economia europeia pode até bem crescer com o investimento no setor da defesa, mas quem irá beneficiar com isso? Serão esses benefícios distribuídos pela economia como um todo? Duvido muito.
Os defensores desta estratégia militarista citam vezes sem fim o relatório Draghi, mas omitem que as recomendações incluem muitas outras áreas com potencial para a Europa, especialmente o digital e o ‘verde’.
Perante o coro de apoio a esta corrida ao investimento na defesa, são de louvar as palavras dissonantes de Mário Centeno. O Governador do Banco de Portugal sublinhou na semana passada numa mensagem gravada para um colóquio sobre os desafios da União Europeia, que “o aumento dos gastos [em defesa na Europa] não é instrumental e não é o que se pretende”, destacando como necessária a criação de “planos verdadeiramente europeus e bem desenhados” para defender o velho continente, mas que não tenham como objetivo fortalecer a economia por esta via. Finalmente, alguém que alerte a UE que não é esse o caminho para sair do nevoeiro.
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