Como quem não quer a Coisa

Os debates não trazem nenhuma novidade para além destas posições estratificadas numa peça de teatro onde alguém coloca um revólver em cima da mesa.

Os debates são uma suspensão da realidade em que todos se propõem discutir a respectiva realidade partidária. A realidade dos partidos é apenas uma projecção ideológica de uma parte da percepção da realidade tomada pelo todo. Logo não há complexidade, não há problematização, não há discussão, mas apenas uma colecção de medidas avulsas retiradas de compêndios antigos. Vamos discutir o pão com manteiga na varanda de uma habitação que não existe com vista para a Europa em guerra e com as convulsões na economia mundial que se afunda no Atlântico.

Com duas frases por assunto, surge o debate sobre o oásis de Portugal, uma espécie de enclave de pobreza e de riqueza imune aos problemas do mundo. Com os debates não se injectam novas políticas nem esperança associada a novas ideias. Com cenários cromáticos e movimentos de câmara intimistas, os debates são o ritual da primeira parte para excitar as audiências para o grande concerto que nunca acontece. Os debates são um reality show à procura de um profeta político para o país que não existe.

Depois há o fetiche da responsabilidade. Os fanáticos encenam a moderação. Os moderados escondem o fanatismo. Os radicais pretendem a responsabilidade. Todos querem ser o que não são ou parecer ser mais do que são. A ideia de que a genuinidade é um activo político é uma ilusão que os eleitores não compram. A ideia de que a política representa a preocupação com o país é a mentira mais repetida para efeitos de consumo das massas. Sobra o facto de os debates não serem para as massas, mas para uma faixa reduzida, marginal, educada, que pára, que escuta e que olha. Os debates acontecem mais como matéria para o comentário político, sobretudo para a infinita sucessão de cenários e projecções que se anulam mutuamente. As audiências dão bons números, as televisões cumprem o desígnio do serviço público, os partidos têm espaços de propaganda política e as eleições seguem dentro de momentos.

O Bloco representa um projecto estagnado que apenas conhece a lógica do “igualitarismo repressivo”. O Chega representa um projecto que debita a “empatia suicidária” de uma identidade narcisista. A IL é a contra-revolução da propriedade. O PCP é um tapete persa estendido nas ruínas da Ucrânia. O PAN é o progressismo dos “Verdes Anos” sem a nostalgia do mundo a preto e branco. O LIVRE é a grande catedral da esquerda europeia que descobre as tempestades de aço no coração do pacifismo. O CDS é o saudosismo de uma direita moral e moralista. Depois há o bloco central – PS e PSD. O PS é o fundador do regime e não abdica do estatuto. O PSD é o fundador das reformas e não abdica do estatuto. O PS pensa-se dono do centro radical. O PSD pensa-se dono do centro vital.

Não pretendo defraudar o leitor com a arrogância de um vendedor de verdades. Recordo que esta coluna também é um comentário que recusa a cenarização superior e permanente, mas que projecta uma crítica política que pode vir a sofrer de uma anulação mútua. A vossa e a do autor. Um jogo político no limite da realidade política e da previsibilidade real. Em política todas as mensagens se podem auto-destruir em 10 segundos. Sendo uma espécie de missão impossível, a política é exactamente o exercício que sobrevive à sua própria auto-destruição.

De regresso aos debates. A ideia de autenticidade é apenas o produto de um marketing político profissional que, com base em certas características do candidato e em função do eleitorado alvo, se vai afinando com sondagens e grupos focus. Os debates servem para fazer viver um político e para fazer morrer um político. Nada disto é novidade, nada disto é novo, tudo isto é prática corrente da democracia numa espiral eleitoral onde nada há para dizer perante um espaço mediático cada vez mais aberto e mais dependente de um discurso político permanente. Quando o espaço para o debate político atinge o paroxismo do ciclo noticioso das 24h, os políticos esgotam o reportório e refugiam-se em banalizações e banalidades. Conseguem imaginar uma democracia sem debates? Claro que não. Conseguem imaginar uma democracia sem ideias? Claro que sim. Com os debates a democracia abriu em queda. A política também é uma espécie de educação sentimental. E no país “o amor abriu em queda”?

Os protagonistas dos debates só desiludem os iludidos. Vamos à crónica partidária dos protagonistas profissionais. O espectro político continua pulverizado entre uma esquerda deserta e uma direita diversa. O elenco político continua polarizado entre o estado e o mercado.

O Bloco representa um projecto estagnado que apenas conhece a lógica do “igualitarismo repressivo”. O Chega representa um projecto que debita a “empatia suicidária” de uma identidade narcisista. A IL é a contra-revolução da propriedade. O PCP é um tapete persa estendido nas ruínas da Ucrânia. O PAN é o progressismo dos “Verdes Anos” sem a nostalgia do mundo a preto e branco. O LIVRE é a grande catedral da esquerda europeia que descobre as tempestades de aço no coração do pacifismo. O CDS é o saudosismo de uma direita moral e moralista. Depois há o bloco central – PS e PSD. O PS é o fundador do regime e não abdica do estatuto. O PSD é o fundador das reformas e não abdica do estatuto. O PS pensa-se dono do centro radical. O PSD pensa-se dono do centro vital. Os debates não trazem nenhuma novidade para além destas posições estratificadas numa peça de teatro onde alguém coloca um revólver em cima da mesa. As eleições serão uma roleta russa.

A política vive dentro de ideias. Novas ideias podem fazer desaparecer velhas ideias. É tempo de Portugal conhecer um novo “Dia da Libertação”. Alguém contra?

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