Desta vez, Jerome Powell foi o Bad Santa
'Last Christmas' o presidente da Fed deliciou os meninos e meninas de Wall Street com o abrir da porta dos cortes dos juros, mas desta vez fez o contrário - sinalizou cautela e incerteza.
No gloriosamente hilariante (e politicamente incorreto) filme ‘Bad Santa’ (de 2003) o personagem interpretado por Billy Bob Thornton reúne-se a cada 24 de dezembro com o parceiro para assaltarem lojas, vestido de Pai Natal. Obviamente Jerome Powell e os seus parceiros da Reserva Federal não são larápios, mas em Wall Street esta quarta-feira foram vistos mais como o Pai Natal mau do que o da versão generosa do ano passado.
O corte de 25 pontos base (pb) nas Federal Funds Rate era mais que esperado e tanto analistas como investidores previam mensagens de um abrandamento nos cortes em 2025, com a inflação a não dar tréguas e muitos a verem uma pausa para pensar (sobre Trump, já lá vamos) em janeiro, antes de três cortes no resto do ano. Mas as projeções que acompanharam o comunicado do banco central deram logo o tiro de partida – a previsão é de apenas dois cortes em 2025.
Os principais índices acionistas em Wall Street reverteram os ganhos, começaram a descer e acabaram a sessão a afundar entre 2,58% e 3,56%. As criptomoedas também tombaram, com a bitcoin a derrapar 5,17% e a ethereum 6,14%.
Pelo meio, Powell foi muito claro na conferência de imprensa – a Fed está num ponto ou perto de um ponto em que será apropriado abrandar o ritmo de novos ajustamentos. Aplicou até o termo que ninguém queria ouvir, “cautelosos”.
A intenção de Powell e companhia não seria, naturalmente, de estragar o período natalício aos investidores, mas dar um toque de realismo num mercado que foi guloso este ano e que enfrenta variadas incertezas no próximo.
Quase todas a noites nos últimos meses recebemos notificações das apps de notícias com palavras como recorde, máximos ou dispara, entre outras, para descrever os sucessivos ganhos nas bolsas americanas. Imunes a duas guerras perigosas, tensão doméstica com eleições ou desastres naturais, os índices cavalgaram a excitação sobre a Inteligência Artificial e os sucessivos cortes da Fed (100 pb em 4 meses, Santa Powell entregou mesmo os presentes).
E, claro, o entusiasmo sobre o regresso à Casa Branca de Donald Trump, um homem que adora Wall Street e até festejava recordes do Dow no antigo Twitter em letras maiúsculas durante o primeiro mandato. Para os investidores, os cortes fiscais, menos regulação e mais tarifas comerciais representam promessas de um novo boom económico americano, com as grandes empresas à cabeça.
Mas para a Fed, essas promessas representam incertezas. Primeiro, porque como sublinhou Powell, as medidas têm ainda de ser apresentadas para serem analisadas. É como conduzir numa noite de nevoeiro ou entrar num quarto escuro cheio de mobília, é preciso ir devagar, disse. Segundo, porque ainda não se conhece o potencial efeito de medidas como as tarifas, e de prováveis retaliações, na inflação e no crescimento da maior economia do mundo.
Entre as incógnitas está também a imprevisibilidade de Trump. Como sabemos, nem sempre faz o que diz, por exemplo na questão da imigração, que é um fator crucial no mercado de trabalho que a Fed tenta afinar. E depois, será interessante ver como o republicano lida com um presidente da Fed que ele próprio nomeou mas que já disse querer ‘fire‘. Se as medidas que Trump implementar resultarem em mais crescimento e mais inflação, Powell ficará com ainda mais razões para manter a política monetária restritiva.
No final do dia, quarta-feira, pode ter sido apenas uma sessão de quedas em Wall Street que poderá recuperar rapidamente. Mas os sinais estão lá – foi a décima queda seguida do Dow e a maior em meses tanto do S&P como do Nasdaq. Numa altura em que as principais casas de investimento opinam que ainda há upside nas bolsas americanas, há vozes que alertam que isso poderá não ser tão líquido, que os riscos podem estar a ser subvalorizados e as avaliações sobrevalorizadas depois de tantos ganhos.
Num período em que a euforia parece triunfar sobre a incerteza, é bom que à frente da Fed esteja um Pai Natal que de vez em quando não se importe de ser um Bad Santa.
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