
Diga o primeiro-ministro 33
A análise da saúde mental dos decisores políticos pode ser a grande explicação para o secular estado da nação.
Polémica com cartazes e providências cautelares, a provável e impossível influência da região autónoma nos resultados eleitorais da República, as listas de deputados da AD, a mudança de nome da AD, a ética do primeiro-ministro no enredo da campanha, a recuperação dos heróis fundadores pelo Bloco, o excedente orçamental, as sondagens que começam a apontar uma tendência nos resultados, tudo provocações, tudo processos, tudo estabilizações. É o retrato da semana, é a democracia à volta de si mesma num exercício de diversão em círculo fechado.
A grande especulação democrática centra-se na ética do Primeiro-Ministro. Deve a campanha ser suja e explorar os recantos negros do carácter do Chefe do Executivo numa sequência infinita de casos e investigações que a imprensa livre explora com a liberdade inerente a uma democracia? Deve a campanha ser alegre e explorar o lado positivo da governação e da oposição no estabelecimento de um mercado eleitoral de ideias prontas para receber o voto e despachar o país para o progresso? No grande mercado da informação democrática o lado negro tem a preferência incontornável do escrutínio popular – perante os pecados dos políticos, cada português sente-se eticamente superior e nesse sentido a falta de ética de um político multiplica por mil a ética da nação inteira. Perguntem ao Chega, o partido da ética, se não é uma máxima democrática.
No grande mercado da informação democrática o lado sério não tem o mesmo brilho, tudo é demasiado complicado, tudo é excessivamente enfadonho, as propostas dão trabalho a perceber sem se chegar bem a perceber, não têm imagens, nem animação, nem concursos, tudo mais parece um comité técnico-político para decisão de uma reforma da nação. Reformas? O país está em crise, demasiado mal para se estar agora a inventar reformas. Urgente é pôr a funcionar o que existe e não funciona, como o SNS, a carência habitacional, as pensões, os baixos salários, as rendas altas, a igualdade de oportunidades, a miséria moral que vagueia nas redes sociais e suburbanas. Dizem os políticos que para todos estes problemas serem resolvidos são preciso reformas. É mais um paradoxo da democracia portuguesa – não existe qualidade, consistência e persistência políticas para as reformas. Mas sem reformas o que existe simplesmente não funciona. É o país bloqueado, é o país adiado, é o sinal de que nada é para levar a sério. O que é para se levar verdadeiramente a sério e por esta ordem será – o momento eleitoral; o método da omissão política; a ignorância estatística, um país que não conhece o seu universo real não tem critérios para a definição programática nem para a acção política. Perguntem ao Bloco, o partido dos puros, a razão pela qual os candidatos vintage acrescentam na luta contra o “neo-fascismo” na Cidade dos Arcebispos.
As entrevistas proto-pré-eleitorais são o retrato de um país à procura de uma identidade política. Todas as entrevistas são representações do vazio político. Todas as entrevistas são observações do país a partir de um segmento ideológico onde se toma a parte pelo todo. Todas as entrevistas são um julgamento sobre as causas repartidas de uma eleição que ninguém deseja. Todas as entrevistas são um exercício de obscurantismo e de puro cálculo político. No circuito das televisões repetem mecanicamente os falsos argumentos sobre os resultados eleitorais desconhecidos. As entrevistas são uma espécie de demarcação de território político no grande mundo animal da política portuguesa. Mais esquerda, menos direita, coligações, convergências pós-eleitorais, a ilusão de uma maioria absoluta, a desilusão de uma minoria absoluta, a perspectiva de uma extinção parlamentar, os segredos da governabilidade, os desejos da ingovernabilidade. Os portugueses não fazem cerimónia com as entrevistas. Fica a imagem do partido da ética, que só descobre 50 anos de corrupção em Portugal, com o dedo no ar a pedir à professora – “Só peço que nos dêem uma oportunidade”.
Quando a pré-campanha escorregava automática pela irrelevância e pela repetição do refrão, o primeiro-ministro é surpreendido por uma arritmia cardíaca. O Presidente da República entra em pânico, o país pára. Subitamente, descobre-se que os políticos são humanos. A democracia sente uma arritmia quando o primeiro-ministro em vésperas de uma campanha eleitoral sofre de um “episódio cardíaco”. Imaginem uma crise política causada agora pelo estado de saúde do chefe do Executivo. Quando se pergunta se os portugueses podem confiar na ética do primeiro-ministro, não se poderá questionar se os portugueses podem confiar na saúde do primeiro-ministro? Estas complicações não entram na política portuguesa. A saúde do primeiro-ministro também é um assunto de Estado e deve ser objecto de escrutínio democrático.
Alguém equaciona a saúde mental dos políticos na tomada de decisão? A análise da saúde mental dos decisores políticos pode ser a grande explicação para o secular estado da nação.
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