Estamos todos viciados?
Perguntar, duvidar, refletir e ouvir o outro não é fraqueza. É defesa. O papel da comunicação não é polarizar - é influenciar.
Estamos todos drogados. Não quero ser alarmista, pessimista ou derrotista, mas estamos todos inebriados por esta droga escondida que nos tomou por assalto: a controversa polarização.
Segundo o dicionário Priberam polarização, é um verbo transitivo e pronominal que se define por “provocar ou sofrer a concentração de energias ou de ideias num ponto ou num polo que se opõe a outro ou outros.” No entanto, a polarização não é apenas radicalização. É o processo silencioso pelo qual reforçamos as nossas crenças quando participamos de debates sobre temas controversos. Não é um tema novo, e não é apenas o extremar de posições, nada que não aconteça e, por vezes, com uma atitude de ignorância deliberada perante factos que poderiam desafiar essas crenças.
E porque é que se classifica como uma dependência oculta, perguntam vocês? Porque, de uma forma mais ou menos consciente, oferece-nos uma sensação imediata de pertença e certeza neste novo mundo ambíguo e complexo. Fazer parte de um dos polos funciona como um anestésico emocional: simplifica o pensamento, reforça identidades e valida as nossas convicções, criando a ilusão de que estamos do lado certo. O problema é que, como qualquer vício, exige doses cada vez maiores para manter o mesmo efeito — e isso tem escalado para mais indignação, mais ruído, mais “nós contra eles”. Até que deixamos de procurar compreender e passamos apenas a reagir. No fim, o que parece clareza é apenas dependência disfarçada de convicção.
O mais perigoso na polarização é o empoderamento de quem acha que sabe falar sobre tudo. Os cientistas explicam-no com o efeito Dunning-Kruger, segundo o qual os que conhecem “pela rama” determinados temas são os mais autoconfiantes, enquanto os mais entendidos e conscientes de quanto ainda há por saber, revelam maior prudência.
Um exemplo prático são os recém-encartados. Quando acabamos de tirar a carta de condução, somos cuidadosos, seguimos as regras e fazemos tudo como manda o figurino. Depois, quando acreditamos que “dominamos a máquina”, é precisamente aí que acontecem mais acidentes. Quem nunca?! Been there, done that. Conscientes disso, as seguradoras tornam a apólice muito mais onerosa nessa fase. Mais uma vez, os dados são super úteis para tomar decisões e definir estratégias.
Os movimentos anti-vacinas são outro exemplo. Raramente são compostos por pessoas profundamente ignorantes. Muitas vezes, incluem indivíduos com formação superior — apenas não na área em causa. E, nenhum de nós está livre deste efeito: a partir do momento em que sabemos um pouco, achamos que sabemos imenso. E isso é assustador.
As redes sociais agravam o fenómeno: transformam conhecimento específico em genérico e amplificam-no até à caricatura, como assistimos de forma Extremamente Desagradável. Fazemos cherry picking do que nos interessa e formamos uma ideia fechada, o que empobrece o debate e reduz o espaço para diferentes perspetivas.
Há conhecimentos que são essenciais, mas as redes apenas levantam a ponta do véu, nem sempre pelo ângulo certo. E essa amplificação é ainda mais preocupante quando, de acordo com um estudo recente da NewsGuard, as informações falsas quase duplicaram, passando de 18% para 35% nas respostas a perguntas sobre temas noticiosos.
“Little knowledge, big confidence” — assim resume a cientista Joana Gonçalves Sá este efeito, que nos leva a acreditar que dominamos debates complexos com meia dúzia de artigos e manchetes. E o efeito é real. A polarização quando se extrema impede o consenso. Fragmenta a sociedade e amplifica o ódio. Mariano Sigman alerta: “As grandes tragédias humanas resultam da incompreensão, quando um grupo não consegue entender o outro.”
A solução não é simples. Os desmentidos quando chegam, só são vistos pelos já convencidos e não têm o mesmo impacto nem a mesma visibilidade. O debate online não imita a deliberação presencial, mas podemos tentar. Criar espaços de pausa, reflexão e conciliação, e lembrar que a prudência sobrepõe-se à arrogância. Perguntar, duvidar, refletir e ouvir o outro não é fraqueza. É defesa. O papel da comunicação não é polarizar — é influenciar.
Olhando para o copo meio cheio, a polarização não é sempre má. Ela é também um motor de ação social. Mas, torna-se perigosa quando o discurso público deixa de permitir diálogo, moderação e contestações saudáveis. E isso, sim, é uma droga.
Este texto foi revisto e editado com o apoio do ChatGPT, respeitando o estilo e a ortografia definidos pela autora.
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