
Euro-Trash-Clash
As luzes nos teatros da Europa permanecem acesas. E acesas as luzes dos teatros iluminam o grande enredo da Europa com o beneplácito do tempo e da História.
Quando o mundo desaba, a Europa tem o talento de ficar sempre soterrada. Na Conferência de Munique o Vice-Presidente da América denuncia a Europa e as suas fragilidades internas como centro e origem da degradação económica e política do Continente. Não é a América nem a Rússia nem a China que ameaçam a Europa.
Na eloquência absurda e historicamente ignorante, o enviado da América denuncia a falta de “liberdade de expressão” como a estátua que arde até consumir a Europa. A lição de política é mais um exercício absurdo onde o “fascismo da vulgaridade” serve apenas para iludir as responsabilidades e garantir os interesses. Nada espanta nem nada causa preocupação quando o universo político está dominado pela pós-verdade. A ordem mundial está em aberto porque a desordem mundial se vai instalando com a Europa excluída pelos grandes Impérios. A Europa imperialista excluída pelos Impérios da nova era imperial. Ao mesmo tempo e há mesma hora, a artilharia russa continua a flagelar o espaço simbólico da Europa com todas as cargas a explodir no silêncio cúmplice de Munique.
Para esta extracção de políticos americanos, a Europa é um museu. E os museus visitam-se para se ver o passado. No palácio da memória da Europa estão todas as ideias que fizeram a América. No deserto da memória da América estão todas as ideias que fazem a América. Não adianta sublinhar que o mundo entra finalmente no século XXI.
A propósito, em 25 anos é necessário entrar quantas vezes no século XXI? De acordo com alguma intelectualidade europeia, este é um argumento político que apenas serve para justificar aquilo que ignoram ou desconhecem. O silêncio e a impotência da Europa resultam do facto de não serem os maiores criadores de riqueza desde 2005, ao que se acrescenta ainda o “inverno demográfico” mais a pressão migratória. A Europa é um continente marcado pelo melhor e pelo pior da História, uma espécie de cemitério de todas as elites e de todas as aristocracias.
A ordem liberal derrete-se à luz do dia com o beneplácito dos políticos europeus, com a cumplicidade activa de uma contra-elite europeia, com a perversa capacidade que a Europa tem de se odiar profundamente. Interessante ainda é o facto dos mais vocais e artísticos defensores do liberalismo justificarem o contra-liberalismo que desliza pelo Atlântico. Como é que liberais de supostas credenciais são hoje defensores de um gótico americano deprimente e dominante? Como é que uma intelectualidade que sempre combateu o Estado e defendeu o Mercado será capaz de sobreviver num mundo onde esta dicotomia é absolutamente obsoleta? Pode afirmar-se que são liberais que odeiam a liberdade e que adoram a liberdade como consciência da conformidade?
A ideia política dominante nos dias sombrios que nos vão iluminando é a convicção silenciosa de que todas as sociedades baseadas numa ideia de liberdade e num módico de igualdade estão condenadas ao declínio. É como se a grande força impulsionadora do progresso fosse apenas e exclusivamente o confronto, o domínio, o conflito político levado ao limite da humilhação do outro. A liberdade e a igual dignidade das opiniões é uma ideia que pertence a um passado incompatível com a vertigem tecno-futurista que anuncia o mundo perfeito das novas potências. Mas o que acontece a todos aqueles que recusam este permanente conflito entre posições radicais e reivindicações absolutas como base para a relação entre as nações? Nações dominantes que se elevam a Impérios absorvem nações dominadas que se precipitam em satélites. Afinal o novo mundo anunciado pela América é o velho mundo inventado pela Europa. O grande problema é que não existe qualquer mecanismo político para se resolver hipotéticos conflitos a não a expressão pura da força até ao limite da violência. Todos os comentadores liberais ou conservadores se esquecem que a violência é uma forma expedita de fazer política. A Europa é o maior certificado da relevância política da violência. Os museus não são divisões do passado, são o sublime que sobrevive à violência e à barbárie.
Enquanto a convulsão na desordem mundial se projecta em todas as direcções, enquanto o mundo se confronta com uma rápida mudança de paradigma, o silêncio da ONU não pode deixar de levantar todas as reservas políticas. A ONU é hoje uma instituição bloqueada. No teatro da palavra política não sobra nada. A ONU é hoje o cadáver político do multilateralismo.
As luzes nos teatros da Europa permanecem acesas. E acesas as luzes dos teatros iluminam o grande enredo da Europa com o beneplácito do tempo e da História. No palco existem heróis e vilões. O drama da Europa é que inventou tantos heróis como promoveu tantos traidores. A Europa está prestes a entrar na nova era da traição.
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