Evolução do desemprego e do défice orçamental na era de Trump

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 10:00

Tal como em 2017, há já uma intenção clara de prolongar ou aprofundar os cortes de impostos, mesmo num contexto de crescimento económico, pelo menos até ao final do quarto trimestre de 2024, ou seja,

Desde 1969, a política orçamental dos EUA tem seguido uma lógica consistentemente anticíclica: agravando o défice em tempos de recessão e consolidando as contas públicas em períodos de crescimento económico. Em períodos de crescimento económico e de robustez no mercado de trabalho, o saldo orçamental tende a melhorar. Durante as recessões, o défice agrava-se, refletindo não só o impacto dos estabilizadores automáticos, mas também a adoção de medidas de estímulo económico para apoiar as empresas. Todavia, entre 2017 e 2019, esse padrão foi claramente interrompido.

O contexto económico em 2016-2017 era já de fraco crescimento. Havia incerteza e sinais de desaceleração, embora ainda não se estivesse tecnicamente em recessão. Donald Trump não aplicou a sua política fiscal energicamente expansionista como reação a uma crise iminente, mas como concretização de uma agenda governativa assente em cortes profundos de impostos. Esta medida agravou o défice orçamental para níveis historicamente elevados num contexto não recessivo. No entanto, esse impulso orçamental teve efeitos económicos significativos, sustentando o crescimento e reduzindo a taxa de desemprego para mínimos históricos. Foi uma opção orçamental atípica na história recente dos EUA — expansionista em pleno ciclo de crescimento, ainda que moderado — e que inverteu a lógica tradicional de consolidação das contas públicas em fases de crescimento económico.

Este período, que correspondeu ao primeiro mandato de Donald Trump, constituiu uma exceção relevante e merece destaque na análise da relação entre saldo orçamental e mercado de trabalho nos EUA.

O gráfico que acompanha esta análise ilustra precisamente essa relação, mostrando a evolução do saldo orçamental (linha azul) e da taxa de desemprego (linha laranja, invertida) entre 1969 e 2025. Ao longo do período, observa-se uma correlação evidente: durante as recessões (áreas a cinzento), o desemprego aumenta e o défice agrava-se, sendo geralmente seguida por uma recuperação conjunta. O comportamento entre 2017 e 2019 rompe com essa regularidade histórica. O défice agravou-se apesar da manutenção de condições económicas relativamente positivas. Esta inversão resultou de decisões políticas, nomeadamente cortes de impostos, que tornaram a política orçamental claramente pró-cíclica, sem justificação económica imediata.

Quando há forte desaceleração económica ou mesmo recessão, o desemprego tende a ser o primeiro indicador a reagir, aumentando rapidamente devido ao forte abrandamento ou mesmo diminuição da atividade e aos despedimentos nas empresas. Em resposta, são ativados os chamados estabilizadores automáticos, mecanismos automáticos que não necessitam de aprovação central, já integrados no sistema orçamental e previstos nas regras fiscais e sociais. Estes mecanismos impulsionam a despesa pública, através de subsídios de desemprego e apoios sociais, enquanto as receitas fiscais diminuem devido à redução da atividade económica, dos rendimentos e do consumo. Como resultado, o défice orçamental agrava-se, às vezes com algum desfasamento temporal, face à subida do desemprego. Este processo ajuda a suavizar o impacto da crise na economia e a apoiar as famílias, sobretudo as mais vulneráveis, funcionando como um amortecedor automático do ciclo económico.

As políticas económicas devem ser, idealmente, anticíclicas. Isso significa que o Estado deve estimular a economia em fases de recessão (aumentando a despesa pública ou reduzindo impostos) e conter o crescimento em fases de expansão (reduzindo a despesa ou aumentando impostos). Esta abordagem ajuda a estabilizar o ciclo económico, evitando oscilações excessivas. Políticas pró-cíclicas, por outro lado, amplificam os ciclos e tendem a agravar os desequilíbrios, sendo, por isso, na maioria dos casos, desaconselhadas do ponto de vista técnico.

Entre 2017 e 2019, verificou-se uma quebra inédita no padrão histórico da relação entre o desemprego e o défice orçamental nos EUA. Pela primeira vez desde 1970, o défice agravou-se de forma significativa num contexto de crescimento económico e de queda contínua da taxa de desemprego. Ao contrário do que é habitual — em que o défice aumenta durante períodos de crise devido à ativação dos estabilizadores automáticos —, neste caso o agravamento resultou de decisões políticas deliberadas. O governo norte-americano promoveu cortes fiscais massivos, mesmo com a economia em relativa expansão, embora já se notasse alguma desaceleração, e com o mercado de trabalho próximo do pleno emprego.

Este comportamento rompe com a lógica tradicional da política fiscal anticíclica, ao contrariar o princípio de consolidação das finanças públicas em tempos de bonança. Em vez de responder a necessidades económicas imediatas, tratou-se de uma estratégia previamente definida pelo governo. Decisões políticas deliberadas, como os cortes fiscais massivos introduzidos pela “Tax Cuts and Jobs Act”, ampliaram o défice num contexto de crescimento económico, conduzindo a desequilíbrios nas contas públicas difíceis de reverter nos próximos tempos. Não pareceu, de forma alguma, uma política com intenção profilática. Pelo contrário, refletiu uma inversão na prática orçamental seguida pelos EUA nas últimas cinco décadas, pelo menos.

Com o regresso de Trump ao poder em 2025, essa lógica poder-se-á repetir ou até mesmo se intensificar? Tal como em 2017, há já uma intenção clara de prolongar ou aprofundar os cortes de impostos, mesmo num contexto de crescimento económico, pelo menos até ao final do quarto trimestre de 2024, ou seja, uma medida pro-cíclica. Todavia, o primeiro trimestre de 2025 já registou uma contração, reflexo das políticas comerciais da nova administração, nomeadamente pela antecipação e aceleração das importações, com o objetivo de escaparem às tarifas. No entanto, o contexto atual é pouco favorável: o défice orçamental já é elevado, a dívida pública ultrapassa os 120% do PIB nominal e as taxas de juro de longo prazo estão acima dos 5% a 30 anos e de 4,60% a 10 anos. Repetir uma política fiscal pró-cíclica neste cenário fragilizado poderá acelerar a trajetória de insustentabilidade das finanças públicas, gerar pressões inflacionistas, aumentar os custos da dívida e abalar a confiança nos mercados financeiros e no dólar. Em suma, Trump 2.0 poderá replicar os erros fiscais do passado, mas num ambiente económico significativamente mais vulnerável.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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