Fantástico País
A situação política neste interregno orçamental reduz-se a um conjunto monótono de narrativas.
O país anda esquisito. Não que algum dia tenha sido um lugar normal. Mas nesta nova fase tudo parece disperso e em roda livre. O Ministro da Defesa vem lembrar que Olivença é Portugal. O PS pretende estender o prazo limite para o aborto. Entre Olivença e o aborto vai a rapidez de um país absurdo que, tendo tudo por fazer, preocupa-se em dizer o que certamente não faz. É como se Portugal fosse a personagem de um romance com necessidade de se esconder por detrás de fachadas para viver com tranquilidade num palco barato e assim evitar a realidade. Não dizem que Portugal é a pátria dos poetas? Portugal é um país com uma corda ao pescoço afinada em dó.
Mas há uma leitura política nesta circulação operática de asneiras. O CDS continua com reflexos e tiques reaccionários que pretendem resolver o passado. Existe no CDS um saudosismo histórico de matriz inconveniente e perfil fora de moda, como se o país fosse a vítima das injustiças do mundo e o partido fosse o último refúgio dos aventureiros. Se o critério político da oportunidade e da conveniência fosse aplicado às declarações do Ministro da Defesa não sobrava nada. Sobrava talvez os compromissos de uma coligação que joga o seu futuro no vazio da espera e no país adiado. Um clássico da política em Portugal.
O PS insiste no debate sobre o aborto. A julgar pelo apelo da sociedade civil é necessário aumentar o prazo limite para o procedimento médico. Aliás a oportunidade da questão não se prende com uma questão legal, mas talvez e sobretudo pela incapacidade do SNS responder às solicitações dos cidadãos. Mas o SNS, o milagre de Abril, não consegue responder às solicitações dos cidadãos em geral e não apenas dos cidadãos que têm a vida social condicionada pelo planeamento familiar. Logo em Portugal em que nada é planeado, resolvem agora planear a família em procedimentos complexos e em períodos mensais. É uma espécie de plano quinquenal para a economia familiar que cai sobre o país tal como o nevoeiro ideológico prejudica a visão progressista do PS. Felizmente há luar e o moralismo ainda não infecta o delírio dos socialistas.
O desvio à direita sombria do CDS e a derrapagem à esquerda radical do PS são uma afirmação da maior desinteligência que vai marcando o ritmo medíocre da vida em Portugal. Em tempo de uma negociação para o orçamento que se torna eternamente intermitente, em tempo de aproximação e afastamento, em tempo de avanços e de recuos, PS e CDS resolvem aprofundar o fosso ideológico com supostas causas fracturantes que apenas fracturam a normalidade democrática. O país é viciado em crises, Portugal está dependente de dramas, como se a política fosse uma sucessão imparável de cenas e de truques para no final ficar tudo na mesma. O país é conservador porque é avesso a qualquer movimento, a não ser a ideação suicida de uma política de impulsos ao serviço da estagnação. A direita esconde-se no passado. A esquerda mergulha no futuro. Entre o passado e o futuro o presente do país é uma máscara de mergulho caseira a olhar para a literatura do mar.
Há um ponto interessante na arquitectura política do PS. Na realidade o partido tem um líder formal e um líder informal. O secretário-geral é o líder formal que percorre o país com a força de um voluntarismo populista e progressista. O secretário-geral é o homem de acção do futuro da nação, distribuindo indignação e revolta pelo PS não estar no poder. Tudo no secretário-geral é superioridade moral e heroísmo, é o coração do PS em ritmo acelerado em que as palavras são mais rápidas que o pensamento. Com o secretário-geral o PS é só emoção. E como os portugueses adoram a imprevisibilidade dos políticos emocionais.
A líder parlamentar é a líder informal que percorre o hemiciclo, os estúdios de televisão, as páginas dos jornais com a frieza férrea de quem representa a identidade ideológica do PS. É óbvia a divisão de tarefas na liderança do PS – o secretário-geral é a alma do PS, a líder parlamentar é o cérebro do PS. Temos um partido em que a alma política está separada do cérebro político, situação em que o pêndulo político requer inteligência e muita arte. Quando os portugueses optam pelo PS, votam no coração ou no cérebro do partido? É o ecossistema de uma caverna cheia de sombras.
A situação política neste interregno orçamental reduz-se a um conjunto monótono de narrativas. As máquinas partidárias produzem um dilúvio de narrativas que cobre o país e que continua para o mar até ao cume das montanhas. A política está na fase de um comboio subterrâneo que transporta os portugueses pelo cenário de uma história onde a realidade é proibida. Que se encontrem a três quartos do caminho, na terra-de-ninguém, e aí reinventem o país. Que o tédio do orçamento não acabe na fadiga dos portugueses e na humilhação de uma nação.
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