Liderança energética da China contrasta com declínio alemão
Nações com energia barata, como França, EUA e China, têm vantagens significativas. Mas, transições mal geridas, como a dependência do gás natural russo pela Alemanha, podem afetar a competividade.
A Alemanha tem reduzido o uso de carvão, apostando em renováveis como eólica e solar, mas a desativação gradual da energia nuclear (pós-Fukushima) aumentou a dependência do gás natural, especialmente em crises como a guerra na Ucrânia. Apesar do foco na transição energética, a dependência do gás russo e a imprevisibilidade das fontes renováveis (eólica, solar e hídrica), que dificultam a previsão da sua disponibilidade quando necessária, afetam a competitividade industrial germânica.
A França mantém uma matriz predominantemente nuclear, garantindo energia de baixo carbono e custos estáveis, mas enfrenta desafios com o envelhecimento de alguns reatores e atrasos na sua manutenção. Embora o avanço em renováveis seja mais lento, a energia nuclear compensa a intermitência das fontes eólica, solar e hídrica.
Portugal tem avançado significativamente nas renováveis, eliminando o carvão e reduzindo a dependência de gás natural, mas enfrenta desafios com a intermitência dessas fontes e os altos custos de energia, que impactam a competitividade industrial.
Na Suíça, a matriz energética é dominada pela hidroelétrica e nuclear, com crescente aposta em eólica e solar, embora a dependência de importação no inverno e os custos elevados representem desafios. É importante destacar que, durante a crise petrolífera da década de 1970, a Suíça não hesitou em apostar na energia nuclear, seguindo o exemplo da maioria das economias avançadas, ao contrário de Portugal. A disponibilidade de energia barata é um dos fatores mais determinantes para a competitividade de uma economia, sendo essencial para atrair indústrias e investimentos estrangeiros. Além disso, a energia desempenha um papel crucial na transformação de matérias-primas em bens e serviços, contribuindo diretamente para o aumento do bem-estar da população.
Os EUA têm substituído o carvão pelo gás natural, aproveitando os baixos custos e a sua abundância, enquanto as fontes renováveis, como a eólica e a solar, registam um crescimento rápido, embora a dependência dos combustíveis fósseis ainda seja significativa.
Por sua vez, a China lidera na produção de energia, mantendo ainda uma elevada dependência do carvão, mas tem avançado na adoção de tecnologias de recaptura de carbono. O país também realiza investimentos significativos em fontes renováveis, sobretudo nas áreas de energia solar e eólica. Além disso, a energia hídrica ocupa o segundo lugar na matriz energética, representando cerca de 20%. Energia abundante e custos baixos são fatores chave na competitividade da China como “fábrica do mundo”.
A energia é a base do crescimento económico, sendo essencial para a competitividade de países em setores industriais e produtivos. Nações com energia barata e estável, como França, EUA e China, têm vantagens significativas. No entanto, transições energéticas mal geridas, como a dependência do gás natural russo pela Alemanha, podem prejudicar a competitividade.
A diversificação energética (caso dos EUA e da China) ou a autossuficiência (como a França com energia nuclear) são fatores estratégicos. Em suma, energia barata, abundante e limpa é fundamental para um crescimento económico sustentável e competitivo. A França destaca-se pela estabilidade e baixo custo proporcionados pela energia nuclear, enquanto a Alemanha enfrenta desafios devido à sua dependência de gás.
Portugal tem avançado nas renováveis, mas precisa reforçar a sua matriz com uma energia de base, como as tecnologias emergentes de pequenos reatores nucleares (SMR) e soluções de armazenamento. Por outro lado, a China, apesar de ser o maior emissor de carbono, é o líder na transição renovável. Os EUA, com energia barata, continuam competitivos, mas precisam acelerar a transição.
É interessante realçar que a China quase não utiliza petróleo na produção de eletricidade, o que, aliado à crescente eletrificação do setor automóvel, deverá resultar numa redução significativa das suas importações de petróleo nos próximos anos. Em 2025, espera-se que a maioria das vendas de automóveis no país seja de veículos elétricos (VEs), marcando um avanço estratégico que reforçará a segurança energética e diminuirá a dependência do petróleo no transporte, contribuindo para uma redução significativa das importações de petróleo pela China.
Para mitigar as emissões de carbono, a China tem implementado medidas ambiciosas, incluindo tecnologias de Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono (CCUS). Em julho de 2024, o país anunciou um plano para reduzir em 50% a intensidade de carbono na produção de energia a carvão até 2027, integrando inovações como o uso de amoníaco verde e biomassa. Apesar da elevada dependência do carvão na matriz energética, estes esforços demonstram um compromisso com a modernização energética e a transição para fontes mais limpas.
A transformação energética da China é igualmente visível na sua liderança global em VEs. Em 2023, os VEs representaram 37% das vendas de automóveis no país, e prevê-se que superem os motores de combustão interna em 2025. Esta transição não só reduz a dependência de combustíveis fósseis no setor dos transportes, como também posiciona a China como líder mundial em tecnologia limpa, incluindo baterias e energias renováveis.
Embora a China seja atualmente o maior importador mundial de petróleo bruto, atingindo um recorde de 11,3 milhões de barris por dia em 2023 (11% da produção global), a redução da dependência do petróleo trará benefícios estratégicos. Entre estes, incluem-se uma maior segurança energética, menores vulnerabilidades geopolíticas e poupanças significativas nas importações, permitindo o redirecionamento de recursos para modernizar a infraestrutura elétrica e expandir as energias renováveis.
Se bem-sucedida, a transição energética da China terá implicações globais profundas. Países exportadores de petróleo, como os do Médio Oriente e a Rússia, poderão enfrentar desafios estruturais resultantes desta transformação. Simultaneamente, a China consolidará o seu papel como líder da economia verde, reduzindo emissões e moldando o futuro da energia sustentável a nível mundial.
Enquanto a China se posiciona como líder, a Alemanha enfrenta desafios que comprometem o seu progresso.
Um facto interessante sobre a Alemanha é que, apesar da população ter crescido cerca de 5% desde 2010, a produção de eletricidade tem diminuído significativamente. Esta redução na produção pode ser atribuída a uma maior dependência de importações de energia elétrica, à desaceleração da atividade industrial e aos avanços na eficiência energética, como no caso dos eletrodomésticos modernos, que consomem muito menos energia do que há 20 anos. No entanto, esta eficiência não é exclusiva da Alemanha, sendo também observada em países como Portugal, Suíça, EUA e China. Esta dinâmica reflete uma combinação complexa de fatores económicos, demográficos e tecnológicos que merecem ser analisados em detalhe.
O caso da Alemanha ilustra um dilema energético moderno. Por um lado, há um esforço evidente para descarbonizar e avançar na transição para as energias renováveis. Por outro, isso exige um equilíbrio entre segurança energética – e redução da dependência de importações de energia elétrica – e a preservação da competitividade económica. A eficiência energética justifica parcialmente a queda na produção elétrica, mas não explica totalmente o fenómeno da diminuição na produção de eletricidade. Outros fatores, como a desaceleração industrial e as escolhas políticas, tais como o abandono do nuclear, ajudam a justificar grande parte do cenário atual.
Entretanto, no cenário global, a ascensão da indústria automóvel chinesa, especialmente no segmento de VEs, representa uma ameaça significativa ao setor automóvel alemão. A China combina escala, eficiência e inovação tecnológica, enquanto a Alemanha luta para se adaptar rapidamente às novas exigências do mercado global.
Esta rivalidade poderá intensificar-se à medida que as marcas chinesas conquistam mais espaço na Europa e as empresas alemãs enfrentam pressões para proteger o seu domínio histórico.
A Alemanha enfrenta, assim, um dilema energético que reflete o esforço entre liderar a transição para energias renováveis e garantir a segurança energética e a competitividade económica. A eficiência energética e a redução no consumo ajudam a amenizar parte da queda na produção elétrica, mas não compensam totalmente os efeitos do abandono do nuclear e do carvão. Para manter a sua posição como potência económica e industrial, a Alemanha precisará encontrar um equilíbrio mais eficaz entre a aposta em renováveis, a segurança no abastecimento e a contenção de custos.
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