
Microsoft menos arriscada do que o seu soberano, os EUA?
Em 2024, o saldo das contas públicas norte-americanas foi negativo de 6,3% do PIB. Assim, uma classificação inferior à da Microsoft é justificada, em parte, pelo sólido balanço da gigante tecnológica.
No mundo, a Microsoft é a única empresa com a classificação de crédito mais elevada (AAA), acompanhada por uma perspetiva estável, atribuída pelas três principais agências de rating, a S&P, a Fitch Ratings e a Moody’s. Em comparação, a Johnson & Johnson, que também tem uma classificação AAA em todas essas agências, tem, no entanto, uma perspetiva negativa atribuída pela S&P. Extraordinariamente, ou não, a Microsoft tem um rating superior ao do seu soberano, os EUA, que apenas detêm a classificação máxima atribuída pela Moody’s, e, além disso, a perspetiva dessa agência é negativa.
Há algumas semanas, os rendimentos das obrigações da Microsoft a 10 anos estiveram ligeiramente abaixo dos rendimentos das obrigações dos EUA. Isso indica que os investidores percecionaram menos risco em emprestar à Microsoft do que ao próprio governo dos EUA, o seu soberano, o qual, sendo o país com o poder de emitir a moeda mais forte do mundo, tem a capacidade de imprimir dólares sem limites e, portanto, de pagar qualquer dívida emitida nessa moeda. Isso é especialmente relevante, dado o papel central da moeda norte-americana. O dólar é a moeda em que se emite a maior parte da dívida global, sendo também a moeda dominante nos balanços dos bancos centrais, no comércio internacional e, além disso, quase todas as matérias-primas, desde as energéticas até às agrícolas e aos metais industriais, são cotadas em dólares.
Dessa forma, poder-se-ia pensar que, caso surgisse alguma dificuldade ou crise, os EUA teriam mais capacidade para pagar as suas dívidas do que a Microsoft. No entanto, é fundamental referir que os EUA enfrentam uma crescente dívida pública, atualmente de 122% do PIB nominal, além de défices orçamentais consecutivos. Em 2024, o saldo das contas públicas norte-americanas foi negativo de 6,3% do PIB. Assim, uma classificação inferior à da Microsoft é justificada, em parte, pelo sólido balanço da gigante tecnológica do software e, por outro lado, pelas contas públicas desfavoráveis dos EUA.
Apesar dessa vulnerabilidade nas contas públicas, o governo dos EUA, respaldado pela maior economia do mundo, mantém a capacidade de gerar receitas através de impostos e outras fontes, o que lhe permite, em última instância, aumentar a carga fiscal sobre as famílias e empresas americanas, garantindo assim a capacidade de pagar as suas dívidas.
Por esse motivo, as agências de rating continuam a atribuir uma classificação elevada aos EUA (AA+ pela Fitch e S&P), apesar das dificuldades nas suas contas públicas. Esta classificação é superior à de muitos países com uma situação fiscal semelhante, cujas dívidas são avaliadas com ratings inferiores, na ordem dos ‘A’.
A economia de um país é crucial. Por exemplo, países soberanos com economias desestruturadas ou quase inexistentes, como muitos países africanos e alguns da América Latina, apresentam classificações de crédito baixas, como B ou CCC, devido à falta de capacidade creditícia. Esses países são forçados a emitir dívida em moedas fortes, como dólar, euro ou libra, para atraírem financiadores. Mesmo com contas públicas equilibradas, um país sem uma economia robusta enfrenta grandes dificuldades em financiar-se na sua própria moeda, já que não tem uma base económica sólida.
Embora tenha o poder de imprimir dinheiro e pagar qualquer dívida, essa moeda, mesmo em grandes quantidades, perde valor sem uma economia forte que a sustente, afastando os investidores. E mesmo para emitir dívida em moedas estrangeiras como dólar ou euro, esses países enfrentam grandes obstáculos e dificilmente conseguem um rating de crédito aceitável. A não ser que tivessem uma Microsoft sediada no seu país, da qual poderiam obter receitas fiscais para cobrir as suas despesas públicas. No entanto, é muito improvável que a Microsoft queira estar sediada em tais países, pois os incentivos são quase inexistentes, enquanto os riscos são elevados, incluindo a possibilidade de ser “esbulhada” a qualquer momento.
Assim, o governo dos EUA mantém uma qualidade de crédito quase máxima, apesar das contas públicas desfavoráveis, respaldado pela maior economia do mundo. Entretanto, a Microsoft começa a ser vista pelos investidores como tendo um risco inferior.
Esta é uma tendência crescente, seguida de perto por outras grandes empresas tecnológicas, sobretudo impulsionadas pela inteligência artificial, como a Apple, que gera um elevado cash flow, mas é mais suscetível aos ciclos económicos do que a Microsoft, que depende de serviços que geram rendimentos recorrentes, como o Azure e o Microsoft 365. Além disso, a Apple tem mais dívida do que a Microsoft, principalmente para financiar as suas operações e programas de recompra de ações.
Estas empresas são multinacionais colossais, com presença global e grande influência, funcionando como “pequenos países”. No entanto, não têm o poder de um soberano e podem ser nacionalizadas a qualquer momento, caso um soberano assim o deseje. Se forem os EUA, podem sempre mudar a sede para a China, mas ficariam sob a ameaça do soberano chinês.
Por mais absurdo que pareça, num futuro não muito distante, poderiam comprar uma ilha independente e criar a sua própria moeda, ou melhor, criptomoeda. Mas como atrairiam trabalhadores qualificados, formados em universidades de outros países? Criariam as suas próprias universidades e população? No futuro, poderiam recorrer à inteligência artificial e a humanoides criados por eles mesmos? Viveriam numa bolha ou seriam uma ameaça para o resto do mundo? Enquanto isso não acontecer, ou se acontecer, dificilmente a Microsoft terá um rendimento significativamente inferior ao do seu soberano, os EUA.
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