O corte anacrónico no salário dos políticos
A lógica que nas empresas preside à atração do melhor talento, oferecendo remunerações mais elevadas, também tem de se aplicar a quem tem como responsabilidade definir as políticas públicas do país.
De entre as milhares de propostas de alteração ao Orçamento do Estado de 2025 constam duas, apresentadas por PS e PSD, que visam pôr fim ao corte de 5% no salário dos titulares de cargos políticos e gestores públicos, aplicado em 2010 pelo Governo de José Sócrates para dar o exemplo face ao crescente aperto orçamental que haveria de levar o país ao pedido de assistência financeira.
A Troika veio e partiu, em maio de 2014, e o dito corte ficou. O país tem as contas públicas bem mais equilibradas e a redução de 5% perdeu há muito a justificação ou justiça da sua aplicação e tornou-se um anacronismo.
Os sociais-democratas defenderam que o corte acabasse com “efeitos imediatos”, mas o PS preferia que só se aplicasse a mandatos futuros, defendendo que se deve “evitar que sejam beneficiados os atuais titulares de cargos políticos”. Face à possibilidade de a solução do PS criar um imbróglio jurídico, criando salários distintos para funções idênticas, a redução deverá cair para todos já a partir de janeiro.
Livre e BE só estão de acordo se o fim do corte só se aplicar para o futuro; PCP, Chega e Iniciativa Liberal preferem manter o corte, segundo o apanhado feito pelo Expresso. Aquela última, considera que deve ser uma entidade independente a decidir.
O salário dos políticos é um tema que queima. Não devia, porque a lógica que nas empresas preside à atração do melhor talento, oferecendo remunerações mais elevadas, também tem de se aplicar a quem tem como responsabilidade definir as políticas públicas do país.
Os salários dos detentores de cargos políticos são calculados em função do vencimento bruto do Presidente da República, que em 2024 é de 11.472 euros, incluindo despesas de representação. Depois do corte, dos impostos e das contribuições para a Segurança Social, cai para 5.715,58 euros, segundo contas do Público.
A partir daí, o Presidente da Assembleia da República recebe 80% da remuneração bruta do chefe de Estado, o primeiro-ministro 75%, um ministro 65%, um secretário de Estado 60%, um deputado em regime de exclusividade 50%, tal como os autarcas de Lisboa e Porto.
O que significa que o primeiro-ministro leva para casa menos do que um CEO de uma empresa já com alguma dimensão e uma sombra face ao que ganham os presidentes executivos das cotadas.Os ministros menos do que um diretor de primeira linha numa grande empresa. Face às responsabilidades que uns e outros têm, o dos políticos é baixo.
A remuneração desajustada leva a que muitos aceitem os lugares apenas por espírito de missão ou com a perspetiva de que a passagem pelo Governo venha a permitir remunerações mais altas no futuro.
Claro que qualquer proposta para elevar aqueles vencimentos arrisca-se a arder no altar do populismo. A solução proposta pela IL, de criar uma comissão independente, pode ser um caminho. Poderia fixar critérios para novos valores e estabilizar um método de atualização.
O aumento dos salários deve ser acompanhada de uma maior exigência em relação à gestão da despesa pública, onde há claramente margem para maior eficiência e, logo, poupanças.
Ainda na semana passada, a presidente do Conselho de Finanças Públicas veio alertar para a necessidade de concretizar um ambicioso exercício de revisão da despesa pública. Um tema que não tem sido levado a sério, como concluiu recentemente o Tribunal de Contas, apontando a “falta de institucionalização do exercício”, a “reduzida transparência na sua condução” e o “insuficiente envolvimento político”.
Não é necessário um plano draconiano ao estilo de Elon Musk, mas muito pode ser feito.
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