O futuro reserva-nos anos difíceis
As previsões da OCDE antecipam que os próximos anos, mesmo com todo o apoio financeiro do União Europeia, serão duros. Outra vez.
A OCDE acaba de actualizar a sua previsão económica para Portugal. A organização internacional sediada em Paris espera agora que a economia portuguesa cresça 1,7% em 2021 e 1,9% em 2022. Trata-se de uma previsão de crescimento que compara de forma bastante desfavorável com as demais previsões, em especial face à taxa de crescimento de 5,1% que o Governo português prevê para o próximo ano. A diferença entre as duas previsões para 2021, a da OCDE e a do Governo, é de tal forma acentuada que parece que estamos a falar de dois países distintos. Mas não. É mesmo de Portugal que ambas falam.
Enquanto o Governo espera uma recuperação quase em V no próximo ano, a OCDE é mais cautelosa. A retoma, escrevem os técnicos da OCDE, será gradual. Depois de uma contracção de 8,4% em 2020 – uma estimativa muito próxima da do Governo, que antecipa para este ano uma contracção de 8,5% – seguir-se-á um crescimento de 1,7% em 2021 e de 1,9% em 2022. Contas feitas, assumindo o cenário mais cauteloso, demoraremos alguns anos até que o PIB (em volume) regresse ao máximo pré-pandemia. Talvez só em 2025. Nada que nos deva surpreender muito. Afinal, o Conselho de Finanças Públicas, também mais prudente que o Governo, só espera a recuperação total no final de 2023.
Regressando às previsões da OCDE e do Governo para 2021, a diferença sente-se na procura interna, mas também na procura externa líquida. No caso da procura interna, a grande diferença estará no consumo privado, para o qual a OCDE espera um crescimento de apenas 1,1% face aos 3,9% do Governo. Também o investimento deverá crescer menos – a OCDE espera um crescimento residual de 0,1% no investimento; já o Governo espera 5,3%. Quanto à procura externa líquida, no cenário da OCDE as exportações e as importações crescerão 3,6% e 2,5%, respectivamente, enquanto no cenário do Governo crescerão 10,9% e 7,2%.
Lida a análise da OCDE, há três pontos que se destacam.
- Primeiro, a elevada dependência que Portugal revela face ao turismo, que poderá não recuperar tão cedo.
- Segundo, o aumento das insolvências, que já se estão a fazer sentir e que pesarão no sector financeiro (com potencial impacto nas contas públicas).
- Terceiro, o risco de uma recuperação também gradual dos nossos parceiros comerciais, prejudicando o comportamento das nossas exportações. Tudo somado, isto resultará numa taxa de desemprego mais alta do que aquela que o Governo estima, e num défice orçamental também maior.
Que outras consequências são de prever em face de tudo isto? A primeira consequência é que, associado a um défice orçamental que deverá ser maior do que o previsto no Orçamento do Estado para 2021 (a OCDE estima -6,3% do PIB vs. -4,3% do Governo), a dívida pública deverá também aumentar dos 130,9% do PIB previstos pelo Governo para os 139,7% decorrentes das previsões mais pessimistas. A segunda consequência é a quase certeza de que em 2021 Portugal necessitará mesmo de um orçamento rectificativo. Já existia esse risco depois da polémica decisão da semana passada relativa ao Novo Banco. Agora é quase certo.
Entretanto, a acompanhar a tendência no resto da Europa, também em Portugal os juros da dívida pública a 10 anos estão agora negativos. Bem pode o Governo agradecer ao Banco Central Europeu (BCE), que tem varrido tudo o que lhe tem aparecido à frente. Mas trata-se de uma perigosa, porquanto sedutora, realidade paralela que o BCE está a criar: a ideia de que a criação monetária ilimitada é solução para todos os males e, pior ainda, que é ao credor (e não ao devedor) que cabe o pagamento de um juro – por dinheiro que é seu! O mundo está virado de pernas para o ar. Um dia pagaremos todos por esta insanidade (e a este propósito, recorde-se Lenin: “The best way to destroy the capitalist system is to debauch the currency”).
Por enquanto, o dinheiro continua a chegar e ainda vai pagando alguma coisa. Esta semana foram três mil milhões de euros. O Governo esfregou as mãos de contente – vai dar para alimentar as hostes. Trata-se da primeira tranche do empréstimo atribuído a Portugal no âmbito do programa SURE da Comissão Europeia, que vai financiar os programas de “layoff” e afins, bem como despesas de saúde relacionadas com a pandemia. Bem precisamos. Quanto ao resto da massa, da bazuca como gostam de lhe chamar, com sorte, chegará lá para o segundo semestre de 2021. Até lá, aguentar-nos-emos à tona da água. Uns mais do que outros.
Esta crise veio expor várias debilidades estruturais da economia portuguesa. Por um lado, a especialização internacional de Portugal no turismo, que se acentuou nos últimos anos, e que não vai servir-nos tão cedo. Precisamos de novas áreas de especialização, mas isso demora tempo. Por outro lado, o enorme endividamento da economia portuguesa, que agora vai subir mais alguns degraus, e que vai continuar a retirar-nos graus de liberdade. Os impostos vão continuar a aumentar, quer os de hoje, quer sobretudo os de amanhã. Enfim, os próximos anos, mesmo com todo o apoio financeiro do União Europeia, serão duros. Outra vez.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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