O impacto da corrupção na economia
A justiça, independentemente da separação de poderes, é administração pública (e é economia). Logo, nem o Governo nem o Presidente da República se podem demitir dessa responsabilidade.
Numa altura em que o país está ainda a digerir a instrução da “Operação Marquês” é importante que se diga que a corrupção tem impacto negativo no crescimento do PIB per capita, em especial nos países desenvolvidos. Esta é a principal conclusão de um artigo académico publicado recentemente por dois investigadores do ISEG, António Afonso e Eduardo Rodrigues, sob o título de “Corruption and Economic Growth: Does the Size of the Government Matter?”. A segunda conclusão dos autores, como o título indica, diz respeito aos benefícios económicos associados à redução da corrupção em função do peso do Estado e do grau de desenvolvimento do país. Aqui conclui-se que os benefícios decorrentes do combate à corrupção são maiores no caso de países desenvolvidos e com Estado pequeno. São conclusões que nos deveriam fazer pensar.
Ora, o impacto da corrupção na economia depende do estágio de desenvolvimento e do regime político de cada país. Consoantes as circunstâncias de cada país, a corrupção poderá ser vista como “areia na engrenagem” ou “óleo na engrenagem”. Nas democracias desenvolvidas ela é “areia na engrenagem”. Do ponto de vista económico, a corrupção é má pelo efeito discutido em cima – a redução do PIB per capita – que resulta dos seus efeitos negativos sobre o investimento e, por consequência, sobre a inovação e a produtividade. Do ponto de vista institucional, a corrupção também é má pela desconfiança que cria na sociedade e que se repercute em menor capital social. Mas a discussão sobre o fenómeno da corrupção levanta duas questões prévias. Primeiro, o que é a corrupção? Segundo, como medi-la?
A corrupção é habitualmente definida como a utilização abusiva de poder delegado em benefício próprio. A definição (e a discussão pública) remete-a, sobretudo, para os abusos emanados do exercício de cargos públicos ou na esfera do Estado. Por outras palavras, é na esfera do sector público que estão as principais oportunidades que originam o fenómeno da corrupção. Isto não significa que um Estado de maior dimensão conduza necessariamente a maiores níveis de corrupção; significa apenas que há maior espaço para a corrupção sempre que o Estado é de maior dimensão. Neste contexto, as áreas mais sensíveis são a contratação pública, as infraestruturas públicas, o sector empresarial do Estado, a administração aduaneira, e de um modo geral todas as actividades que consistam na prestação de serviços públicos.
A outra questão prévia consiste na medição da corrupção. Como a corrupção é de difícil prova – os resultados falam por si – é estimada através de indicadores de percepção, sendo que o índice da Transparência Internacional é o mais utilizado.
Neste índice, Portugal está em 33º lugar no ranking mundial, ou a meio da tabela se considerarmos apenas os países da União Europeia. Os frugais do norte da Europa lideram o ranking. No caso dos nórdicos, estes países conseguem contrabalançar os riscos de corrupção associados a uma economia com mais Estado através de instituições democráticas que garantem o devido escrutínio sobre o exercício do poder público. É, aliás, através da criação deste capital social que, provavelmente, os cidadãos desses países aceitam a existência de um Estado de maior dimensão.
Todavia, uma coisa é o capital social de uma sociedade, outra coisa é o seu crescimento económico. Num mundo ideal, elevados níveis de capital social e de crescimento económico andariam de mãos dadas. Mas há países onde isso não acontece. A Finlândia é um exemplo. O capital social na Finlândia é elevado, mas na última década o crescimento da sua economia tem sido decepcionante. Daqui resulta que o capital social, apesar de conduzir a uma maior aceitação cidadã de um Estado maior, não conduz necessariamente a um maior crescimento económico do país.
Assim, tal como sugerido pelo estudo citado em cima, poderão existir outras combinações de capital social e dimensão do Estado que resultem em maior crescimento económico. Será o caso de países desenvolvidos onde aumenta o capital social, a par de um Estado pequeno. A Irlanda é um exemplo. A percepção de corrupção tem diminuído – desde 2012, a Irlanda subiu 3 lugares no ranking da Transparência Internacional (Portugal desceu dois) –, o peso do Estado é (muito) baixo e o crescimento do PIB per capita tem sido explosivo.
Então, como reduzir a corrupção para aumentar o capital social de um país? Segundo o Banco Mundial, a luta contra a corrupção depende dos seguintes elementos: liderança política, capacidade institucional, incentivos adequados, tecnologia, transparência e colaboração. No caso de Portugal olha-se para aquela lista de elementos e na justiça conclui-se pela inexistência de todos eles.
A ausência de liderança política é, no entanto, a questão mais dramática, pelo simbolismo que carrega. Neste aspecto, a afirmação repetida “ad-nauseam” pelo primeiro-ministro (“à justiça o que é da justiça, e à política o que é da política”) representa a desresponsabilização do Governo no combate à corrupção. É o primeiro sinal de que as alegadas preocupações do Governo com a justiça não são para ser levadas a sério. Mas não esqueçamos: a justiça, independentemente da separação de poderes, é administração pública (e é economia). Logo, nem o Governo nem o Presidente da República se podem demitir dessa responsabilidade.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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