O PAN e os animais racionais
Um partido que poderia ser útil, mas que se aproxima da irrelevância ao menosprezar a diversidade e liberdade dos animais racionais – no partido e na sociedade – em prol do fanatismo pelos irracionais
Soubemos, na semana passada, que o eurodeputado único do PAN, Francisco Guerreiro, e a deputada municipal de Cascais, Sandra Marques, desvincularam-se do partido. Juntam-se a outros quadros de relevo que tomaram a mesma decisão, incluindo a perda de representação parlamentar na Madeira e de uma das deputadas na Assembleia da República (já após o anúncio do eurodeputado). Uma avalanche de demissões que promete desvendar muitos “podres” do partido (tal como os falsos recibos verdes para pagar a funcionários). As dissidências e divergências internas quanto à estratégia tomada são naturais, e até democraticamente saudáveis, mas, no caso do PAN, tomam proporções mais significativas, essencialmente por três motivos:
- Primeiro, por ser um partido com apenas 11 anos de existência que até já viu o seu fundador, Paulo Borges, desvincular-se.
- Segundo, porque Francisco Guerreiro era uma das caras do sucesso do partido. Há um ano, foi cabeça de lista às Europeias e alcançou 5% dos votos, acima dos 3% obtidos pelo PAN nas legislativas, poucos meses depois. Além disso, era um membro importante na estrutura de decisão e próximo do líder André Silva, tendo sido seu assessor durante a passada legislatura.
- Terceiro, e mais preocupante, porque a abordagem de gestão interna do partido, tal como o que defendem para a sociedade, revela traços de autoritarismo preocupantes.
O problema do PAN começa na primeira palavra do seu nome: pessoas. Na realidade, o “P” é um mero ajuste cosmético na sua designação. Nunca fez parte da sua essência, não está no centro da sua ação. Importa relembrar que o partido foi fundado sob a designação de “Partido pelos Animais” (PPA). Em 2011, alterou o nome para “Partido pelos Animais e pela Natureza” (PAN). Mais tarde, em 2014, incluiu finalmente as pessoas e adotou o nome vigente, “Pessoas-Animais-Natureza” (PAN), tornando-se mais inclusivo e formalizando a ambição de ser mais que um mero movimento. Este rebranding foi essencial para conseguir a eleição do seu primeiro deputado em 2015.
O PAN pretende impor aos outros o seu modo de vida, manifestando reduzida tolerância e compreensão pelas diferenças numa sociedade que se quer heterogénea. O seu programa eleitoral é um manto de proibições que remetem o ser humano para um papel de subserviência perante os outros habitantes deste planeta. Dedicam mais espaço no programa ao bem-estar e saúde animal do que à saúde humana. Assim, a causa animal sobrepõe-se quase sempre ao “P” de pessoas. É este o risco que alguns movimentos e partidos focados em causas assumem, quando ignoram tudo à sua volta em benefício de um único objetivo – principalmente, quando lhes é dado algum poder. Radicalizam-se, fanatizam-se, extremam posições e podem, no limite, tornar-se autoritários e ameaçar o bem-estar da sociedade, impondo a sua visão.
A postura que o partido demonstra perante a sociedade, reflete-se também internamente na gestão do partido. Não admira, portanto, que haja algo em comum na maioria das desvinculações dos seus ex-militantes: dificuldade de relação com a direção do partido e sentimento de limitada liberdade perante, uma vez mais, essa mesma direção. Tratam a sociedade como tratam os seus militantes: meros veículos para o cumprimento de uma causa “superior”, o radicalismo animalista.
Se o crescimento do partido foi rápido, talvez mais acelerada será a sua queda. Mas o PAN, ou melhor, um outro PAN, teria espaço para crescer no panorama político português, nomeadamente na sua vertente ecologista. A suposta alternativa, o PEV (Partido Ecologista “Os Verdes”), nunca foi sozinho a votos, tem por isso pouca relevância política, e nunca passou de um mero instrumento do PCP. De “ecologista” e “verde” tem pouco. O PAN teve o mérito de ter trazido para a política eleitores afastados dos partidos tradicionais e da dicotomia esquerda-direita – apesar de ser evidente que é um partido de esquerda, que traz consigo aqueles tiques de Estado intervencionista que a esquerda tanto aprecia e que tão útil se torna para aplicar uma agenda proibicionista. A base eleitoral do PAN é jovem, reflete uma sociedade que se move cada vez mais por causas e que não se revê nas restantes forças partidárias. O PAN deu uma resposta a essa franja crescente da população e deu-lhes voz. Promoveram uma maior sensibilização pelos direitos dos animais, liderando algumas discussões relevantes, como as touradas ou a utilização de animais selvagens nos circos – exemplos de propostas que geraram alguma discussão na sociedade e que tiveram desfechos distintos.
O PAN poderia liderar um espaço político aglutinador de diferentes causas de forma estruturada e coerente, desde a promoção do bem-estar do indivíduo, passando pelas problemáticas das minorias e direitos dos animais, além de poder estar na linha da frente da discussão sobre o futuro do nosso planeta e a “coabitação” sustentável – inclusive a nível económico – das várias espécies neste pequeno T1. Fugiria, em parte, da agenda política diária dos partidos do sistema, criando a sua própria agenda e o seu espaço mediático. Ao não conseguir assumir esta função, deixou que a extrema-esquerda liderasse algumas destas temáticas, conduzindo a um profundo enviesamento ideológico e colando algumas imoralidades e abusos ainda hoje existentes (nas três vertentes que o PAN invoca na sua designação) àquilo que essa extrema-esquerda mais abomina, o capitalismo e o liberalismo económico – apesar da realidade contrariar profundamente essa correlação.
Um partido que poderia ser útil, mas que se aproxima da irrelevância ao menosprezar a diversidade e liberdade dos animais racionais – no próprio partido e na sociedade – em prol do fanatismo pelos irracionais. Na prática, nunca deixou de ser apenas o “Partido pelos Animais” (irracionais), tal como foi fundado. Silenciando a discussão e liberdade internas, perde a oportunidade de crescer, de se readaptar e de preparar o seu futuro. Entretanto, o seu espaço político esgota-se. Em suma, ou o partido se abre internamente e ao exterior – começando pela mudança de liderança –, ou o partido estagna – e talvez morra. Na primeira hipótese haverá, quem sabe, alguma esperança para reestruturar e revitalizar os propósitos do PAN, explícitos na sua designação: pessoas, animais e natureza.
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