O que falta à reestruturação de empresas em Portugal? “Pre-pack sales”
A principal diferença entre a “pre-pack sale” e a venda tradicional de uma empresa é que a primeira é acordada antes de a sociedade entrar em insolvência e de o administrador ser nomeado.
Em muitas jurisdições, o regime de reestruturação e insolvência inclui um mecanismo intitulado de “pre-pack sales”. Estas consubstanciam a venda de uma empresa, ou de parte dela, à boca da insolvência, ou seja, quando foi já decidido pelos seus órgãos sociais que a sociedade se apresentará à insolvência, mas antes, contudo, de esta ser declarada insolvente pelo tribunal.
A principal diferença entre a “pre-pack sale” e a venda tradicional de uma empresa é, precisamente, que a primeira é acordada antes de a sociedade entrar formalmente em insolvência e de o administrador judicial ser nomeado. Na maior parte dos casos, a venda é concluída poucas horas depois de a sociedade entrar em insolvência, o que significa que a sua atividade não sofre interrupções, pois o adquirente assume a generalidade dos contratos em curso, dando continuidade à atividade da empresa (em “A contratualização da insolvência: hybrid procedures e pre-packs (A insolvência entre a lei e a autonomia privada), II Congresso Direito das Sociedades em Revista, p. 275).
Por norma, nos países onde há mecanismos análogos às pre-pack sales, o negócio é concretizado sem a intervenção de todos os credores, o que pode, pelo menos em teoria, levar a que alguns credores, não envolvidos na negociação, possam julgar-se prejudicados com a venda. Este é, aliás, um dos principais argumentos apontados pelos críticos das “pre-pack sales”.
O que se vê na prática, no entanto – e atente-se que são cada vez mais os países que têm vindo a criar o enquadramento legal necessário para a realização de “pre-pack sales” –, é que muitas têm sido as empresas no estrangeiro que, através deste mecanismo, conseguem evitar aquele que seria o seu destino mais certo no contexto de um processo de insolvência comum: o encerramento da atividade e a consequente liquidação dos seus ativos, por um valor reduzido, com prejuízo para os seus credores.
É sabido que, no âmbito do processo de insolvência português, os resultados da liquidação de uma sociedade comercial são pouco satisfatórios para os credores. Seja para os credores comuns – os quais, a maioria das vezes, veem o seu crédito satisfeito numa percentagem residual –, seja para os credores garantidos e privilegiados (maxime, os trabalhadores), os quais, apesar de terem perspetivas de satisfação do seu crédito mais animadoras que os comuns, acabam por ser pagos – quando o são – “tarde e a más horas”.
Em Portugal, não existe um mecanismo similar às “pre-pack sales”, o que torna o processo de venda de uma empresa, nestas condições, menos flexível e mais demorado. E, acima de tudo, torna estas vendas muito difíceis de concretizar com a empresa a operar, o que tem natural impacto na sua valorização e, em última instância, nas perspetivas de os credores serem pagos e de os trabalhadores evitarem a situação de desemprego.
Assoma, por isso, uma interrogação: não seria Portugal mais atrativo aos olhos dos investidores – portugueses e estrangeiros – se o nosso país dispusesse de um regime similar ao das “pre-pack sales“?
A resposta a esta questão não é simples e dela derivam implicações jurídicas complexas, relacionadas com a proteção dos credores comuns e dos minoritários, e com a própria legalidade strictu sensu, à luz do Direito português, de uma solução tal qual a das “pre-pack sales” do Direito inglês.
Mas uma coisa creio poder dizer-se: a recente revisão do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não tratou esta matéria e, fundamentalmente, não veio amenizar o que, em Portugal, representa uma sociedade ser declarada insolvente e prosseguir para liquidação: uma longa espera e pouco proveito, para todos os envolvidos.
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