Se Governo e Oposição fizerem com coragem, lucidez e determinação o que devem fazer, a democracia não precisa de heróis. Portugal precisa de ser um país normal. E um país normal não precisa de heróis.

A excitação da esquerda só pode representar desespero e má consciência. Fala-se em frentes de esquerda para as autárquicas (leia-se Lisboa), adianta-se o desejo de um candidato a Presidente da República com o vínculo da unidade popular, com uma ou duas voltas ou as voltas que tiverem de ser. A ideia da direita no poder é insuportável para o PS e para toda a legião à esquerda que serve os desígnios do PS. A consciência da superioridade moral e política da esquerda ignora um detalhe fundamental de todas as democracias – a liberdade de escolha através do voto. A esquerda, com o PS como cabeça de cartaz, só entende que o voto está certo quando o voto é no PS ou em um qualquer satélite radical que não se importa de representar o papel de “idiota útil”. Pelo espectáculo das muitas rentrées, demasiadas rentrées, Portugal é um país de candidatos a “idiotas úteis”.

Fica nos intervalos do descontrolo o insulto a todos os portugueses que votaram à direita. Parece então que ser democrata é ser de esquerda e quem discordar é mau cidadão, desclassificado e fascista. Exagero? Ouçam com atenção o ódio democrático distribuído por todos aqueles que não respiram à esquerda. Veja-se a agressividade sectária do líder do PS no discurso do Herói Democrático.

Depois há o nervosismo do PS que contrasta com a apatia do Governo. A julgar pela agitação e pelo “frenesim”, os portugueses podem ser enganados pela inversão dos papéis na comédia política. Pois a agitação e o frenesim está todo no lado do PS, como se o PS fosse Governo minoritário que tem o seu destino político ligado à aprovação do Orçamento. O Orçamento que é a maravilha fatal do futuro de Portugal no cálculo eleitoral mais próximo ou mais distante. O Governo não diz nada nem informa seja o que for, o que deixa o PS no trapézio da incerteza e na incerteza que acompanha a precipitação e a impaciência. Mas alguém está preocupado com os portugueses? Pergunta ingénua e cínica de quem sabe e sonha que a política em Portugal é um jogo de azar e de fortuna. Estar no Governo de um país miserável é melhor do que estar na Oposição de um país miserável.

Soubesse o PS o que está reservado nas estrelas e o chumbo do Orçamento seria a maior certeza da política portuguesa. A pausa democrática é apenas o resultado de um PS impreparado para a governação, esgotado de ideias, cansado de protagonistas, uma pausa democrática que dá pelo nome de negociações.

As negociações têm um guião simples e previsível. O PS será maximalista pois pretende um Orçamento socialista executado por um Governo de centro-direita. O Governo será maximalista pois pretende um Orçamento de centro-direita aprovado por um PS de esquerda. As negociações têm o encanto de uma discussão entre a superioridade da justiça social excitada e a inferioridade de uma visão liberal envergonhada. O PS quer continuar a governar o país a partir do Parlamento. O Governo quer continuar a fingir que está a governar o país a partir de São Bento. Portugal está neste impasse orçamental que é um jogo de sombras chinesas em movimento perpétuo na viagem de um comboio fantasma.

As negociações são uma espécie de ultimato ao ralenti. O ultimato do PS em nome da responsabilidade democrática, da ética republicana e da certeza de que os portugueses estão cansados de eleições inconclusivas e repetitivas. O ultimato do Governo em nome do progresso democrático, da responsabilidade social-democrata e da certeza de que os portugueses estão cansados de eleições inconclusivas e repetitivas. Soubesse o Governo o que está nos astros entre o céu e a terra e estaria a trabalhar para o chumbo do Orçamento com eleições antecipadas. A garantia de uma maioria absoluta é a grande e única ambição do Governo.

Toda a estratégia do Governo vai nesse sentido. Os silêncios, as omissões, as medidas a pacote, os anúncios de políticas e de nomeações sem dialogar com a Oposição nem com o Presidente da República, tudo se enquadra na imagem de um Governo que governa e não conversa. O Ministro das Finanças que está no epicentro do Orçamento é uma figura secreta que sabe-se que existe, mas que não é vista a existir. A política séria é a política dos gabinetes que é a política da descrição que é a política que o país precisa pois então. O Ministro das Finanças é o Herói das Finanças. Com o Primeiro-Ministro na figura suprema do Herói Rural.

Um país que precisa de heróis é uma terra infeliz. Infeliz porquê? Infeliz porque é um país em que não existe gente com noção do dever, com noção da responsabilidade, com noção do profissionalismo. É nesta cultura política que o país existe, sempre à procura do homem providencial perdido na providência. Se Governo e Oposição fizerem com coragem, lucidez e determinação o que devem fazer, a democracia não precisa de heróis. Portugal precisa de ser um país normal. E um país normal não precisa de heróis.

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