País feliz
A política portuguesa é realista e pragmática. A política portuguesa é idealista e emotiva. A política portuguesa é como o filme da Branca de Neve em écran escuro, sem imagem.
A democracia portuguesa não é rica em anúncios de vida. A democracia portuguesa não é rica em prenúncios de morte. Perito na arte política de adiar, o país vai escorregando no tempo sem resolver os problemas dos portugueses pobres. Portugueses que sem apoios sociais são 40% do Portugal contemporâneo. Este número é uma vergonha nacional escondida da aclamação internacional. É o atraso secular nas cores glam e purpurina da democracia avançada no limiar do século XXI. Os discursos políticos reflectem uma realidade psicadélica que só as drogas ou a desonestidade intelectual podem justificar. Justificar o injustificável é a prática política democrática. Pode um país ser europeu com estes indicadores que envergonham e menorizam todos e cada um de nós? O Portugal democrático é um território de alta vulnerabilidade social.
Devia ser inventado um índice específico para o país feliz. Uma espécie de barómetro da felicidade induzida que incorporasse os magníficos e superlativos indicadores políticos – grau de precipitação; falta de planeamento; caprichos políticos; mania das grandezas; grandes projectos; mega processos; fixação nas fachadas; ser a glória da Europa. Neste índice esquecido das estatísticas internacionais, Portugal tem lugar cativo no topo do mundo e no fim da realidade. A política tem vindo a aprofundar com o talento da mediocridade a posição portuguesa neste índice de insatisfação. Ao construir um cenário de crise no meio de um contexto de incerteza, a política portuguesa tem apenas para oferecer uma coisa em forma de assim que promete tudo e o vazio. Com tantas promessas e sonhos adiados só resta mesmo o vazio. Até a esperança emigrou para destinos mais conciliados com a mudança e o necessário “processo revolucionário em curso”.
Portugal precisa de uma revolução por minuto. Mas não. No planeta futuro, o país inventou o ano político mais longo e o ano político mais curto. Entre intermitências e incompetências, o país está estacionado no meio de um mundo em guerra, no centro de uma crise inflaccionária, no epicentro de uma Europa em agitação, na distância de uma América em derivação, na certeza de um China em expansão. No arquipélago do SNS pratica-se uma “medicina de catástrofe” em que a vida de um português não vale o preço da maca que não tem. O SNS, a flor na lapela do sonho de Abril, a maravilha fatal da democracia, mais parece o estaleiro de uma aventura sem fim. O SNS é uma metáfora de Portugal – uma cidade-programa, uma cidade artificial, desumanizada, sem humanidade, sem identidade, uma realização do “totalitarismo institucional” em estratégica aliança com o “despotismo burocrático”. Uma democracia saudável só pode gerar portugueses saudáveis.
Existe o milagre do excedente orçamental que todos aplaudem, mas que ninguém percebe para que serve. Melhora a imagem internacional, melhora a fluidez dos fundos de Bruxelas, fala-se de um “fundo soberano”, fala-se que é para normalizar a carreira dos professores, mais os funcionários públicos, mais as necessidades de uma economia mista. A economia mista é um clássico da social-democracia que nunca teve grande viabilidade em Portugal. Em Portugal a ideia política original e primeira é a nacionalização. Com o tempo e a pressão da Europa, a ideia política original e segunda é a privatização. Neste pêndulo político psicótico a alma política portuguesa adora a nacionalização, marca de sensibilidade social e progresso económico. Mas a alma política portuguesa também adora a privatização, marca de empresários socialmente responsáveis e progresso económico. Como o progresso económico não surge em qualquer das soluções políticas, Portugal é uma zona económica especial em que ciclos socialistas sucedem a ciclos liberais com efeitos especiais.
O discurso político comum toca o labirinto do pormenor com o detalhe de um inspector da ASAE. O discurso político está sempre preparado para uma espécie de “conferência inferno” – dizer nada e diabolizar o outro. O discurso em ano de legislativas não quer dizer nada na campanha para poder fazer tudo no governo. São as “entrevistas intimistas”, as “frases breves”, mais os “artifícios lexicais primários”, mais ainda a “desqualificação do adversário” a tocar a “ordem do insulto”. A vida política em passeio pela província como um “teatro jocoso”. Sobram “flashes, brilhos, pontos cegos”, para esconder a verdade do país em nome da verdade do partido. A inteligência e o mérito não prestam contas à nação.
A política portuguesa é realista e pragmática. A política portuguesa é idealista e emotiva. A política portuguesa é como o filme da Branca de Neve em écran escuro, sem imagem, e onde apenas se escuta os diálogos e a música. A política portuguesa é assim. A política portuguesa é passado. O que a política portuguesa não é, será aquilo que o país precisa. Quem não concorda tem sempre o guichet do sindicato.
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