Pandemia vs. Trump: o desconhecido gradualmente compreendido e o conhecido imprevisível

  • Paulo Monteiro Rosa
  • 9:25

Em 2025, vivemos um cenário paradoxal. Donald Trump é conhecido. No entanto, é precisamente essa familiaridade que acentua a incerteza — ninguém sabe se a sua atuação será coerente com o “masterplan".

Em 2020, a pandemia de covid-19 surgiu como um choque completamente desconhecido. O mundo foi apanhado de surpresa, sem saber quanto tempo duraria, qual seria o seu impacto económico e social, ou como poderia ser combatida. No entanto, à medida que os cientistas de vários países trabalhavam em conjunto, foi possível desenvolver vacinas num prazo recorde, alcançadas em novembro desse mesmo ano. Aos poucos, o desconhecido foi sendo conhecido, compreendido e controlado, e o medo foi dando lugar à esperança.

Em 2025, vivemos um cenário paradoxal. Donald Trump é conhecido. No entanto, é precisamente essa familiaridade que acentua a incerteza — ninguém sabe se a sua atuação será coerente com o seu “masterplan”, ou seja, a redução dos défices comercial e orçamental através de um plano de reindustrialização sustentado por medidas potencialmente dolorosas, que poderão implicar ajustamentos profundos e até uma recessão, ou se, à semelhança do que aconteceu no seu primeiro mandato, acabará por seguir uma linha errática, na qual, apesar do discurso protecionista, os défices comercial e orçamental aumentaram, em claro contraste com os objetivos declarados de Donald Trump. É o conhecido desconhecido.

Em 2018-2019, Trump deu início a uma guerra comercial com a China, que resultou na aplicação de tarifas. As receitas geradas por essas medidas foram usadas para financiar cortes de impostos, de acordo com Stephen Miran, um dos mentores do atual plano económico de Trump. Todavia, o resultado prático foi um aumento dos défices comercial e orçamental dos EUA, em vez da melhoria anunciada.

Este contraste diz muito sobre os desafios de cada época: em 2020, a incerteza era objetiva e foi progressivamente superada. Hoje, ela é subjetiva e persiste justamente porque depende da atuação errática de quem já mostrou ser capaz de surpreender os mercados.

Política monetária e orçamental: respostas opostas

O contraste entre 2020 e 2025 estende-se também à política monetária. Durante a pandemia, a resposta foi rápida, coordenada e expansionista. A Reserva Federal dos EUA (Fed) cortou as taxas de juro de 1,75% para 0,25% e duplicou o seu balanço. O governo federal norte-americano financiou-se em quase 2 biliões de dólares — cerca de 10% do PIB — para apoiar diretamente as famílias, através da emissão de cheques, e as empresas, com linhas de crédito e subsídios. Esta resposta rápida e massiva permitiu uma recuperação quase em “V” do índice S&P 500, que viria a atingir sucessivos máximos históricos, impulsionado pela descoberta da vacina em novembro de 2020 e intensificado pelo forte desempenho das grandes tecnológicas ao longo de 2021.

Em 2025, o ambiente é diferente. As taxas de juro estão elevadas: a taxa diretora da Fed encontra-se nos 4,50%, enquanto os rendimentos das obrigações do Tesouro dos EUA a 10 e 30 anos rondam os 4,50% e 4,95%, respetivamente. Jerome Powell, presidente da Fed, reafirmou recentemente a necessidade de manter uma política monetária restritiva. Face ao risco de agravamento da inflação devido à implementação de novas tarifas, Powell recordou o duplo mandato do banco central norte-americano: controlar a inflação e assegurar o pleno emprego. A ameaça de estagflação — inflação elevada com crescimento económico fraco e aumento do desemprego — volta assim a estar no radar.

Financiamento mais caro, défices mais elevados

A evolução recente das expectativas de mercado também revela uma mudança de sentimento. Há apenas dois meses, os investidores antecipavam quatro cortes das taxas de juro em 2025, com o primeiro previsto para maio. Hoje, são esperados apenas dois cortes, sendo o primeiro apontado para 17 de setembro. A narrativa de higher for longer impõe-se, pressionando o financiamento da dívida pública norte-americana.

Esta situação é particularmente sensível porque os EUA enfrentam um volume significativo de dívida a vencer no segundo semestre de 2025 e em 2026. Ao mesmo tempo, os défices fiscais continuam a deteriorar-se: em 2024, o défice orçamental foi de 6,3% do PIB, e em apenas sete meses do ano fiscal de 2025, o saldo negativo já representa 4% do PIB nominal. Com taxas de juro elevadas, os encargos com a dívida pública (serviço da dívida) aumentam consideravelmente, agravando a sustentabilidade orçamental. Este é o oposto do que aconteceu em 2020, quando o custo do financiamento era muito mais baixo.

Mercados financeiros: entre o otimismo da IA e a pressão dos juros

Apesar de todas estas incertezas, o S&P 500 conseguiu recuperar cerca de 20% desde os mínimos registados em abril de 2025, após o “mini-crash” ditado pelo anúncio das novas tarifas no Liberation Day (2 de abril). Esta recuperação tem sido sustentada por um novo ciclo de otimismo em torno da inteligência artificial (IA), que tem alimentado o entusiasmo dos investidores.

Contudo, essa recuperação também elevou novamente as valutions das empresas do S&P 500, que já eram relativamente altas em fevereiro. Num ambiente de taxas de juro elevadas, serão necessárias melhorias substanciais nos resultados empresariais para justificar e suportar o atual ritmo de subida dos índices acionistas. A realidade económica também não ajuda: as famílias norte-americanas enfrentam maiores dificuldades, maior abrandamento do crescimento do rendimento disponível, maior incerteza e menos capacidade de consumo. Isso contrasta com o que se verificou durante a pandemia, quando o aumento das poupanças gerado pelos apoios diretos criou um forte impulso no consumo privado, impulsionando o crescimento económico.

Conclusão: mercados em alerta, mas ainda em movimento

O momento atual está longe de ser linear. Ao contrário da pandemia, em que o desconhecido foi progressivamente controlado pela ciência e pela política económica coordenada, o risco em 2025 assenta na natureza imprevisível da política e na rigidez da política monetária. Com taxas de juro persistentemente elevadas, défices orçamentais agravados e um contexto geopolítico e comercial incerto, os mercados financeiros enfrentam desafios significativos.

A recuperação recente do S&P 500 mostra que há resiliência, mas também sugere que os investidores estão a caminhar numa linha estreita entre esperança e realidade. Num ambiente em que os juros não caem e os défices sobem, será cada vez mais difícil sustentar novos máximos nos mercados de ações sem que haja uma melhoria real dos fundamentos económicos.

  • Paulo Monteiro Rosa
  • Economista Sénior, Banco Carregosa

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