Pelo capitalismo popular

Para capitalismo popular sobreviver, é preciso investir e não jogar. É preciso diversificar e não concentrar. É preciso pensar na próxima década e não no próximo dia, mês ou ano.

Nestes últimos meses, vivemos tempos eufóricos na valorização dos ativos em geral. A resposta monetária e orçamental à pandemia veio reforçar os níveis, já anteriormente elevados, de estímulo à economia. Uma das consequências mais visíveis destas políticas é a exuberância que observamos nos preços dos ativos, tanto maior quanto o nível especulativo do ativo.

A participação do chamado investidor de retalho, simplisticamente falando qualquer um de nós, nos mercados financeiros está também em alta. Este aumento de participação parece, para além dos atrás mencionados estímulos, ser fruto de: do acesso ao mercado de forma fácil e barata providenciado por novas plataformas de investimento; da boa performance dos ativos de risco, que atraem perfis de investidor normalmente mais avessos a estes riscos e fruto da pandemia, que trouxe uma maior disponibilidade temporal para gerir investimentos. Arrisco dizer que, o vulgarmente denominado, capitalismo popular nunca esteve tão vivo, e ainda bem.

Deixem-me ser claro: investir é fundamental para os particulares. Por várias razões, mas destacaria três:

  1. A taxa de crescimento do capital é superior à taxa de crescimento do rendimento. Ou seja, quem vive do salário verá a sua riqueza (poupança acumulada) crescer mais rapidamente se aplicar parte desta poupança em capital (ações, imobiliário, etc.). Por outras palavras, a falta de exposição ao capital é um fator decisivo para agravar a desigualdade na distribuição de riqueza.
  2. A poupança é fonte de liberdade individual, isto é, a poupança aumenta as possibilidades de escolha e facilita a tomada de decisão dos aforradores.
  3. A vontade e/ou necessidade de investir torna os indivíduos mais propensos a estudar o assunto, pelo que acaba por gerar uma externalidade positiva no aumento da literacia financeira.

Por estas razões, e todas as outras não mencionadas, uma cultura de risco (ter exposição a capital que não está garantido) é importante, bem como uma perspetiva de longo prazo nessa exposição e uma lógica de diversificação para minimizar o risco destes investimentos.

Deixem-me ser ainda mais claro: investir não é jogar. Comprar hoje para vender amanhã e ganhar o dobro não é investir! Este género de recompensa extrema pelo risco tomado apenas existe no jogo (apostas). No entanto, para quem tem acompanhado os mercados nos últimos meses, parece existir uma crescente fusão entre os termos.

Esta perspetiva parece advir da crescente gamification que algumas plataformas de investimento têm fomentado para angariar novos utilizadores, acrescida de movimentos parabólicos em meme stocks, como o caso recente da GameStop. Estes episódios de concentração de risco em ativos e a forma como a exposição a estes ativos é feita (ex: compra de derivados por parte de investidores de retalho) já deixou as suas marcas nos portfolios de vários investidores mais incautos e vai, com certeza, dar que pensar a reguladores por este mundo fora. Claro que apostar, é divertido! Qualquer retorno de 50% ao mês torna um investimento de longo prazo aborrecido e elimina quaisquer considerações sobre risco e sustentabilidade do investimento.

Se a exuberância que observamos no preço dos ativos é uma bolha ou não, ninguém sabe. Há várias métricas de avaliação de ativos que o indicam, mas outras que o contrariam. Mas, convenhamos, bolha ou não bolha, todos achamos que, na “dança das cadeiras”, quando a música parar de tocar, não seremos nós a ficar de pé. Historicamente, associa-se a entrada de muitos novos investidores como um indicador de bolha prestes a rebentar. Conta-se que, em 1928, J.D. Rockefeller, decidiu vender todas as suas ações depois de ouvir o seu engraxador de sapatos explicar-lhe como se fazia dinheiro a comprar e a vender ações. Com isto, o magnata americano evitou o crash da bolsa que teve início em setembro de 1929. Não é tão divulgado que, entre 1928 e agosto de 1929, o mercado subiu quase 100%, o que mostra a dificuldade, até para os investidores mais astutos, de prever fins de ciclo. No passado, períodos de exuberância acabaram sempre abruptamente e sem aviso, sendo que a sua digestão por investidores menos experientes pode ser extremamente difícil.

Para terminar, o capitalismo popular pode ser visto como um propiciador de liberdade individual, mas o seu preço é a assunção de risco. Uma cultura de tomada de risco é essencial, mas esta só é definitivamente desenvolvida depois de sabermos viver com a realização do risco. Ou seja, também é preciso saber gerir a perda. Se quisermos que o capitalismo popular sobreviva à próxima correção de mercado, é preciso investir e não jogar. É preciso diversificar e não concentrar. É preciso pensar na próxima década e não no próximo dia, mês ou ano.

Votos de bons investimentos! Mas, se as suas preferências forem apostas, que sejam divertidas 🚀🚀🚀

Notas:

Por opção própria, o autor tenta escrever segundo o novo acordo ortográfico, com o sucesso possível. As opiniões aqui expressas vinculam somente o autor e não refletem as posições da Raize, ou da Nova School of Business and Economics.

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