Portugal, Europa e os dilemas do Estado Social

A pergunta não é se gastamos muito ou pouco em educação ou saúde. É se estamos a gastar bem — e se o modelo que hoje temos é o que queremos manter amanhã.

Num tempo em que se discute a sustentabilidade do Estado social, a análise dos gastos públicos em saúde e educação revela que Portugal encontra-se numa encruzilhada estratégica. Olhando para os últimos 20 anos, os dados mostram que o país tem mantido níveis de investimento relativamente estáveis nestas duas áreas, situando-se em linha com a média da União Europeia. Mas será isso suficiente?

Comecemos pela educação. Portugal investe cerca de 5% do PIB nesta área, ligeiramente acima da média da OCDE. Contudo, quando traduzimos esse esforço em despesa per capita ajustada ao poder de compra, ficamos aquém da média europeia. Isto significa que investimos uma fatia do bolo semelhante, mas o bolo é mais pequeno. Além disso, quase um quarto dos alunos do ensino secundário frequenta escolas privadas — sinal de uma classe média que, apesar dos impostos, sente necessidade de procurar alternativas.

Uma preocupação crescente é o envelhecimento do corpo docente em vários sistemas educativos, mas em Portugal, este fenómeno assume uma dimensão particularmente alarmante. Dados recentes indicam que Portugal detém a classe docente mais envelhecida da União Europeia. Em 2020, a proporção de professores do ensino básico e secundário com mais de 50 anos em Portugal era alarmante, com 28 docentes nesta faixa etária para cada professor com menos de 30 anos. Esta realidade contrasta drasticamente com a média da União Europeia, onde a proporção é de aproximadamente cinco professores com mais de 50 anos para cada docente com menos de 30 anos.

Estudos do Eurostat de 2017 já apontavam que 36% dos professores na União Europeia tinham 50 ou mais anos, com apenas 9% a terem menos de 30. Em Portugal, a maioria (cerca de 20%) situava-se na faixa etária dos 50 aos 54 anos. Dados mais recentes do PISA 2022 (publicados em 2023) indicam que a idade média dos professores aumentou na OCDE entre 2013 e 2022. No 3º ciclo do ensino básico, 36% dos professores na OCDE tinham 50 anos ou mais em 2022, face a 35% em 2013. Em Portugal, esta proporção é significativamente mais elevada, com 57% dos professores com 50 anos ou mais em 2022, um aumento considerável face aos 33% registados em 2013.

O envelhecimento do corpo docente em Portugal é um desafio estrutural, com uma proporção de professores mais velhos significativamente superior à média europeia, impulsionado pela desvalorização da carreira e pela insuficiente renovação de quadros, o que deve gerar preocupações sobre a sustentabilidade e a qualidade do ensino e portanto da produção de talento.

No caso da saúde, a situação é ainda mais delicada. Portugal gasta cerca de 10,6% do PIB em saúde, valor próximo da média europeia. Mas o que nos distingue é a repartição entre o público e o privado: apenas 63% do total é financiado pelo Estado, face a uma média de 81% na União Europeia. Os restantes 37% provêm de pagamentos diretos das famílias e seguros voluntários. Em termos simples: os portugueses pagam duas vezes, através de impostos e do próprio bolso.

Esta realidade levanta uma questão crucial: até que ponto o modelo atual responde à promessa de universalidade e equidade? Num contexto em que os privados representam já metade dos hospitais e onde o crescimento dos seguros de saúde é contínuo, importa perguntar se estamos perante uma complementaridade saudável ou um recuo silencioso do Estado.

Mas há um outro eixo essencial nesta discussão: quem governa o sistema? Em Portugal, tanto a educação como a saúde continuam fortemente centralizadas. Apesar de avanços recentes na descentralização — com os municípios a assumirem algumas competências administrativas nas escolas —, as grandes decisões continuam a ser tomadas em Lisboa. Comparando com países como a Alemanha, Suécia ou mesmo Espanha, onde regiões e municípios têm papéis de liderança nestes setores, Portugal surge como um Estado ainda altamente concentrado.

A centralização tem custos: gera rigidez, distancia o planeamento da realidade local e dificulta a inovação territorial. A descentralização — se bem feita — permitiria ajustar políticas a contextos concretos, responsabilizar eleitos locais e envolver as comunidades.

Portugal enfrenta, portanto, um dilema clássico: como preservar os princípios do Estado social num cenário de pressão financeira, mudanças demográficas e expectativas crescentes? A resposta não estará apenas em mais despesa, mas em melhor governação, equilíbrio entre setores e um debate honesto sobre o papel do público e do privado.

No fundo, a pergunta não é se gastamos muito ou pouco em educação ou saúde. É se estamos a gastar bem — e se o modelo que hoje temos é o que queremos manter amanhã. Ou seja, é uma questão de gestão e aí o Pais não tem escola na esfera pública.

  • Colunista convidado. Economista e professor na FEP e na PBS

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