A política em Portugal começa todas as manhãs com o noticiário das sete. A política em Portugal fecha todas as noites com a nova intriga ou a última novidade.

Afinal, o paraíso também arde. Longe dos rios e das paisagens marítimas existe um Portugal desconhecido que se evapora no fumo do fogo. Para o espectador aéreo que voe pelo interior do país, a paisagem revela o remorso negro das cinzas e do esquecimento. É uma fatalidade que as alterações climáticas parecem justificar. Não importa as responsabilidades políticas, a gestão indigente, a desertificação. A floresta em Portugal é um segmento da selva primordial em plena Europa civilizada.

O discurso dos políticos assegura que a vontade política move montanhas, transforma países, garante o harmonioso desenvolvimento do interior. Vamos construir cidades artificiais com os níveis de desenvolvimento mais avançados da Europa e painéis luminosos que substituem a paisagem natural pela obscena publicidade de tudo o que se vende e que se compra. As cidades artificiais são um projecto político para acabar com o interior. Portugal é um país original até ao limite do ridículo pois acredita numa ideia para o país em que só existe exterior, superfície, modernidade envernizada sem substância ou identidade. As árvores estão bem nas reservas municipais das cidades para passeios ao fim de semana e spa para cães.

A ideia apocalíptica de uma “ofensiva coordenada entre o Estado, a indústria da celulose e a indústria fóssil para transformar o interior do país numa câmara de incineração” parece a descrição de uma versão distópica de Portugal. A câmara de incineração serve para produzir a modernidade e o futuro. Primeiro, eliminando parte do país que não tem uma contribuição económica para o progresso. Depois, porque se elimina um modo de vida antigo e prova do atraso secular que prende o país ao passado. Finalmente, porque existe o efeito de purificação das populações, com a selecção natural a substituir a geração mais velha pelo novo mundo que aguarda pelo novo homem português. Só que não existe novo homem português na zona libertada. O novo homem português é uma criatura do litoral, habituada às amenidades do progresso, aos baixos salários garantidos e ao passeio semanal no grande centro comercial que contém o mundo. As cidades artificiais onde se inventa o novo homem português são o futuro de uma arqueologia medonha, um pesadelo a visitar no espaço de um século. Não falta visão política quando a modernidade é antecipada como o futuro espectáculo da antiguidade.

Como os grandes programas políticos começam onde o impossível acaba, deve afirmar-se que a redução de Portugal a uma faixa litoral é um exercício de inteligência e um factor de desenvolvimento. Imaginem um país elegante e longilíneo na costa do grande mar oceano que separa a Europa da América. Nesta nova configuração nacional, Portugal estará separado da Europa por uma zona interior desertificada, sem pessoas e talvez até com animais selvagens, logo sem encargos políticos e despesa económica. No entanto, abre-se o espaço para uma grande reserva da uniformidade desértica, um território de passagem à imagem dos grandes desertos e das grandes viagens. Portugal poderá ser o único membro da Europa com um Parque Jurássico para consumo e benefício da Humanidade.

É verdade que o interior é a parte do território nacional mais próxima da Europa. Mas na realidade é um purgatório do desenvolvimento. Os portugueses do interior emigram para a Europa ou mudam-se para os subúrbios das grandes cidades artificiais para continuarem a grande saga da mitologia do desenvolvimento. Logo do ponto de vista económico e político, o interior e a floresta do interior são um desperdício de recursos, de atenção, de políticas. Do ponto de vista da geografia de um Portugal moderno, a olhar para a América e de costas para a Europa, o interior é o país das tribos e dos mistérios, a concretização do mundo pós-apocalíptico de Mad Max. Imaginem um espaço aberto rasgado por “linhas melodiosas” que assinalam o percurso de uma fronteira um dia marcada pelo movimento do tempo, dos homens, da civilização, e hoje reduzida a uma memória distorcida no discurso de um guia turístico. O interior de Portugal é o pequeno grande espaço de um Destino Manifesto.

A política em Portugal começa todas as manhãs com o noticiário das sete. A política em Portugal fecha todas as noites com a nova intriga ou a última novidade. O país já existia quando nascemos e continuará depois de nós. A política em Portugal não tem noção da permanência e da mudança, enfim, da cultura política, que permite distinguir o essencial do acessório. Só a distinção entre o essencial e o acessório permite que os Governos se dediquem à superior actividade de governar para todos os portugueses e para o futuro de Portugal.

Que me perdoem os leitores a ingenuidade do delírio.

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