Propriedade Intelectual, Inovação e o Novo Código
O advogado Gonçalo de Sampaio escreve sobre o Dia Mundial da Propriedade Intelectual
Celebra-se, hoje, o Dia Mundial da Propriedade Intelectual.
A propriedade intelectual, e mais especificamente as “marcas e patentes”, é hoje referida, unanimemente, como factor fundamental para a competitividade e sucesso das empresas. Salvaguardar e obter direitos de propriedade intelectual deve assumir um papel determinante na estratégia de desenvolvimento e crescimento das empresas, sobretudo num mercado crescentemente global e exigente
Por um lado, são as invenções ou o design inovador que permitem a uma entidade empresarial sobressair no meio da multidão dos agentes económicos. Por outro, são os sinais distintivos – nomeadamente a marca – que permitem a diferenciação de produtos e de serviços. Qualquer que seja a perspetiva, resulta evidente que para as empresas tão importante é inovar quanto é, literalmente, marcar a diferença!
Contudo, não basta inovar. É fundamental proteger essa inovação, conservar essa diferença, sob pena de se perder o respectivo benefício económico. Inovação não protegida, isto é, invenções não patenteadas e marcas não registadas, significam destruição de valor. Se uma invenção não estiver patenteada ou uma marca não estiver registada, não há garantia de benefício ou retorno económico.
Só a protecção permite transformar a inovação num activo económico, concedendo um exclusivo, criando valor. Sem protecção, a inovação, será apenas um custo, um encargo, sem perspetiva de rentabilidade.
O País precisa de inovação, mas de inovação que seja devidamente protegida, valorizada, acrescentando valor à nossa economia e às nossas empresas.
As empresas portuguesas devem ser sensibilizadas para a enorme mais-valia que poderão obter se, utilizando os mecanismos existentes, apostarem numa política sistemática e enraizada de defesa das marcas e patentes.
O Estado deve ter um papel de dinamização de mais iniciativas que apoiem e incentivem, de forma coerente e não avulsa, o investimento na inovação. Ao Estado, regulador do sistema que confere direitos de PI, compete desenvolver um sistema que funcione, com regras claras e simples. Mas claramente não lhe compete – não pode competir – a prestação de aconselhamento técnico às empresas.
O sistema de Propriedade Industrial deve ser acessível, mas exigente, credível, equilibrado, que transmita confiança e segurança jurídica aos utilizadores.
A frenética simplificação de procedimentos traduziu-se em menor segurança e confiança jurídicas, pelo que importa encontrar o justo equilíbrio entre um sistema simples e acessível, mas que garanta a segurança e certeza jurídicas indispensáveis à credibilidade do sistema.
Importa que a legislação nacional de propriedade industrial esteja ao serviço das empresas portuguesas, nomeadamente das PME’s, sendo que a questão da PI não se limita à necessidade da sua proteção, sendo também essencial que existam mecanismos que garantam a sua valorização no mercado.
Se avançarmos com respeito por estes princípios, estaremos a construir um sistema que promove a sua utilização, tornando-se um aliado da economia nacional.
NOVA LEI
Por estes dias, o Governo estará a anunciar a conclusão do processo de revisão do Código da Propriedade Industrial.
O processo começou há uns meses, tendo o Governo constituído um Grupo de Trabalho, com a participação, entre outras, de entidades como o grupo Português da AIPPI, a ACPI, a Ordem dos Advogados, a CIP, a CCIP, a CentroMarca e a ASAE, que procurou melhorar o texto inicial. Importa, nesse ponto, louvar a decisão do Ministério da Justiça de aceitar constituir este Grupo de Trabalho.
A proposta final do Grupo de Trabalho, atentas as alterações introduzidas, seja em quantidade, seja em termos substantivos, permite falar-se não de uma revisão mas, antes, num novo Código da Propriedade industrial. E bem que precisávamos de uma nova Lei. A actual já data de 2003, com alterações introduzidas em 2008 que só serviram para desvirtuar e enfraquecer o sistema.
Esta nova Lei irá proceder à transposição para a ordem jurídica interna de duas directivas comunitárias, a saber a Directiva (EU) 2015/2436 que aproxima as legislações em matéria de marcas e a Directiva (EU) 2016/943, abreviadamente designada como Directiva dos segredos comerciais.
Uma primeira nota para a relevância da transposição da Directiva dos segredos comerciais, que permitirá a Portugal ter legislação adequada e actual sobre matéria que tem vindo a ganhar relevância económica. Já tardava legislação nesta área, o que passará, agora a ser uma realidade. No que se espera seja um Capítulo autónomo do novo Código, teremos conceitos, definições e sanções claras, com identificação do objecto de protecção, definição de actos lícitos e ilícitos, sendo dado um passo relevante no tratamento e punição destas matérias.
Quanto à transposição da Directivas das Marcas, reforçam-se conceitos, agilizam-se procedimentos, clarificam-se disposições. Mas, nestas matérias de protecção de marcas, devia a proposta ter sido mais arrojada, com uma visão de futuro, construindo um sistema que proteja quem o utiliza de forma leal. Faltou, de forma muito evidente, essa ambição neste processo de revisão.
Mas, onde a proposta mais desilude, ficado muito longe do que seria útil ao País e agentes económicos, é nos temas não abrangidos pelas Directivas europeias. Por exemplo, ao manter a figura do Logotipo, que, tal como ficará, só serve para confundir direitos e conceitos. Ou na área das patentes onde continua a predominar uma visão estritamente quantitativa, sem a devida salvaguarda da qualidade e rigor dos direitos que são pedidos. Ou ainda na manutenção de limitações dos Modelo de Utilidade na área farmacêutica, que tão relevante poderia ser para a indústria nacional.
Por outro lado, acompanhando as melhores práticas nas economias mais desenvolvidas, a Lei devia ir mais longe na proteção do agente económico, contemplando uma maior qualificação nas entidades intervenientes, num modelo que proteja quem, investindo na protecção, seja devidamente aconselhado e acompanhado.
Empresas sensibilizadas, um sistema eficiente e aconselhamento profissional especializado devem ser os pilares de uma política de Propriedade Industrial para Portugal. A nova Lei, representando um passo positivo no sentido de um melhor Sistema de PI é, contudo, um passo curto, pouco ambicioso e sem grande rasgo ou ambição. Sinceramente, esperava-se mais.
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