É o congresso do país que não muda, que resiste à mudança, que a classe política não consegue mudar, mas que acredita que só pode mudar no sentido único e exclusivo do PS.

É o congresso do adeus. É o congresso do partido. É o congresso da esquerda. É o congresso do país. É o congresso do adeus a um secretário-geral que não vai a lado nenhum para se constituir como reserva da República. É o congresso do partido que ensaia uma mudança de geração na continuidade tutelar dos nomes maiores. É o congresso da esquerda, de toda a esquerda, pois o posicionamento do PS condiciona a geografia política do Regime. É o congresso do país que não muda, que resiste à mudança, que a classe política não consegue mudar, mas que acredita que só pode mudar no sentido único e exclusivo do PS. É sobretudo o congresso das máscaras de azulejo e bolas de espelho – o PS é a face plural de um Portugal de Abril em que se pretende recriar o espírito aventureiro da revolução fundadora do Regime. Em suma, Abril é o PS e o PS é a democracia.

É um congresso com o vento pelos joelhos. As imagens políticas de plástico mantêm a aparência artificial da união de um PS providencial. A tempestade política encharca o congresso ao nível pedestre de um chão pisado mil vezes. Um congresso em que dois actores representam o mesmo filme sem concordarem com o carácter do secretário-geral, sem concordarem com a essência do partido, sem acertarem com os destinos da nação. O PS está transformado num obscuro objecto do desejo. De um lado a geração que se afasta com a força tranquila e a serenidade da determinação. Do outro lado a geração que chega ao topo com o voluntarismo de um novo impulso e de uma visão sexy da política, da esquerda, do país. No novo PS há confiança no futuro, apenas não se sabe é o que será o futuro. Mas sabe-se no limite da arrogância que o futuro usa óculos escuros e tem um vício vermelho.

O PS é um clube político com dois partidos na direcção. Os históricos que representam a essência política do partido e que garantem a exigência moral de uma continuidade. Os renovadores que representam o novo perfil do partido e que garantem a exigência da transformação de uma identidade ao ritmo do tempo. Na psicologia política das multidões não há lugar, não há espaço, para estas subtilezas políticas. Históricos e renovadores, continuidade e novidade, podem conviver sem angústias na grande celebração colectiva de um congresso fora do programa político, mas imposto pelo tempo político. A unidade, qualquer unidade, assenta em lealdades divididas e na perspectiva mágica do poder. O PS é um partido em conflito consigo mesmo, fala duas linguagens incompatíveis – a da tempestade interior do actual secretário-geral e a da força tranquila do anterior secretário-geral que se despede para assumir o seu lugar no panteão vivo da República.

O novo PS é pródigo em estilo e parco em ideologia. Uma vez que é preciso conciliar a renovação e a continuidade, numa versão revista e democrática da “renovação na continuidade”, o novo PS tem aquele ar cool e pós-moderno de uma esquerda digerida a espaços na associação de estudantes e na juventude partidária. Este efeito de um estilo político solto e informal permite incorporar o passado recente com a flexibilidade inconsciente de quem se julga predestinado. Este PS delirante com ideias meio-feitas, este PS a transbordar de convicções, este PS a rebentar de soberba nacional acredita que para onde o PS corre, correm milhões de portugueses. O PS acredita que a vitória do partido é o sinal de que Portugal existe. O Portugal do PS renovado é uma imagem nítida que só existe na cabeça do novo secretário-geral. Nada de pessimismos, melancolias, estados de alma, Portugal não está à espera do progresso, nem tem o pé numa galera e outro no fundo do mar. Estas são afirmações de uma direita sem futuro nem lugar na sociedade progressista do novo socialismo. O coração dos portugueses bate inteiro no coração do PS. Entre o delírio e a fantasia, esta é a origem do programa político de um “Portugal Inteiro”.

O novo PS terá certamente a fidelidade de milhões de portugueses que inventou. O novo PS terá certamente a atenção da esquerda do Bloco e da esquerda do PCP. O que o novo PS não terá é vestígio de uma identidade política. O novo secretário-geral e candidato a primeiro-ministro parece uma criança com um brinquedo novo, mas sem livro de instruções. Entre o PS cessante e o PS emergente existe a relação entre o lado A e o lado B do algoritmo político do TikTok. Neste tempo superficial e simples, o novo PS não precisa de um programa político de 200 páginas para se apresentar como moeda forte na contenda eleitoral.

É certo que os quadros políticos adoram grandes declarações programáticas para poderem justificar o injustificável à frente do governo. Nestes tempos europeus conturbados, a palavra política está muito desvalorizada. O que o PS necessita é de uma “app de auto-descrição” para a inclusão dos portugueses. Com o trauma da troika, o novo impulso, o fim da austeridade, o estado social, o investimento público, mais a convergência com a Europa. A ideia de Portugal é uma arma.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

PS hard-core

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião