Rock’n Roll de uma crise política
Portugal confunde-se com um sonâmbulo político. Os políticos e a política entram em modo automático e sem rumo. Andam sem ir a lado nenhum. Falam sem dizer nada.
Portugal tem vivido sem a presença e sem as palavras do Presidente da República. Depois da excessiva exposição, esta última fase do primeiro mandato poderá ser entendido como um prelúdio do segundo mandato? Quem viver verá. Certo é que o Presidente da República deixou adormecer o artista político de todas as ocasiões para dar lugar ao asceta de Belém, o virtuoso do Gabinete que zela dia e noite pelos destinos da Nação. Imagina-se o Professor a recentrar a política pandémica, a coordenar a descoordenação do Governo, a antecipar a resposta à crise social, a elaborar o plano para a crise económica.
Neste sentido do silêncio político, o Presidente da República transforma-se numa variante de um primeiro-ministro na sombra, o verdadeiro chefe de orquestra de um País que viveu a poesia do primeiro mandato e se prepara agora para a prosa do segundo mandato. Portugal aguarda e precisa de um módico de visão política que falta completamente a um Governo acabado de sair de uma orgia de optimismo e que enfrenta o trauma de um choque com a realidade.
A sombra do Presidente da República ausente acrescenta mais sombra à imagem de um primeiro-ministro que no actual drama político desempenha o papel de um herói vencido. O tédio do primeiro-ministro é um flash na noite política, o espírito ausente é visível nas palavras de circunstância, na visita aos hospitais, na ressonância das declarações de que tudo está a correr bem quando nada na realidade se está a mover.
O Governo está viciado na gestão do momento e no charme dirigido à Esquerda. Quando é preciso planear, organizar, controlar, o Governo apresenta os sintomas mórbidos de um Executivo esgotado. O primeiro-ministro não sofre de estados de alma, a longa permanência em muitas e variadas funções políticas transforma-o num habitante de um mundo paralelo onde apenas chegam os ecos e as sombras do mundo real. Neste momento de crise pandémica Portugal é governado pela variante pós-romântica de um Frankenstein político.
A sombra da fraqueza começa a agitar os génios que em permanência habitam o PS e emitem ruídos para assinalar a respectiva presença política. O ministro que pretende levar o PS para a Esquerda sem vestígios de uma ideia política. O senador da República que imagina um imperativo de consciência e deseja transferir o PS para os rigores de um Centro-Esquerda desaparecido na actual cartografia política. Não há lasca de sinceridade nestas proclamações teóricas, apenas o predomínio das ambições políticas e o narcisismo das pequenas diferenças. O posicionamento político destas personagens é uma tentativa de contornar a selva de candidatos e poder assistir à queda a partir da primeira fila da Geral. Não há um átomo de inteligência estratégica nestes apóstolos da crise política.
O que salva o primeiro-ministro não é o apoio do PS nem a cumplicidade do PCP, o verdadeiro partido conservador português. Quando se fala de um Governo de Unidade Nacional, está a falar-se de uma impossibilidade em função da natureza particular e momentânea do PSD – o principal partido da Oposição que não quer ser Governo. O PSD é um objecto político transtornado e triste, um partido que não é de Centro-Esquerda nem de Centro-Direita, mas sim e talvez seja um partido do Norte profundo sem conteúdo político particular e específico. Muito do abismo à Direita é responsabilidade do vazio político do PSD que se limita a estar sentado nos Jardins de São Bento à espera de D. Sebastião.
Esta indefinição do PSD abre um espaço à Direita para todas as conjecturas e para todas as aventuras. Um CDS moribundo liderado por um jovem jurássico abre ainda mais o flanco para uma pulverização política de consequências imprevisíveis. O vazio ideológico está a ser preenchido com propostas políticas liberais e radicais que acrescentam desordem e fragmentação ao espectro político democrático.
Enquanto a Esquerda observa as diletantes hesitações do Bloco entre o radical e o institucional, enquanto a Esquerda se pulveriza em partidos de protesto estilo PAN, em partidos satélites estilo Verdes, em “deputadas não inscritas” que acrescentam uma contribuição política nula, o cenário que parece estar a ser preparado é o de uma fragmentação política estrutural e transversal ao sistema político-partidário.
Esta fragmentação ao estilo italiano não multiplica a oferta política nem o pluralismo político. Esta fragmentação ao estilo italiano alimenta a instabilidade, cativa o bloqueio das soluções políticas em coligação de contrários, abre-se à ingovernabilidade tão típica da cultura política portuguesa. Com elevado sentido de oportunidade, os frutos políticos do esquerdismo oportunista do PS rebentam à superfície da crise pandémica com a notícia de uma crise política anunciada.
Portugal confunde-se com um sonâmbulo político. Os políticos e a política entram em modo automático e sem rumo. Andam sem ir a lado nenhum. Falam sem dizer nada. Os passos arrastam-se na deriva da “clarificação” ou da “recomposição” do espaço político nacional. É possível que o velho esteja moribundo e que o novo não possa nascer. O problema é que o novo está velho. O problema é que o novo parece ser o testamento do passado. Na confusão do ruído, a política esgota-se no círculo fechado.
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