Superior interesse público da transição energética

Os responsáveis políticos que tutelam a APA e o ICNF têm de transpor uma diretiva sobre renováveis e capacitar os serviços de que o interesse público da transição energética prevaleça sempre.

Depois da agressão da Rússia à Ucrânia e da crise energética que se lhe seguiu, a transição energética, que era uma prioridade e uma urgência climática, passou a ser, também, um imperativo de segurança energética da União Europeia. Por essa razão, a mais recente revisão da diretiva renováveis “REDIII” dedicou particular atenção ao encurtamento dos prazos de licenciamento, à criação das chamadas zonas de aceleração, entre muito outros mecanismos e disposições que concorrem todos para o mesmo objetivo: a necessidade de acelerar a transição energética, que tem enfrentado enormes bloqueios no licenciamento, nomeadamente ambiental.

Uma das disposições mais importantes da “REDIII” surge no artigo 16º-F, que decreta:

  • Até ser alcançada a neutralidade climática, no âmbito do procedimento de concessão de licenças, presume-se que o planeamento, a construção e a exploração de centrais de energia renovável, a ligação de tais centrais à rede, a própria rede conexa, e os ativos de armazenamento, são de interesse público superior, derrogando, para esse efeito, a aplicação de alguns artigos e disposições de três diretivas da área do ambiente e conservação da natureza, a saber: a Diretiva 92/43/CEE, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, também conhecida como “Diretiva Habitats”; a Diretiva 2000/60/CE, relativa ao domínio político da água; e, por fim, a Diretiva 2009/147/CE, relativa à conservação das aves selvagens, também conhecida como “Diretiva Aves”.

O que este artigo faz, no fundo, é equiparar os projetos necessários ao cumprimento dos objetivos da transição energética àqueles que, por razões de saúde e seguranças públicas, já estavam previstos como permitindo exceções e derrogações à aplicação de certas limitações, restrições e proibições previstas nas três diretivas acima referidas.

A implicação prática deste novo estatuto não pode, em circunstância alguma, ser desvalorizada. No caso português, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), perante um conflito entre ambiente, conservação da natureza e energia, e não havendo alternativa, ficam legalmente obrigadas a reconhecer o interesse público superior do projeto e do interesse energético em causa. Limitações a este princípio, por exemplo, excluindo determinadas parcelas do território, ou atribuindo este estatuto de superior interesse público apenas as prioridades tecnológicas constantes do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC2030) são possíveis, mas têm de ser devidamente justificadas e comunicadas à Comissão Europeia.

Vejamos um exemplo recente para se perceber o que isto, na prática, significa.

O projeto de hibridização de fonte solar eólica com a produção hidroelétrica na cascata do Tâmega, apresentado pela Iberdrola. Com a plena aplicação deste artigo e o reconhecimento do superior interesse público, o projeto não teria sido reduzido a metade, como foi, porque é um projeto de hibridização de um ponto de injeção já atribuído e, por essa razão, tem de ser feito naquele ponto e onde há recurso eólico, e não onde não há. Ou seja, não havia alternativa satisfatória: aquele projeto tinha de ser feito ali, com aquela dimensão. Não havendo alternativa satisfatória, deve prevalecer o projeto, com a potência que otimiza o ponto de injeção, e não com a potência que acabou por ser imposta pelo ICNF. O lobo ibérico, espécie protegida invocada pelo ICNF para amputar o projeto a metade do inicialmente proposto pela Iberdrola, poderia continuar a ser protegido, mas sem sacrificar o projeto. Consta, aliás, do relatório efetuado que o impacto no lobo ibérico era temporário, podendo, por isso, o impacto ser gerido sem sacrificar o projeto.

Haverá muitos mais exemplos, não tenho dúvidas. Mas mais importante do que referir exemplos, e para que a APA e o ICNF não possam escudar-se no argumento da incerteza jurídica para manter as práticas de sempre, é preciso que os responsáveis políticos portugueses que tutelam estas entidades façam o que fizeram os alemães: Para além de transpor a diretiva para a legislação nacional, definir diretrizes claras, transmitir essas diretrizes aos serviços e capacitar os serviços para a efetiva aplicação dessas diretrizes. E, também, garantir que, em caso de litigância na justiça, o interesse público da transição energética prevaleça sempre. No fundo, assegurar que o artigo da diretiva tem aplicação efetiva na realidade jurídica e administrativa nacional e que tem o efeito que teve na Alemanha: reconhecer, com efeito prático, o superior interesse público da transição energética e acelerar, de facto, a transição energética.

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