Trump e os seus ecos globais

Trump é mais do que uma figura política americana, é um catalisador simbólico cujos efeitos transbordam fronteiras.

Na mesma semana em que assistimos a uma reviravolta eleitoral no Canadá e a uma vitória retumbante na Austrália, percebemos que os efeitos fora do universo anglo-saxónico são tudo menos os mesmos.

No Canadá, a 20 de janeiro, os Conservadores tinham uma estonteante vantagem nas sondagens de 25 pontos percentuais (p.p.). Apesar disto, os então derrotados liberais, agora com uma nova face de Carney, venceram as eleições com 2,5 p.p. de vantagem. O efeito Trump é inegável: a sua vontade de tornar o Canadá o 51º Estado dos EUA, a sua política comercial e a incapacidade de Poilievre de se afastar devidamente ofereceram à esquerda canadiana uma surpreendente vitória.

O mesmo aconteceu na Austrália. O Primeiro-Ministro Anthony Albanese foi reeleito com uma maioria absoluta mais confortável, tornando-se o primeiro líder de governo, em bastante tempo, a garantir um segundo mandato. Até ao início de março, todas as sondagens apontavam para uma vitória da coligação de centro-direita, sendo o efeito Trump essencial, segundo a imprensa internacional, para a súbita vitória clara da esquerda australiana.

Efetivamente, se numa parte considerável do mundo os efeitos são de fortalecimento dos partidos de centro-esquerda, na Europa, essas consequências parecem ser, no mínimo, inexistentes. Na primeira volta das eleições presidenciais romenas, depois do vencedor das anteriores eleições anuladas por interferência russa, Georgecu, ter sido impedido de concorrer, o mais votado foi o líder nacionalista George Simion, com mais de 40% dos votos.

Simion, embora mais moderado que Georgescu, que o apoiou, mantém-se um crítico de Bruxelas, profundo admirador de Trump e opositor ao envio de mais ajuda militar à Ucrânia, com quem a Roménia partilha fronteira. É defensor de um retorno às fronteiras romenas de 1940 o que implicaria anexação de territórios das atuais Moldávia e Ucrânia. O seu partido, membro do ECR, hoje lidera as sondagens acompanhando um definhamento paulatino dos dois partidos tradicionais do centro.

Ao mesmo tempo, no resto da Europa a realidade não é muito mais animadora. No Reino Unido, o Reform de Nigel Farage lidera as sondagens. Em França, depois do afastamento de Le Pen, Bardella, a dois anos das eleições presidenciais, é o favorito para se tornar o próximo Presidente francês. Na Alemanha, ainda antes da tomada de posse de Merz como novo Chanceler, a AFD, recentemente classificada pelas autoridades alemãs como “extremista de direita”, lidera as sondagens. E estes cenários repetem-se noutros países.

Na Chéquia, o ex-Primeiro-Ministro Babiš, agora membro do Patriots for Europe, lidera largamente as sondagens para as eleições de outubro. O mesmo se verifica na Áustria, onde a extrema-direita de Kickl depois de ter vencido as eleições sem conseguir formar governo teve um forte crescimento nas sondagens, liderando-as mais claramente.

Não quero com isto dizer que é assim em toda a Europa e não há casos de retrocesso deste crescimento. Há evoluções interessantes como os casos dos Países Baixos, da Polónia ou a possível derrota de Órban, daqui a menos de 1 ano. Há também estagnações como em Portugal ou Espanha.

Se, por um lado, Trump parece enfraquecer a direita que tem dificuldades em se afastar dele, por outro, na Europa o seu efeito parece nulo, senão até contrário. Para muitos, o fim da história estava aí ao virar da esquina, Fukuyama disse-nos que, com mais ou menos dificuldade e demora, as democracias iam imperar. No entanto, o que vemos é o oposto. As nossas democracias ocidentais lutam pela sua sobrevivência, enquanto parecem caminhar para regimes bafientos que advogam a ‘real democracia’.

Talvez seja esta a principal diferença entre estes movimentos e os de há 100 anos. Nesses tempos, ser não democrata era motivo de regozijo, e os líderes de então eram nesse aspeto bastante claros. Hoje, lutam por uma nova democracia, nas palavras de Órban uma ‘democracia iliberal’, seja lá o que isso for. Regimes híbridos: por vezes, democracias meramente eleitorais, noutras, mera ilusão parlamentar.

Em última análise, Trump é mais do que uma figura política americana — é um catalisador simbólico cujos efeitos transbordam fronteiras, embora de formas contraditórias. Se fora da Europa parece favorecer movimentos de centro-esquerda ao servir como espantalho da direita tradicional, no continente europeu atua como inspiração ou modelo retórico para forças nacional-populistas.

Neste contexto, o caminho é sinuoso e imprevisível. Apesar disto, a Polónia mostra que é possível o regresso a um regime mais saudável ou moderado, mas não sabemos por quanto tempo as democracias aguentam. Os desafios são inúmeros, mas em democracia a disputa deve ser travada em liberdade e com os seus instrumentos – ilegalizações e afastamentos, como no caso romeno, podem agudizar o problema, contribuindo negativamente para a defesa da democracia liberal como a conhecemos.

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