Um novo caminho europeu para a relevância global

  • José Paulo Soares
  • 12 Novembro 2024

Se há virtude a que o projeto europeu nos tem habituado é a sua memorável capacidade de regeneração, de crescer das cinzas ou de criar alternativas onde mais ninguém as via.

O último dia 5 fica certamente para a história americana como um dos mais impressionantes comebacks políticos de que há registo. Donald Trump desfez o impasse e ganhou de forma retumbante os 7 estados decisivos, o Senado e, no momento em que escrevo, espera-se que também a Câmara dos Representantes. Ganhou o voto popular 20 anos depois de George W. Bush o ter feito pela última vez para os Republicanos.

As razões deste resultado, a travessia no deserto dos Democratas e a cobertura mais ou menos enviesada ou tendenciosa desta eleição dariam e têm dado artigos interessantíssimos, mas não tenho conhecimento de causa para escrever sobre isso e há gente que o faz muito melhor. O ponto que quero trazer é a ótica de um europeu, sobre como a Europa pode reagir ao novo panorama político americano.

Durante décadas a Europa viveu à sombra dos EUA. Hoje, os americanos parecem querer fechar o guarda-chuva e compete-nos a nós europeus analisar os desafios e estudar as soluções. Não somos rivais da América, nem os EUA são nossos rivais, mas se o outro lado nos perceciona como competidores, que economicamente somos, devemos optar pela mesma perspetiva de bloco e defender os nossos interesses.

Nesta visão somos um de três grandes blocos globais, nunca esquecendo que o bloco americano é nosso aliado e o bloco chinês não passa de um parceiro económico. Mas não podemos ser apenas um player económico, se a vertente do poder geopolítico e de influência não estiver presente a nossa relevância no panorama internacional é pouco mais que simpática.

Os desafios para o nosso velho continente são imensos e estão bastante visíveis: temos a guerra à nossa porta. Já havia acontecido durante a Guerra dos Balcãs, mas nunca na história do projeto europeu a ameaça bélica foi tão presente. A guerra está nas nossas fronteiras e o agressor é persistente e percebido como capaz de ameaçar a nossa integridade.

O crescimento é anémico e inferior ao dos americanos ou chineses. A Europa está estagnada; é uma espécie de velho motor de difícil compostura. A demografia também não tem ajudado. Somos cada vez mais velhos: em 2020, dos 20 países mais envelhecidos do mundo, medido por % pessoas com mais de 65 anos, 18 eram da UE; com saldos naturais estruturalmente negativos. Somos ainda cada vez menos produtivos relativamente aos EUA. Segundo o Financial Times, face a 2004, a produtividade norte-americana cresceu quase 40%, enquanto a nossa cresceu menos de 20%.

Os desafios internos são infindáveis. No aprofundamento europeu, ficamos a meio caminho. O federalismo não passa de uma miragem, mas a integração é bastante. A continuidade do veto, muitas vezes usado por razões políticas, atrasa este processo e põe em causa a nossa capacidade de encontrar consensos e políticas comuns, o que em matérias de política externa e de defesa é gritante.

A Alemanha está um alvoroço político, sem governo e com eleições à vista onde se espera que os extremos da AFD e do BSW cresçam exponencialmente. A França parece estar numa contagem decrescente para um possível tormento em 2027: Le Pen contra Mélenchon numa segunda volta presidencial. Em Espanha, Sánchez volta a parecer encurralado e o cenário político é tudo menos estável. Nos Países Baixos, a estranha coligação que se formou nomeou um independente para liderar o país, Dick Schoof. Na França, Itália, Países Baixos, Polónia, Hungria e Áustria partidos de extrema-direita foram os mais votados nas suas respetivas mais recentes eleições legislativas.

A Alemanha está um alvoroço político, sem governo e com eleições à vista onde se espera que os extremos da AFD e do BSW cresçam exponencialmente. A França parece estar numa contagem decrescente para um possível tormento em 2027: Le Pen contra Mélenchon numa segunda volta presidencial. Em Espanha, Sánchez volta a parecer encurralado e o cenário político é tudo menos estável. Nos Países Baixos, a estranha coligação que se formou nomeou um independente para liderar o país, Dick Schoof. Na França, Itália, Países Baixos, Polónia, Hungria e Áustria partidos de extrema-direita foram os mais votados nas suas respetivas mais recentes eleições legislativas.

No meio desta indefinição interna, as pressões externas para a adesão são assinaláveis. A promessa europeia feita aos povos balcânicos tem de ser consubstanciada e os sacrifícios e esforços que têm feito não podem ser em vão. A espera desde a última adesão já vai grande e desde o primeiro alargamento nunca foi tão longa. Se isto é certo, também o é que se o alargamento preceder as muitas reformas necessárias, o atraso nestas últimas pode ser fatal.

Para que a Europa se torne um bloco verdadeiramente competitivo e relevante, é crucial atuar em três frentes. Primeiro, o desenvolvimento de um exército europeu, que garanta a nossa segurança comum, bem como de uma política externa mais unida que salvaguarde os nossos interesses europeus. Segundo, a imperativa necessidade da criação de condições para o surgimento de gigantes tecnológicas. O tempo da Nokia e da Ericsson já lá vai e ficamos para trás na produção de equipamentos, nas redes sociais e mais recentemente na IA. Terceiro, mas não menos importante, a recuperação dos níveis de competitividade relativa europeus face aos EUA. Não é possível sermos mais ricos, sendo consecutivamente menos competitivos que os nossos competidores.

Estes 4 anos vão ser cruciais. A América protecionista parece ter voltado de vez e compete-nos a nós europeus olhar para a situação como uma oportunidade de afirmação no contexto global. Talvez como nunca tenhamos hoje a oportunidade de nos afirmarmos no plano global como um bloco relevante e para o qual todos os intervenientes da cena mundial têm de olhar. Ouçamos o que Mario Draghi nos tem a dizer.

Os desafios são muitos e só elenquei alguns, mas se há virtude a que o projeto europeu nos tem habituado é a sua memorável capacidade de regeneração, de crescer das cinzas ou de criar alternativas onde mais ninguém as via. Este projeto, esta fénix europeia, provou que os impossíveis podem só ser pouco prováveis e este é novamente um momento decisivo.

  • José Paulo Soares
  • Colunista convidado. Estudante de Economia na FEP

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