Indústria agroalimentar põe ‘mão na massa’ com barras de insetos e peixe sem espinhas

Do campo ao prato, as empresas portuguesas do agroalimentar estão a investir na inovação para manter o ímpeto exportador. Conheça alguns das novidades que prometem "revolucionar" a indústria.

Produtos alimentares à base de insetos, valorizar os subprodutos do pescado para serem usados na indústria farmacêutica e até na cosmética, peixe sem espinhas e vacas herbívoras. Estes são alguns dos produtos e sistemas inovadores que prometem “revolucionar” o setor agroalimentar e que foram apresentados esta semana.

O evento “Trends 2025” voltou a juntar na Fundação Dr. António Cupertino de Miranda, no Porto, cerca de 300 profissionais, entre empresários da fileira agroalimentar e entidades do sistema científico, representantes de um setor que exportou 9,3 mil milhões de euros de janeiro a novembro do ano passado, segundo os dados mais recentes que estão disponíveis.

Uma das novidades ali apresentadas foram os produtos alimentares feitos com larvas e grilos desenvolvidos por Guilherme Pereira e Sara Martins. Fundada em 2021, a Corial Foods, antes chamada Portugal Bugs, assume-se como a primeira startup a comercializar produtos com insetos. Larvas de tenébrio molitor e grilos acheta domesticus são os insetos que a dupla utiliza nos snacks, farinhas, crackers ou barras energéticas.

A exportação já pesa 50% da faturação da CorialFoods, com estes produtos nacionais a chegarem já a mercados como Espanha, França e Países Baixos. Aliás, conta Guilherme Pereira com orgulho, já foram provados pelo rei neerlandês. Formado em Engenharia Alimentar na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, o fundador conta ao ECO que, em maio, a empresa vai começar a exportar barras energéticas e crackers à base de insetos para os EUA. “Estamos a fechar um acordo com uma cadeia de distribuição nos EUA com 600 lojas”, adianta.

“O nosso produto vai chegar a um nicho de mercado nos EUA, mas que consegue ser muito mais abrangente do que Portugal e até mesmo a Europa”, assegura, em declarações ao ECO, o jovem empreendedor que viu este negócio começar na garagem de casa e que produz atualmente num pavilhão em Esposende.

Além da aposta na internacionalização, a dupla quer lançar no mercado hambúrgueres e almôndegas à base de insetos. “Os insetos enquadram-se em algumas dieta de tendência, como por exemplo a dieta keto — baixas em hidratos e com alto teor em gordura e em proteína — que em Portugal está a começar a surgir, mas está em voga no estrangeiro”, relata Guilherme Pereira.

Subprodutos do peixe na farmacêutica e cosmética

Também a Brasmar, que reclama a liderança nacional no setor alimentar de produtos do mar, marcou presença no evento. O diretor corporativo destaca as alterações que têm vindo a verificar-se no consumidor final, com a empresa da Trofa a ir ao encontro delas. Quais são elas? “O consumidor de hoje procura produtos fáceis de confecionar em doses individuais e, se possível, sem espinhas e sem pele”, constata Humberto Oliveira.

Os peixes são tão ricos a nível nutricional que todas as partes deviam ser olhadas da mesma forma. É nesse sentido que estamos a inovar.

Humberto Oliveira

Diretor corporativo da Brasmar

O próximo passo da empresa nortenha, que tem no portfólio mais de 200 espécies de peixe e está presente em 46 países, passa por aproveitar os subprodutos. Isto é, concretiza, “as partes menos premium e que, até ao dia de hoje, não são aceites pelo consumidor final, mas que podem acrescentar valor, como o colagénio e o ómega 3″, explica.

“Os peixes são tão ricos a nível nutricional que todas as partes deviam ser olhadas da mesma forma. É nesse sentido que estamos a inovar”, nota Humberto Oliveira, exemplificando ao ECO que estes subprodutos podem ser usados na indústria dos suplementos alimentares, na farmacêutica e até na cosmética.

“As partes do peixe que não estamos a vender até ao dia de hoje podem ser pensadas e valorizadas”, insiste o diretor corporativo da empresa que em 2023 comprou a britânica Holmes Seafood, um ano depois de ficar com a maioria do capital da francesa Sedisal. No entanto, Humberto Oliveira ressalva que a empresa não desperdiça nada, sendo que as sobras do peixe são vendidas a produtoras de rações para animais.

Esta aposta da Brasmar está precisamente alinhada com uma das dez tendências que vão impactar o agroalimentar em 2025. É o caso dos alimentos com benefícios para a imagem dos consumidores, com foco sobretudo na pele e no cabelo, segundo o estudo apresentado pela consultora Innova Market Insight.

Com 850 trabalhadores e seis unidades de produção distribuídas por Portugal, Espanha e Noruega, a Brasmar exporta 55% da produção e fechou o ano de 2023 com uma faturação recorde de 316 milhões de euros. Resultados que, antecipa o diretor, a empresa vai “superar largamente” em 2024, sem dispor ainda de dados finais.

Deolinda Silva (diretora executiva da PortugalFoods), Humberto Oliveira (diretor corporativo da Brasmar), Paulo Carvalho (CEO da Vivid Foods e Vivid Farms) e Guilherme Pereira (Corial Foods)PortugalFoods

“Voltar ao antigamente” na carne de Santarém

Viajando de Santarém até ao Porto, o CEO da Vivid Foods, que se dedica à transformação alimentar de carne e pescado, foi um dos oradores do “Trends 2025. Ao ECO, Paulo Carvalho salienta que uma das principais preocupações da empresa é “respeitar o ambiente e promover o bem-estar animal através de práticas inovadoras e sustentáveis na forma como produz”.

“Queremos voltar ao antigamente, com uma produção muito mais a favor da natureza e da saúde humana — usar menos químicos, com solos mais vivos”, conta Paulo Carvalho, destacando que o trabalho maior passa por sensibilizar os produtores. No caso dos produtores de carne cria protocolos e condições para que consigam fazer a transição sem terem perdas de rendimento. “Pagando um preço premium, como forma de incentivar a transição“, garante.

O líder da empresa escalabitana, que abate cerca de 400 animais de semana, emprega 130 pessoas e fatura 30 milhões de euros, abastecendo essencialmente as grandes superfícies, lamenta que a “grande maioria dos produtores esqueceram-se que as vacas são herbívoras, e os agricultores esqueceram-se que é possível cultivar vegetais sem recurso a pesticidas e herbicidas”.

A grande maioria dos produtores esqueceram-se que as vacas são herbívoros e os agricultores esqueceram-se que é possível cultivar vegetais sem recurso a pesticidas e herbicidas.

Paulo Carvalho

CEO da Vivid Foods e Vivid Farms

Para colmatar esta lacuna, em 2021 o CEO da Vivid Foods investiu numa quinta biológica, a Vivid Farms, localizada em Casével, no concelho de Santarém. Ali produz vegetais e cabeças de gado.

Por outro lado, Paulo Carvalho aponta que existem diferentes tipos de consumidor: “os mais jovens muito preocupados com o planeta, os millennials mais preocupados com o sabor e os mais idosos com a saúde”.

Na zona de demonstração do evento e integrada no pilar estratégico dedicado ao comportamento do consumidor da Agenda Mobilizadora ViiaFood – Plataforma de Valorização, Industrialização e Inovação Comercial para o Agroalimentar, a gaiense SenseTest permitiu contactar com novas tecnologias de análise sensorial.

Assumindo-se como pioneira em Portugal na área da perceção do produto, apresentou um “sistema inovador” que imerge virtualmente o indivíduo em diferentes contextos. Através de uns óculos de realidade virtual, o consumidor tem a experiência de estar a degustar um determinado produto enquanto está em dois cenários (na marginal de Gaia ou em Lisboa), sem sair do sítio.

O projeto ViiaFood foi aprovado em 2022 no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), com o objetivo de impulsionar a transformação do setor alimentar português e aumentar a competitividade das empresas nacionais. Representa um investimento global de cerca de 110 milhões de euros, sendo cerca de 50% financiado no âmbito das Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial e os restantes 50% pelas entidades que integram este projeto.

Ao todo estão envolvidas 29 empresas de diferentes áreas de atividade do setor alimentar e 20 entidades do sistema científico nacional, associações do setor e ainda laboratórios colaborativos com competências nas áreas de I&D aplicadas à área alimentar.

O setor agroalimentar português tem demonstrado uma capacidade notável de adaptação às tendências globais, mantendo-se dinâmico e inovador, investindo em tecnologia e sustentabilidade.

Deolinda Silva

Diretora executiva da PortugalFoods

Quando faltava contabilizar apenas o último mês do ano, a fileira agroalimentar portuguesa já tinha exportado 9,3 mil milhões de euros, um crescimento de 10% face ao período homólogo. A diretora executiva da PortugalFoods, Deolinda Silva, destaca que “o setor agroalimentar português tem demonstrado uma capacidade notável de adaptação às tendências globais, mantendo-se dinâmico e inovador, investindo em tecnologia e sustentabilidade”.

Produtos “fora da caixa”, que tenham em conta o impacto ambiental, naturais e sustentáveis estão entre as tendências que vão impactar o setor agroalimentar internacional em 2025, avançou a PortugalFoods. “Os consumidores procuram o extraordinário, o diferente, levando as empresas a apresentarem novos produtos com misturas surpreendentes e que proporcionam o efeito ‘uau’, conclui a associação.

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