Soares dos Santos: “Se não fosse português, não investia aqui”

O líder do grupo Jerónimo Martins foi o primeiro convidado do ECO24. Reconhece o trabalho do governo de Costa, mas quer mais iniciativa privada. E afirma que o que se passa na Autoeuropa é grave.

Alexandre Soares dos Santos vê com bons olhos o papel que o atual Governo tem assumido na condução do país, e elogia o trabalho feito pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, mas diz que a ação do Estado na economia está a ser feita à custa dos lucros das empresas. Na entrevista que marca o arranque do ECO24, parceria entre o ECO e a TVI24, o “patrão” da Jerónimo Martins diz mesmo que, se não fosse português, não investiria em Portugal.

“Avalio a quadratura do circulo à custa do lucro reduzido das empresas. Estamos sobrecarregados com impostos de toda a espécie. Fala-se muito no IRC, mas há todas as outras taxas. Em condições normais, não fosse eu português, não fazia sentido termos um investimento no Pingo Doce”, afirmou Alexandre Soares dos Santos.

Os bastidores da entrevista a Alexandre Soares dos Santos, que marca o arranque do ECO24.Paula Nunes / ECO 20 setembro, 2017

O empresário diz que em resultado dos impostos que são cobrados em Portugal, o lucro da empresa de distribuição “é baixíssimo”. “Trabalhámos com uma margem baixíssima, porque há concorrência, há uma crise no bolso das pessoas e não temos crescimento. O nosso crescimento é de 2% ao ano. Isso não é nada. Não cobre o aumento de custos e os aumentos salariais”, acrescenta neste âmbito.

Alexandre Soares dos Santos salienta que a Polónia e a Colômbia, onde a Jerónimo Martins está presente, tem ajudado a empresa a resolver esse tipo de dificuldades. “Não crescendo, fico com uma equipa de management sem promoção. A única coisa que nos tem ajudado é a Polónia e a Colômbia, para onde temos transferido o nosso pessoal. Não vejo oportunidades em Portugal, isto no meu campo de consumer goods“, complementa o dono da retalhista Pingo Doce.

Mas apesar das dificuldades, Alexandre Soares dos Santos assegura que a ambição da Jerónimo Martins é continuar no negócio da distribuição, apesar de não descartar a possibilidade de a estratégia se poder alterar no futuro. “Nos próximos dez anos não [possibilidade de deixar a distribuição], mas não sei se no próximo país onde entrarmos se não será noutra área“,desabafa o empresário.

Não podemos continuar no stop and go

Relativamente à atual situação do país, o líder histórico da Jerónimo Martins diz que o balanço é positivo. “Neste momento, as coisas estão a correr francamente melhor: o défice foi reduzido, há crescimento económico. Portanto, estamos todos felizes”, diz. No entanto, salienta que tal faz parte da “economia portuguesa do stop and go“. “Para crescer e criarmos investimento, e podermos criar emprego, temos de ter um consenso sobre que país queremos. Não podemos continuar no stop and go. As empresas não aceitam mais isso”, desafia, apelando à necessidade de serem criados consensos e de um plano que seja “rigorosamente cumprido”.

"Para crescer e criarmos investimento, e podermos criar emprego, temos de ter um consenso sobre que país queremos. Não podemos continuar no stop and go. As empresas não aceitam mais isso.”

Alexandre Soares dos Santos

Ainda assim, relativamente à ação governativa, o empresário diz que o balanço é positivo. “Acho que o governo tem dado conta do recado na medida em que tem continuado aquilo que já tinha começado antes [no governo de Passos Coelho], que é reduzir o défice e reduzir o desemprego. No início, disse que tinha algumas dúvidas sobre o ministro das Finanças, mas não há dúvida que fizeram um muito bom trabalho”, refere a esse propósito.

Apesar disso, Alexandre Soares dos Santos defende que a austeridade não deve acabar. “Acho que Portugal está e tem de continuar no bom caminho. Tem de continuar, e não dizer amanhã se vier uma maioria absoluta, ou um novo governo, “toca a gastar”. Não podemos sair do clima de austeridade. Temos de continuar, mas uma austeridade diferente”, refere. Neste âmbito, o empresário apela a que sejam dados mais incentivos à iniciativa privada. “Temos de incentivar cada vez mais a iniciativa privada. Não há relatório nenhum feito sobre empresas privadas que não demonstrem que são as empresas familiares que fazem crescer o país. São elas que criam emprego, que pagam mais impostos”, comenta.

Relativamente à remuneração dos trabalhadores, e apesar de dizer ser a favor de um salário mínimo muito mais alto, o empresário diz que deve haver limites nesse âmbito. “Não podemos andar permanentemente a subir o salário mínimo e a desajustar cada vez mais a classe média”, refere. “Sou a favor de um salário mínimo muito mais alto, porque as pessoas têm de viver com dignidade, mas isso impõe também uma maior responsabilidade. Em Portugal, a taxa de absentismo na maior parte das empresas é enorme“, afirma.

AutoEuropa é muito grave

Relativamente aquelas que considera deveriam ser as prioridades em Portugal, o “patrão” diz que deveriam passar por apostar nos serviços e no turismo e em tentar trazer holdings para o país. Relativamente à presença de empresas em Portugal, Soares dos Santos, mostra-se preocupado com a situação da AutoEuropa.

“É muito grave. E não me surpreenderia que a Volkswagen, que tem hoje problemas grandes de caixa, desistisse do investimento em Portugal. Ou resolvem o problema rapidamente, e como os alemães querem, ou temos o risco de ver a produção passar-se para a Polónia, para a Itália ou para outro país. Isso não está a ser levado a sério. As pessoas têm de perceber que, se querem investimento, também temos de flexibilidade”, remata a este propósito.

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