Muitas horas, temas polémicos e até amendoins. Afinal, o que é isto do Estado da Nação?

  • Rita Atalaia
  • 11 Julho 2018

É no debate sobre o Estado da Nação que os partidos têm a oportunidade de confrontar o Governo com as políticas e os resultados do último ano. São 226 minutos de confronto político.

O primeiro-ministro, António Costa, a discursar durante o debate sobre o Estado da Nação no ano passado.MÁRIO CRUZ/LUSA

Discussão, confronto, polémicas e situações caricatas. É assim que têm sido marcados os últimos debates sobre o Estado da Nação. Uma iniciativa que se realiza no final de cada sessão legislativa, antes das férias parlamentares. E que volta a acontecer esta sexta-feira. Os partidos terão a oportunidade de questionar o desempenho do Executivo, numa sessão que se assemelha ao conhecido discurso sobre o Estado da União, nos EUA. Mas também aos habituais debates quinzenais, o que, de acordo com especialistas, retira alguma “magia” a este confronto.

Este será o terceiro debate sobre o Estado da Nação na legislatura do Governo de António Costa. Mas, afinal, o que é que acontece neste debate? Esta discussão sobre a política portuguesa tem início com uma intervenção do primeiro-ministro, que é depois sujeito às perguntas dos grupos parlamentares. Segue-se um debate generalizado que é, de seguida, encerrado pelo Executivo.

O discurso sobre o Estado da Nação é muito mais circunstancial e em torno do contexto político do que uma avaliação ao estado do país.

Pedro Adão e Silva

Politólogo e professor no ISCTE

É uma iniciativa parlamentar que foi consagrada pela primeira vez no Regimento da Assembleia da República em 1992, após duas maiorias absolutas de Cavaco Silva. Mas que ao longo dos anos foi perdendo a força que tinha inicialmente, deixando de ser um evento de dois dias e passando a uma discussão de algumas horas. E muito devido à realização dos debates quinzenais, que passou a ser uma prática comum no Governo de José Sócrates, explica Pedro Adão e Silva, politólogo e professor no ISCTE-IUL, ao ECO. “A diferença é que os partidos têm mais tempo para falar”, diz o especialista.

“O discurso sobre o Estado da Nação é muito mais circunstancial e em torno do contexto político do que uma avaliação ao estado do país”, refere Pedro Adão e Silva. Já Viriato Soromenho Marques, politólogo, afirma que este debate é relevante no contexto de uma “conjuntura assombrada pelas críticas e ameaças dos partidos da base parlamentar (BE e PCP), numa altura em que se aproxima o debate sobre o próximo Orçamento”.

Será durante esta iniciativa que o Governo será confrontado com as críticas da oposição, num verdadeiro teste à sua confiança. “É o último debate, por isso há um maior investimento político. É a derradeira oportunidade para os partidos confrontarem o Governo”, afirma Pedro Adão e Silva. Para Viriato Soromenho Marques, “vai ser um debate duro e muito intenso. O BE e o PCP vão encher os pulmões e fazer-se ouvir”.

Entre os temas polémicos, a “discussão pré-Orçamento do Estado, as 35 horas na saúde, a carreira dos professores e as leis laborais” deverão estar em cima da mesa quando os partidos, da esquerda à direita, confrontarem o Executivo de António Costa, nota ainda Pedro Adão e Silva. No ano passado, o debate foi marcado pelas críticas às cativações no Estado e a estratégia de redução do défice.

Muitas horas, polémicas e casos caricatos

Os debates sobre o Estado da Nação também são conhecidos por durarem várias horas. Tantas horas (o último durou cinco) ao ponto de os deputados terem recebido no ano passado uma encomenda com frutos secos, como mostra um vídeo do Observador. Além da sua duração (e das situações caricatas), estas iniciativas também têm sido marcadas por algumas polémicas.

Todos se recordam do pedido de desculpa de José Sócrates depois de o então ministro da Economia, Manuel Pinho, ter feito “corninhos” durante um plenário, em resposta a um comentário da bancada do PCP. “Em nome do Governo peço desculpa ao Parlamento”, disse o ex-primeiro-ministro no final do debate sobre o Estado da Nação, em 2009.

Poucos minutos depois de lamentar o sucedido, o Sócrates afirmou aos jornalistas que o aguardavam nos Passos Perdidos que tinha decidido durante o debate substituir Manuel Pinho na pasta das Economia, que passou a ser assumida pelo ministro das Finanças até ao final da legislatura.

Outras das polémicas envolveu Pedro Passos Coelho, que esteve à frente do Governo entre 2011 e 2015. Dois anos depois de sair, e durante o debate sobre o Estado da Nação no ano passado, o agora professor do ISCSP confrontou o Governo com o Galpgate, os paraísos fiscais, o crédito malparado, os problemas com o SIRESP e o inquérito à Caixa Geral de Depósitos. Mas, de acordo com o que foi avançado na altura, parte do discurso não era de sua autoria.

Passos Coelho utilizou várias frases que se podiam ler num post que o ex-ministro Miguel Poiares Maduros escreveu no Facebook, sem nunca citar ou referir o seu nome. Fonte do PSD disse que era “naturalíssimo que o líder da oposição receba contributos de pessoas que lhe são próximas”. Já Poiares Maduro referiu na altura que era habitual “trocar muitas impressões” com o líder do PSD e que tinha autorizado Passos Coelho a utilizar parte do seu post no discurso.

Estado da Nação vs Estado da União. Qual a diferença?

O debate sobre o Estado da Nação, que permite um maior escrutínio sobre a atuação do Governo, não é uma invenção nacional. Acontece também na União Europeia, mas é nos EUA que encontra a sua origem, no discurso sobre o Estado da União. Ainda assim, a única semelhança entre as iniciativas é o nome.

As diferenças começam no facto de em Portugal haver uma discussão entre o Governo e os partidos, enquanto do outro lado do Atlântico há apenas um discurso, naquela que é a única altura em que o presidente se dirige aos cidadãos e apresenta a sua visão sobre o país.

“O debate tem uma maior dignidade nos EUA”, começa por explicar o politólogo Viriato Soromenho Marques, mas isso porque o contexto político é diferente. “Nos EUA, o discurso tem uma maior relevância uma vez que estamos perante um país que é uma federação”, explica o especialista. Ou seja, o presidente é o chefe do Executivo.

“Em Portugal, há um Estado unitário, com uma distribuição de poderes um pouco mais difusa. O poder está no Parlamento”, refere Viriato Soromenho Marques. “A verdade é que estamos perante o primeiro Governo de base parlamentar” — a chamada geringonça entre PS, BE e PCP — e essa é a principal diferença, salienta.

O debate [sobre o Estado da União] tem uma maior dignidade nos EUA.

Viriato Soromenho Marques

Politólogo

Nos EUA, a análise ao Estado da União é uma prática desde 1934. E nem sempre foi feito um discurso, já que durante muito tempo os presidentes limitavam-se a enviar um relatório escrito para o Congresso. Com o surgimento da televisão e da rádio, passou a haver um discurso que é transmitido pelo país inteiro. Apesar de não estar determinada a frequência com que deve ser apresentado este relatório, por norma os presidentes fazem-no, na forma de um discurso, no início de cada ano.

Os temas também variam muito entre Portugal e os EUA, o que não surpreende considerando as realidades distintas dos dois países. No primeiro discurso sobre o Estado da União, Donald Trump defendeu afincadamente que acordos como o NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) diminuem os empregos disponíveis nos Estados Unidos e disse ser contra entidades como a NATO e a Organização Mundial do Comércio. O presidente dos EUA expressou ainda a vontade de pôr fim ao chamado Obamacare, a reforma do sistema de seguros de saúde dos EUA e que visa a cobertura subvencionada a milhões de norte-americanos.

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