Indústria têxtil em Londres para entrar nas cadeias de valor internacionais

  • Bernardo da Mata, em Londres
  • 24 Junho 2019

Uma comitiva de empresários e gestores portugueses, liderada por César Araújo, participou no encontro anual em Londres de uma associação internacional de vestuário para fins laborais. Com distinções.

Historicamente, um dos setores mais relevantes da indústria portuguesa é o dos têxteis e, particularmente, o do vestuário e confeção, num contexto de concorrência externa crescente. É neste quadro que o ECO acompanhou em exclusivo a visita e a participação de uma comitiva da Associação Nacional das Indústrias do Vestuário e Confeção (ANIVEC), composta por vários empresários e delegados da indústria, na Cimeira da Professional Clothing Industry Association Worldwide (PCIAW), que terminou no final da semana passada em Londres. Um ponto de encontro que, para o presidente da Anivec. César Araújo, é crítico “para os empresários portugueses do ramo poderem diversificar mercados, vender produtos e evidenciar as suas marcas no plano internacional”.

O ponto de encontro dos profissionais mais reconhecidos do globo no setor do vestuário e conffeções foi o mítico Montcalm Hotel no coração de Marble Arch, a cinco minutos de uma das mais frenéticas e luxuosas montras do mundo, Oxford Street. A cimeira fora inaugurada no dia 18 com o discurso de César Araújo, que acumula a presidência da ANIVEC com a de diretor da PCIAW.

Na sua primeira intervenção, César Araújo destacou a importância da PCIAW como organização internacional de cooperação no setor têxtil no segmento de roupa para fins laborais, funcionando como um elo entre o comprador e a cadeia de produção. Para o empresário – é fundador da têxtil Calvelex -, nem tudo é sobre lucro e negócio. Como assinalou no seu discurso, o consumidor está cada vez mais exigente em matérias de sustentabilidade e de responsabilidade social. Destacou mesmo que “com os novos desafios da indústria, vêm também oportunidades como economia circular, desenvolvimento material e novos modelos de negócio”.

Os diferentes painéis e oradores que se seguiram cobriram de forma abrangente as oportunidades e desafios que o setor enfrenta. Entre eles, destacaram-se a intervenção de Adam Mansell, CEO da UKFT (Associação Britânica de Moda e de Têxteis), que abordou os impactos do Brexit na indústria, sublinhando, no entanto, que a saída da União Europeia potenciará mais investimento interno. Isto perante uma plateia de delegações empresariais dos mais diferentes cantos do globo, destacando-se Estados Unidos da América, Reino Unido, Canadá, Índia, Israel, Rússia, França, Alemanha, entre outros.

Quais são as principais vantagens competitivas de Portugal no setor do vestuário e confeção a nível internacional? Convicto, César Araújo afirmou que “Portugal fez um trabalho brilhante nestes últimos anos, construindo uma indústria de referência a nível mundial. As nossas indústrias (têxteis e de vestuário) são do melhor que há no mundo, mas, mesmo assim, nós temos de dar um passo maior que é conquistar a cadeia de valor. E é isso que estamos precisamente neste momento a fazer”.

Portugal já não é um mercado dos baixos salários quando se compara com outros países, isso mesmo confidenciou ao ECO um membro da delegação indiana, que preferiu não se identificar. Já teve uma operação em Portugal, mas abandonou-a por causa dos custos de mão-de-obra e alegadas dificuldades em modernizar a produção. Perante este quadro, como se vende a um investidor estrangeiro a indústria têxtil nacional? O empresário português responde que “qualquer cliente nosso sabe que Portugal é um porto bom e seguro, isto é, tem estabilidade de entrega do produto. São também indústrias e trabalhadores de alta qualidade e, por isso mesmo, fiáveis no produto que desenvolvem, trazendo por consequência um valor enorme ao cliente. Mas Portugal tem de passar à fase seguinte que é estar presente nos grandes fóruns internacionais do setor e ter uma voz, para que possam passar essa mensagem de que o nosso país pode ir para outras áreas de negócios, como é o caso da roupa de trabalho”.

No segundo dia do encontro, a 19 de junho, a comitiva da ANIVEC foi recebida pelo embaixador de Portugal em Londres, Manuel Lobo Antunes, e pelo conselheiro económico e comercial da AICEP no Reino Unido, Rui Boavista Marques, na emblemática embaixada situada em Belgravia. A receção foi à porta fechada, para apresentaram os seus negócios e perspetivas naquele país. A comitiva seguiu, depois, para o Hotel Montcalm, onde decorreu a gala de atribuição de prémios do setor.

Qualquer cliente nosso sabe que Portugal é um porto bom e seguro, isto é, tem estabilidade de entrega do produto. São também indústrias e trabalhadores de alta qualidade e, por isso mesmo, fiáveis no produto que desenvolvem, trazendo por consequência um valor enorme ao cliente. Mas Portugal tem de passar à fase seguinte que é estar presente nos grandes fóruns internacionais do setor e ter uma voz, para que possam passar essa mensagem de que o nosso país pode ir para outras áreas de negócios, como é o caso da roupa de trabalho.

César Araújo, presidente da Anivec

Na receção que antecedeu a gala, o ECO questionou empresários e membros de outras entidades presentes nesta iniciativa diplomática e de negócios. Alexandre Freitas, consultor do Centro de Inteligência Têxtil (CENIT), destacou que o setor tem vindo a crescer ininterruptamente desde há uma década, estando bem classificado a nível europeu. “Portugal, sendo um país pequeno, é um país que recebe bem o mercado têxtil e de vestuário e confeções, permitindo rápidas entregas de produtos”, combatendo também o estigma de que o setor seja atávico e pouco competitivo. Para Alexandre Freitas, tal ideia não podia ser menos verdadeira: “Em Espanha, sim, regista-se uma diminuição do volume exportações do nosso setor, estando Portugal, entretanto, a aumentar significativamente para Itália”. Este consultor do CENIT falou ainda das preocupações crescentes com tópicos como a economia circular e, ainda, a transformação digital, notando, contudo, que ainda não existe uma estratégia necessariamente definida com essa finalidade.

Ainda assim, há empresas a dar passos relevantes, particularmente na transformação digital. Matilde Vasconcelos, fundadora e CEO da Trot & Trotinete, empresa sediada em Leça do Balio e focada no design e comercialização de uniformes profissionais e escolares com 25 anos de experiência, salientou a importância e o impacto no negócio da criação de uma plataforma online que permite não só a encomenda como a gestão do stock e ainda facilita, por exemplo, no caso dos uniformes escolares, que os pais possam proceder à compra direta dos mesmos sem quaisquer complicações nem intermediários. O segmento dos uniformes e roupa para fins laborais , em termos combinado na Europa, é de 80 mil milhões de euros, sendo que só no mercado americano a compra e venda de uniformes para fins laborais representa 250 mil milhões de dólares.

À noite, na gala de atribuição de prémios, que contou com a apresentação de Anton du Beke, conhecido apresentador britânico, houve uma estrela portuguesa. A empresa Axfilia, representada por Maria José Machado, recebeu a distinção de Melhor Empresa mais recente na Indústria deste ano.

Sobre o Professional Clothing Awards, César Araújo sintetiza: “Este evento faz três anos. Foi uma iniciativa nossa, da ANIVEC e da Calvelex. Eu sou diretor da PCIAW e tenho um cuidado especial em passar a mensagem aos nossos parceiros que Portugal é um país onde podem comprar com qualidade e com prazo de entrega e com preços competitivos. O facto de ser português e de ser industrial pelo setor também ajuda Portugal a estar sempre na primeira linha quando o tópico é produção”.

E o Brexit é uma preocupação para a indústria têxtil portuguesa? “Sim, o Brexit é uma chatice, perdoe-me a expressão. Não sabemos de que modo se vai proceder e em que termos vai acontecer. Isto cria uma instabilidade enorme nas empresas, porque ninguém consegue determinar quais serão as consequências. A que se soma, por exemplo, o problema cambial, criando instabilidade adicional, porque é um fator que pode pesar nas contas das empresas e que nada tem a ver com a atividade ou gestão desse empresário. Por isso, nós só podemos acompanhar os desenvolvimentos do Brexit com atenção e a calma necessária, por muito difícil que isso seja”, rematou.

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