Orçamento ignora estímulos fiscais à poupança e ao investimento

Alterações ao regime fiscal são identificados pelos representantes da bolsa, da CMVM e dos emitentes como chave para dinamizar o mercado de capitais, mas Portugal tem feito o contrário.

O Governo português arrancou com um plano para dinamizar o mercado de capitais e chamou a OCDE para a avaliar o que seria necessário. Tantos os técnicos da organização como os intervenientes nacionais apontaram várias medidas possíveis, mas há uma em que todos alinharam: impostos mais atrativos. No Orçamento do Estado para 2021, o Executivo promete avançar com a implementação de algumas medidas, mas deixa em aberto a possibilidade de mexidas no regime fiscal como pedem os vários players.

“A estratégia fiscal é quase omnipresente às várias vertentes do mercado”, diz a presidente da Euronext Lisbon, Isabel Ucha, sobre as recomendações da OCDE. “Por um lado, é preciso ter algumas medidas dirigidas às empresas no sentido de testar, por exemplo, um crédito fiscal relativamente às despesas que façam com obrigações de mercado. E o regime fiscal de investimento em organismos de investimento coletivo em mercado diretamente ou em instrumentos de pensões. Pelo menos nessas duas grandes vertentes — investidores e empresas — a estratégia fiscal é uma área importante que tem sido adotada noutros países“.

A líder da bolsa portuguesa aponta a implementação de medidas concretas, nomeadamente benefícios fiscais para planos de poupança em ações ou planos de poupança em fundos de investimento que invistam em ações, em países como França, Itália, Noruega ou no Reino Unido. “Comprova-se que estes regimes têm eficácia. Podemos não gostar de usar o instrumento fiscal, mas a estratégia fiscal ajuda a reduzir o risco do investimento e o custo. Os investidores são sensíveis a esses elementos, que são importantes”.

Por um lado, a adaptação do regime fiscal para planos de pensões, fundos de pensões ou outros instrumentos de investimento de longo prazo poderá incentivar as pessoas a investirem (e colmatarem a eventual falta de rendimentos na reforma) e os operadores privados a oferecerem mais este tipo de instrumentos. Por outro, o foco em ações nacionais pode ser incentivo para os emitentes. Mas para já, não há nada.

"Em 2021, o Governo, em coordenação com os demais intervenientes, nomeadamente supervisores, operadores do mercado e intermediários financeiros, irá promover a implementação de algumas das recomendações para a dinamização do mercado de capitais, nomeadamente de política regulatória.”

João Leão

Ministro das Finanças

“Em termos gerais, o OE 2021 não contém alterações fiscais com caráter particularmente inovador ou significado especialmente relevante, quer no que respeita à poupança, quer no que concerne o investimento e a criação de postos de trabalho”, considera Abel Sequeira Ferreira, diretor executivo da Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado (AEM).

O representante das cotadas destaca, pela positiva, as alterações ao IRC, que determinam a não aplicação do agravamento de 10% na tributação autónoma em caso de prejuízo fiscal, mas lembra que esta medida abrange apenas micro, pequenas e médias empresas. Pela negativa, aponta a “penalização das empresas de maior dimensão, excluídas da majoração das despesas com promoção externa e condicionadas no acesso aos benefícios fiscais e a linhas de crédito com garantia do Estado que passam a estar ligados à manutenção dos postos de trabalho”.

A AEM apresentou já ao Governo um conjunto vasto de propostas sobre enquadramento e procedimento fiscais, mas diz que nunca tiveram “expectativas irrealistas” quanto ao acolhimento dessas propostas já neste OE devido à necessidade de dar prioridade aos aspetos urgentes e de cariz mais social no combate à crise e à pandemia. As alterações poderão, ainda assim, ser feitas mais tarde até porque o grupo de trabalho para análise e concretização das recomendações da OCDE ainda será constituído, “nas próximas semanas”, como confirmou o Ministério das Finanças, remetendo comentários para essa altura.

No Orçamento do Estado para 2021, a referência feita ao relatório colocava o foco na regulação. “Em 2021, o Governo, em coordenação com os demais intervenientes, nomeadamente supervisores, operadores do mercado e intermediários financeiros, irá promover a implementação de algumas das recomendações para a dinamização do mercado de capitais, nomeadamente de política regulatória, que capacitem este mercado a dar uma resposta mais eficaz às necessidades de financiamento das empresas, impulsionando uma economia com empresas mais resilientes e sustentáveis no longo prazo, que invistam na investigação e no desenvolvimento de competências, com vista ao aumento da produtividade e empreendedorismo”, diz o documento entregue ao Parlamento na semana passada.

"É fundamental evitar que a retoma pós-Covid seja financiada sobretudo com dívida e abrir caminho para que os mercados desempenhem um papel decisivo na recapitalização das empresas e na alocação da poupança.”

Gabriela Figueiredo Dias

Presidente da CMVM

O regulador, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), não respondeu às questões do ECO sobre o assunto, mas a presidente Gabriela Figueiredo Dias já tinha dito publicamente quais as prioridades que identificou dentro da lista de recomendações.

A primeira é a “agilização e a modernização regulatórias com vista à eliminação de encargos desproporcionais”, incluindo a revisão do Código dos Valores Mobiliários que a CMVM apresentou ao Ministério das Finanças e que está à espera de resposta. Mas também as revisões do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, do Código das Sociedades Comerciais e de um conjunto de regulamentos da própria CMVM que se encontra em finalização.

A criação de uma plataforma que junte as diversas partes interessadas para a troca de informação sobre obstáculos e oportunidades no acesso ao mercado, possíveis medidas de ajustamento no plano fiscal como o tratamento equitativo entre divida e capital ou a concessão de incentivos à poupança e investimento de longo prazo, a criação de instrumentos adequados de financiamento coletivo para PME, bem como medidas de mitigação de falhas de mercado limitadoras da sua eficiência, como incentivos à produção de research e análise financeira, notações de risco de risco de crédito ou mecanismos que assegurem liquidez estão também na lista de Gabriela Figueiredo Dias.

“É fundamental evitar que a retoma pós-Covid seja financiada sobretudo com dívida e abrir caminho para que os mercados desempenhem um papel decisivo na recapitalização das empresas e na alocação da poupança, garantindo às famílias uma distribuição mais justa dos benefícios da retoma; e promovendo estruturas de financiamento mais equilibradas e eficientes às empresas”, acrescentou a presidente, no discurso na Conferência Anual da CMVM, a 8 de outubro.

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