BRANDS' ECO Acelerar a transformação digital na Europa. Qual é o papel da presidência de Portugal no Conselho Europeu?

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  • 17 Março 2021

No 2º de uma série de cinco webinars a propósito da presidência portuguesa do Conselho Europeu, promovidos pela Câmara do Comércio Americana em Portugal, o tema foi a transformação digital.

Na segunda sessão desde ciclo de webinars, organizado pela Câmara de Comércio Americana em Portugal (AmCham Portugal), em colaboração com a AmCham EU, no âmbito das comemorações do 70º aniversário da fundação da AmCham em Portugal em 1951, e coincidindo com a presidência de Portugal no Conselho Europeu, o enfoque voltou-se para a necessidade premente de criação de um quadro regulamentar digital e de inteligência artificial que permita à Europa ser competitiva, sem comprometer a segurança dos dados de seus governos, empresas e cidadãos.

Proporcionar uma aceleração digital não é apenas uma das principais prioridades da presidência de Portugal do Conselho da UE até junho, mas também uma pedra angular da política do governo português para modernizar a economia do país, tornando-o mais competitivo a nível global. Mas neste compromisso de acelerar a transformação digital europeia, que papel pode a presidência portuguesa desempenhar?

Ricardo Castanheira, Coordenador do Conselho Digital-Telecom, representação permanente de Portugal junto da União Europeia (UE), lembrou que em 2020 Portugal lançou o seu Plano Nacional de Ação Digital, que estabelece as ações que o país irá desenvolver para liderar a transição, sendo este um dos principais objetivos políticos de longo prazo para Portugal.

“A presidência tem uma agenda ambiciosa, com processos legislativos de enorme importância para tratar, nomeadamente o ‘Digital Services Package’, a primeira legislação abrangente e horizontal que pretende regulamentar as plataformas digitais modernas, e que será uma das principais prioridades da Presidência a ser negociada”, referiu no webinar.

Um dos pilares da presidência portuguesa centra-se no Digital Services Act, que a Comissão Europeia adotou pouco antes do final de 2020. A Comissão Europeia pretende criar uma abordagem europeia à Inteligência Artificial (IA), EPRS (European Parliamentary Research Service) e sobre e-Privacidade, sobre o respeito pela vida privada dos cidadãos e a proteção de dados pessoais nas comunicações eletrónicas. Estas são propostas que estão em cima da mesa desde 2017 e que a Presidência portuguesa espera levar a cabo até fim de junho.

“Não podemos esperar mais quatro ou cinco anos para concluir uma legislação tão importante”, referiu Castanheira. “Com o aumento de conteúdos ilegais, bem como de campanhas de desinformação, acreditamos que a Digital Services Act é uma oportunidade para definir uma abordagem europeia comum sobre a governação do espaço online, em linha com os nossos valores, bem como uma oportunidade para fortalecer o soft power da UE globalmente, apresentando a primeira regulamentação sobre plataformas online, que esperamos possa atuar como um modelo regulamentar internacional”, disse, apontando o exemplo do GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados).

A presidência portuguesa vai avançar com as negociações sobre a data governance act, por exemplo, que visa melhorar as condições de partilha de dados em toda a UE, e que é um primeiro passo essencial para a concretização de um mercado único tecnológico.

“Portugal acredita que a Europa deve ter como objetivo tornar-se um modelo para uma sociedade movida a dados, defendendo e melhorando o fluxo seguro de dados dentro da Europa. Estamos confiantes de que a informação baseada em dados trará enormes benefícios para os cidadãos através do seu potencial contributo para o negócio verde europeu”, afirmou Ricardo Castanheira.

Casper Klynge, vice-presidente para os Assuntos Governamentais Europeus da Microsoft, adiantou que a quarta presidência de Portugal na União Europeia chega num momento bastante decisivo, não só para a Europa, mas para todo o mundo. “É interessante que sempre que Portugal ocupou a presidência, aconteceu algo importante no plano das relações externas europeias, sendo o Tratado de Lisboa o exemplo mais óbvio”, afirmou.

Ao elogiar a presidência portuguesa e a Comissão Europeia pela liderança na digitalização e pela absoluta necessidade de tornar a Europa competitiva, Klynge sublinhou que isso tem de ser feito de forma sustentável. Uma coisa boa, e talvez a única a sair da Covid-19, e não tenho certeza se poderíamos ter dito isso com tanta confiança há 12 meses, é que estamos a sair desta crise com um foco duplo na digitalização e na sustentabilidade ao mesmo tempo”, referiu.

Casper afirmou que este foi um passo importante, que removeu o equívoco de uma contradição entre “tornar-se digital e verde” na mesma linha do tempo. Na verdade, o que muitas dessas novas tecnologias estão a demonstrar é que “não se pode tornar ecológico e sustentável sem usar a tecnologia digital mais recente”.

Maria da Graça Carvalho, eurodeputada no Parlamento Europeu, referiu existirem pontos de vista conflituosos em relação à “Autonomia Estratégica Aberta”. Mas que isso significa que a UE, tal como os EUA, são livres para traçar o seu próprio rumo nos assuntos mundiais, nomeadamente sobre o comércio mundial, alinhando os interesses e valores de cada bloco, mas que isso não significa que autonomia é autarquia ou isolacionismo.

Para lidar com desafios, a cooperação é fundamental e mais cooperação global é necessária para lidar com questões globais como as questões económicas e de saúde levantadas pela pandemia ou a crise climática. Isso requer a construção de alianças fortes. É desta forma que a UE aborda a atualização do “porquê” e do “o quê” da sua política comercial. E, claro, em tudo isso a relação transatlântica com os EUA é fundamental.

A tecnologia Clea e a tecnologia digital fazem parte da mesma transformação, afirmou Maria da Graça Carvalho, sublinhando que a presidência portuguesa está exatamente alinhada com este diálogo transatlântico com os EUA e o Presidente Biden.

Também outros diálogos, que foram esquecidos nos últimos anos, como com a Índia do ponto de vista da cooperação tecnológica e digital, devem ser destacados nesta presidência portuguesa com abertura. Isso foi particularmente pertinente durante a crise da Covid-19, onde a pandemia “nos obrigou a repensar algumas de nossas cadeias de abastecimento, tornando-se óbvio durante a crise recente que precisamos manter uma atitude aberta na pesquisa e na inovação mantendo uma economia aberta”, referiu a eurodeputada. “Precisamos de ter a certeza de que este conceito de autonomia estratégica não nos leva ao encerramento, pois o oposto é necessário e benéfico, como foi comprovado pela ciência com o rápido desenvolvimento das vacinas que se deveu precisamente à cooperação.”

Mas o que as indústrias e empresas de tecnologia podem fazer? Para Casper Klynge, a resposta curta é: muito. Klynge diz que não existe uma solução só do setor público para os desafios que a Covid-19 trouxe. Klynge enfatiza que a abordagem deve envolver todas as partes interessadas, público-privadas, e o setor privado também deve assumir alguma responsabilidade em tirar o mundo da situação pandémica, concentrando-se na recuperação e dando o exemplo e a responsabilidade para a ‘qualificação’.

A qualificação tem sido essencialmente domínio do setor público, mas o setor privado, incluindo a Microsoft, tem estado cada vez mais empenhado em colaborar no desenvolvimento de competências de que a Europa e o mundo precisam para hoje e para o futuro. Sem o Zoom e outras plataformas, e sem as novas tecnologias, a economia ter-se-ia contraído ainda mais e teríamos visto muito mais pessoas desempregadas. Sem tecnologia e IA de aprendizagem de máquina, bots, etc, teria levado muito mais tempo para os nossos serviços de saúde desenvolverem coisas que vimos serem feitas a uma velocidade recorde, permitindo lidar com os muitos casos de Covid em unidades de terapia intensiva.

"Se compararmos a Europa com os EUA ou com Singapura, os indicadores sugerem que a percentagem de pessoas que trabalham em start-ups, e o número de unicórnios, é cinco vezes maior do que na Europa. Precisamos de fechar essa lacuna porque estamos a competir numa escala global.”

Diogo Santos

Sócio da Deloitte Portugal

Queremos desenvolver a infraestrutura para milhares de empresas europeias e esperamos poder fazê-lo fornecendo a mais recente tecnologia de ponta, porque isso beneficiará a economia europeia.

Diogo Santos, sócio da Deloitte Portugal e líder das Operações de Transformação, diz que a digitalização está no centro da estratégia dos consultores há algum tempo e opinou que a digitalização da Comissão Europeia seria uma alavanca muito clara para ajudar a recuperar da pandemia. “Neste mundo globalizado, não são apenas as empresas que competem, mas também os países competem entre si. Temos de ser muito pragmáticos sobre isso para facilitar os negócios”, afirmou na sessão.

No ranking dos países mais competitivos do mundo elaborado pelo Banco Mundial, 50% dos 20 primeiros são países europeus, mas nenhum país europeu está entre os três primeiros. Diogo Santos afirmou que, para que a Europa se torne mais competitiva, o digital desempenha um papel muito importante na redução dos custos de instalação ou relocalização de empresas na Europa. “Este é um argumento muito forte para o investimento que estamos a fazer no digital”.

“Se compararmos a Europa com os EUA ou com Singapura, os indicadores sugerem que a percentagem de pessoas que trabalham em start-ups, e o número de unicórnios, é cinco vezes maior do que na Europa. Precisamos de fechar essa lacuna porque estamos a competir numa escala global”, referiu. Deve-se levar em consideração que na Europa existem pequenos países onde o mercado interno digital não é tão significativo. “A não digitalização torna muito mais difícil ser competitivo no exterior para a economia não digital, enquanto países como os EUA ou a China são capazes de ser mais competitivos devido à sua escala. Numa economia digital, o tamanho do mercado doméstico não é mais um fator, pois é muito mais fácil ser um player global no mercado mundial se a empresa for digital”, afirmou Diogo Santos.

“Portugal tem unicórnios muito recentes, como por exemplo a Farfetch ou a Outsystems, que são empresas que podem ser gigantes globais porque estão a trabalhar no mundo digital. Isto abre muitas oportunidades para países menores, podendo-se tornar mais competitivos. Tanto a UE quanto os EUA regulam a cooperação em IA e é reconhecido que ambos os lados precisam de desenvolver soluções confiáveis nesse sentido”. Diogo Santos acredita que qualquer tipo de regulamentação deve ser flexível, preparada para o futuro e favorável aos negócios, evitando encargos regulamentares excessivos e desnecessários que podem assustar os investidores, acrescentando que a IA é crítica para economias que pretendem ser realmente inovadoras.

Ricardo Castanheira enfatiza que é absolutamente necessário configurar um framework de IA confiável para impulsionar o desenvolvimento seguro de tecnologia de ponta para empresas e consumidores. “É fundamental fomentar um diálogo global sobre IA, para que possamos evitar a fragmentação que acaba por prejudicar as nossas economias”, afirmou, acrescentando que Portugal apoia plenamente que a UE se torne um motor global no domínio dos dados digitais.

“Juntos, não estamos apenas a construir uma estrutura regulatória sólida, mas também a exigir um alto grau de confiança entre as partes interessadas na partilha de dados”, justificou. Houve uma série de ataques cibernéticos de alto perfil nos últimos anos, e empresas como a Microsoft gastam literalmente milhões na criação e atualização de defesas contra essas ameaças externas. Casper Klynge diz que a Microsoft não concluiu totalmente a investigação das consequências do último grande ataque relacionado com a China, e isso prova o outro lado da moeda em termos da digitalização pela qual a Europa e a Microsoft estão a passar. “Empresas como a Microsoft e outras americanas, a Cisco é uma delas, que estamos na linha de frente, temos de ajudar a defender os nossos cidadãos e a infraestrutura administrativa”, referiu Klynge, que destaca que a Microsoft tem três mil pessoas a trabalhar 24 horas por dia, 7 dias por semana, apenas na defesa de seus sistemas, plataformas e tecnologias. “Acho que também aqui será necessária uma cooperação e colaboração muito mais estreita entre o setor privado e o setor público”, adiantou.

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