Governo “atento à subida de preços” da luz no Mibel, mas sem alarmismos

Madrid já avisou que os recordes no Mibel podem fazer disparar faturas da luz até 25%. Em Portugal, o Governo "está atento" mas descarta aumentos e fala em "medidas em benefício dos consumidores".

A alta de preços da eletricidade no mercado grossista ibérico (Mibel) está já a ter consequências económicas em Espanha e a atirar a taxa de inflação para os 3,3% em agosto, o valor mais elevado registado desde 2012. Com o preço por MWh a passar hoje os 130 euros, a ministra espanhola da Transição Ecológica, Teresa Ribera, foi ao Parlamento avisar que a fatura da eletricidade pode disparar 25% este ano: dos 512 euros em 2020 para 644 euros em 2021, em termos médios anuais.

Por cá, o Governo diz-se “atento à subida de preços”, mas parece estar mais descansado e confiante de que os oito recordes de preços no Mibel em agosto não terão grande impacto na conta da luz dos portugueses este ano, nem em 2022. Isto depois de em junho ter admitido que os preços grossistas que se têm verificado no Mibel causam “apreensão, atendendo ao quadro macroeconómico de recuperação pós-pandemia”. Mas já nessa altura prometia potenciais reduções nos preços da luz por via de novas políticas que estão a ser implementadas.

Agora, em resposta ao ECO/Capital Verde, fonte oficial do Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC) lembrou que, ao contrário do que se verifica em Espanha, “as tarifas de eletricidade do mercado regulado português não estão indexadas diretamente ao preço horário do Mibel”.

Ou seja, apesar do mercado grossista e dos preços serem os mesmos, o aumento de 25% nas faturas da luz que Madrid prevê não se verificará do lado de cá da fronteira. Isto porque só a 15 de outubro, quando a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos revelar a sua proposta tarifária para o próximo ano se ficará a saber o verdadeiro impacto dos máximos históricos no Mibel no preço regulado da eletricidade em Portugal.

Já no mercado livre, onde está a maioria dos consumidores portugueses, o Governo destaca que “os comercializadores com as maiores carteiras de clientes não preveem alterar os seus preços até ao final do ano, dada a sua política de atualizações anuais de preço”. Com 74% dos clientes em mercado livre, a EDP decidiu “manter inalterados os preços para os clientes domésticos ao longo de 2021”. A Galp diz que até agora não refletiu o custo da energia nas ofertas.

Ainda assim, e para travar o impacto do Mibel, o Governo garante que “implementou e está a trabalhar num conjunto de medidas em benefício dos consumidores de eletricidade”. Destas, o MAAC destaca:

  • A “efetiva consignação das receitas arrecadadas da CESE, do ISP e da taxa de adicionamento de CO2 para redução da dívida tarifária do sistema elétrico nacional;
  • A transferência das receitas provenientes da venda de licenças de emissão de CO2 nos leilões CELE (Comércio Europeu de Licenças de Emissão de CO2), que irão ter um aumento significativo face às previsões iniciais, o que permitirá reduzir o sobrecusto das renováveis e as tarifas de acesso às redes;
  • Os leilões solares fotovoltaicos;
  • A revogação do incentivo ao investimento (componente remanescente do incentivo de garantia de potência);
  • A reversão do valor apurado por atuação indevida no mercado de serviços de sistema;
  • Revisão em baixa dos limiares das tarifas garantidas aplicáveis aos centros eletroprodutores eólicos, o que gerará uma poupança para os consumidores até 372 milhões de euros;
  • A reversão total das mais-valias líquidas obtidas com a alienação de imóveis afetos à concessão da Rede Nacional de Distribuição em alta tensão e média tensão;
  • As receitas dos leilões de Garantias de Origem;

“O Governo está atento à subida de preços, mas também está ciente que este comportamento no mercado grossista ibérico (e não só) tem um duplo efeito em Portugal que não se verifica em Espanha, nem no resto da Europa, no preço final pago pelas empresas e famílias: agrava a componente de energia, mas também alivia a componente de acesso às redes a qual, relembra-se, representa cerca de 60% do preço final da eletricidade antes de impostos”, sublinha fonte do MAAC.

Na prática, os atuais preços estratosféricos do Mibel vão de facto agravar a tarifa de Energia mas, por outro lado, o facto de Portugal ter muita produção de eletricidade “verde” e o sobrecusto pago pela Produção em Regime Especial (renováveis) acabam por ter um “efeito amortecedor” nas tarifas de acesso às redes e, por consequência, na tarifa final apurada pelo regulador.

"O Governo está atento à subida de preços, mas também está ciente que este comportamento no mercado grossista ibérico (e não só) tem um duplo efeito em Portugal que não se verifica em Espanha, nem no resto da Europa, no preço final pago pelas empresas e famílias.”

Ministério do Ambiente e da Ação Climática

“O efeito global no custo da energia elétrica só será quantificável aquando da definição, pela ERSE, das tarifas e preços para a energia elétrica em 2022, no final deste ano”, reforça o MAAC.

Em 2022, diz o Governo, as tarifas de acesso às redes irão ainda beneficiar da entrada em exploração das centrais solares resultantes do leilão de 2019 e lembra a entrada em vigor, a 1 de dezembro de 2020, da descida da taxa de IVA de 23% para 13% na componente do consumo. “Esta medida fiscal é permanente ao contrário das medidas implementadas em Espanha que são de natureza temporária (aplicáveis somente até ao final do ano) e em função do preço da eletricidade verificado no Mibel”, reforça fonte oficial do MAAC.

Em junho o Conselho de Ministros espanhol aprovou até ao fim de 2021 uma redução do IVA da luz para 10% para todos os consumidores com uma potência contratada de até 10 quilowatts (kW), desde que o preço médio mensal do mercado grossista seja superior a 45 euros/MWh.

Além das famílias, o Governo diz estar também a preparar um pacote de medidas para reduzir os custos da fatura de eletricidade dos consumidores industriais: um mecanismo de compensação dos custos indiretos de CO2; o estatuto dos consumidores eletrointensivos, que dará um tratamento específico e diferenciado no regime do autoconsumo; e o desenho de um produto específico, no seio do mercado de serviços de sistema, que abrange este tipo de consumidores.

Quanto ao facto de cada vez mais empresas estarem a apostar em contratos de longo prazo para se protegerem dos preços do Mibel, o Governo diz que “esta estratégia de atuação é expectável, considerando que estes consumidores, ao contrário dos domésticos, têm algum poder negocial junto dos comercializadores, o que lhes permite mitigar os efeitos decorrentes da normal volatilidade no mercado grossista através da contratação de instrumentos de cobertura de risco de preço da eletricidade que consomem”.

Tanto em Portugal como em Espanha, os governos descartam uma intervenção pública na fixação de preços máximos ou mínimos de qualquer tipo de energia no mercado. Em Madrid, Ribera disse mesmo que existe “uma proibição expressa” nas leis da União Europeia para fixar os preços nos mercados grossistas. Ainda assim, assegurou que Madrid dará “luta política” em Bruxelas para ter mecanismos que permitam baixar a fatura da luz aos consumidores, mesmo às custas dos lucros das empresas.

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