Segundo orçamento chumbado desde o 25 de Abril, mas o primeiro a acabar em eleições

  • Lusa
  • 27 Outubro 2021

O primeiro chumbo de um orçamento no Portugal democrático ocorreu em 1978, quando Portugal estava sob resgate do FMI. O motivo da rejeição no parlamento foi o corte do subsídio de Natal.

Foi a segunda vez que um Orçamento de Estado chumbou no parlamento em 47 anos de democracia, mas a primeira em que a rejeição dará, como já antecipou o Presidente da República, origem à dissolução da Assembleia da República.

Desde o 25 de Abril de 1974, os presidentes da República usaram várias vezes o seu máximo poder – que ficou conhecido como “bomba atómica” – para dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas, mas nunca o motivo foi a rejeição do Orçamento de Estado.

O primeiro e único chumbo de um orçamento no Portugal democrático ocorreu em 1978, quando Portugal estava sob resgate do Fundo Monetário Internacional e a cumprir um programa de austeridade, situação que se viria a repetir em 1983 e 2011. E o motivo da rejeição no parlamento foi o corte do subsídio de Natal.

O primeiro-ministro era o social-democrata Carlos Mota Pinto, que liderava um Governo de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes, e o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças era Manuel Jacinto Nunes, a quem coube a tarefa de elaborar o Orçamento do Estado para 1979.

Em entrevista à agência Lusa, em 2011, numa altura em que Portugal voltou a negociar um programa de austeridade com a troika, Jacinto Nunes disse que o executivo teve então grande liberdade para escolher o caminho para pôr na ordem as finanças públicas.

“Foi feito de forma bastante independente do FMI, mas nós tínhamos a consciência de que tínhamos de fazer um orçamento bastante restritivo. Tínhamos um enquadramento geral feito pelo FMI, mas não tivemos contactos com o Fundo para receber quaisquer sugestões. Mas as medidas de restrição que o orçamento envolvia foram fundamentalmente da nossa iniciativa”, afirmou.

Jacinto Nunes recordou que “havia bastante contestação”, tanto “na rua como na política”. “Era um Governo sem apoio partidário, nenhum partido nos apoiava diretamente”, sublinhou, lembrando-se de estar nos Passos Perdidos da Assembleia da República a tentar convencer Francisco Sá Carneiro, então líder do PSD, a levar o partido aprovar o orçamento.

Após o chumbo do orçamento ainda pensou em demitir-se, mas receou que tal passasse a mensagem de que tinha ambições políticas. Como não era o caso, foi fazer um segundo orçamento, que o parlamento aprovou com alterações, agora sem os cortes no subsídio de Natal e com outras mudanças. O Governo demitiu-se a seguir.

O OE de então propunha, entre outras medidas, uma descida dos salários reais, ou seja, aumentos abaixo dos cerca de 25% de inflação que o Governo previa para 1979, bem como, e esta era a medida mais polémica, o pagamento de metade dos subsídios de Natal em títulos de dívida pública. E tal foi a controvérsia que o parlamento chumbou o OE.

Apesar de ser a primeira vez que o chumbo de um orçamento dá origem à dissolução da Assembleia da República e a eleições, não é a primeira vez que a rejeição de um documento económico provoca legislativas antecipadas.

O PEC IV, o Programa de Estabilidade e Crescimento que o governo então liderado por José Sócrates deveria apresentar à Comissão Europeia já com medidas de austeridade para enfrentar a crise económica e assim garantir mais apoios financeiros, foi rejeitado no parlamento através da aprovação de cinco resoluções – PSD, CDS-PP, BE, PCP e PEV – expressamente com essa finalidade.

A Assembleia da República rejeita o PEC (2011-2014), apresentado pelo Governo, porque este contribui para empobrecer quem trabalha, quem está desempregado e quem está reformado, porque não responde às prioridades nacionais na consolidação orçamental nem protege as políticas sociais para os mais desfavorecidos, e ainda porque desiste da criação de estímulos anti-recessivos e da prioridade da criação de emprego”, referia o projeto do BE.

Sócrates, que já havia assegurado que nunca iria para uma cimeira europeia sem se poder “comprometer com um programa de medidas de médio prazo”, demitiu-se logo após o chumbo, levando o então Presidente Cavaco Silva a dissolver a AR e convocar legislativas antecipadas, que viriam a ser ganhas pela aliança PSD/CDS-PP de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas formada expressamente para concorrer a esse sufrágio (Portugal à Frente – PAF). Meses depois era aprovado o programa de resgate com o FMI, União Europeia e Banco Central Europeu.

Mas se a história nunca se repete da mesma maneira, volta a ser a questão económica a estar na origem do uso da “bomba atómica” e das eleições antecipadas. Apesar de alguns avanços nas negociações com o PCP e da rotura previsível com o BE, comunistas e bloquistas anunciaram o voto contra a proposta orçamental para 2022.

Numa altura em que Portugal inicia a distribuição das dezenas de milhões de euros da denominada “bazuca” do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), o primeiro-ministro, António Costa, manteve-se em funções, mas o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa já anunciou que será rápido na dissolução para tentar ultrapassar a crise política o mais depressa possível.

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