DMA, as dúvidas sobre a regulação digital europeia e o risco de litigância
O Digital Markets Act arranca no início de 2024. Contudo, há muitas dúvidas sobre o diploma. A conferência promovida pela Morais Leitão aponta criticas e caminhos.
Vem aí o Digital Markets Act (DMA), o pacote de regulação do espaço digital na União Europeia, já a partir de 1 de janeiro de 2024, mas são muitas as dívidas sobre as definições do diploma e ainda mais os alertas para o risco de litigância no espaço comunitário. Estas conclusões resultam da conferência “E agora? O que muda com os novos regulamentos europeus para o digital?”, organizado pela sociedade de advogados Morais Leitão.
Pedro Tavares, sócio da Deloitte, salientou que os critérios definidos pelo documento europeu podem não deixar claro quais as empresas visadas pelas novas normas. O comentário referiu-se aos critérios que definem uma empresa enquanto “gatekeeper”, segundo o DMA, e surgiu no âmbito
Conforme explica, Alexandre de Streel, presidente do Observatório da UE sobre Economia de Plataformas Online, a regulação europeia vai aplicar-se a empresas que encaixem na definição de “gatekeeper”. Isto é, empresas cujo negócio pertença à lista de “core platform services”, como redes sociais, app stores, motores de busca, cloud, entre outros. Além deste requerimento, as empresas em questão devem cumprir com três critérios:
- Ser empresas de grande impacto (com base no volume de negócios e número de utilizadores;
- Têm de funcionar enquanto porta de entrada a um tipo de serviço, por falta de alternativas;
- Têm de representar um negócio robusto e fidedigno;
Pedro Tavares destacou que em função da falta de clareza quanto à definição de um “core platform service”, há empresas que poderiam ser consideradas “gatekeepers”, em função do seu volume de negócios por exemplo, mas não o irão ser visto não haver um consenso quanto à natureza do seu negócio, o que poderá resultar em litigância.
O sócio da Deloitte não é, contudo, o único a criticar o pacote europeu. Também Alexandre de Streel admite que a implementação do DMA será difícil em função de uma assimetria na informação disponível, e das evoluções de mercado e tecnologias rápidas e imprevisíveis. A dificultar ainda mais a tarefa estará também a necessidade de as empresas cumprirem com o estipulado no documento, bem como a necessidade de haver equipas dedicada ao acompanhamento da regulação.
Já Philip Malloch, diretor de política económica e social da Meta, vai mais longe, e considera que a DMA dá ao órgão regulador uma “uma margem enorme para interpretar e implementar, e colocar em cima da mesa, as soluções que julga adequadas”, o que irá representar um desafio para as partes envolvidas.
Para o diretor da Meta, o DMA não deixa claro quais as obrigações da Comissão Europeia para com as empresas, e explica que embora possa haver um determinado número de empresas consideradas “gatekeepers”, existem milhares de empresas a acompanhar o setor, e interessadas nos efeitos deste pacote europeu.
Porém, o diretor sublinha que o DMA assume determinados fatores sobre uma empresa, e não tem em consideração a situação individual de cada interveniente. “[Para o DMA] não há necessidade de avaliar com base em situações individuais específicas, ‘apenas sabemos que estas empresas são problemáticas’”, aponta Malloch, sublinhando ainda que 2024 é também o ano em que a liderança da Comissão Europeia irá mudar.
Por outro lado, Robin Noble, sócio da consultora Oxera, considera que a regulação europeia pode criar uma maior confusão entre os “gatekeepers”, em termos do que pode acontecer com as aquisições. “É quase certo que vai desacelerar as coisas. Não chega a sugerir que as empresas terão de fazer fusões para tudo, mas um “gatekeeper” com aversão ao risco pode comportar-se dessa forma”. Neste sentido, o sócio da Oxera considera que a DMA trará consigo uma grande incógnita quanto à possibilidade de a regulação prejudicar os incentivos ao investimento.
Noble esclarece que o crescimento económico resulta da melhoria da produtividade, que por sua vez resulta da inovação, inovação esta que tem origem na investigação e desenvolvimento (R&D – sigla inglesa). Seguindo esta linha de pensamento, Noble conclui que prejudicar a investigação e desenvolvimento, irá necessariamente acartar consigo um risco não só para as empresas, mas também para a sociedade.
Nuno Igreja Matos, associado principal da Morais e Leitão, remata mesmo que a regulação europeia prevê a identificação de conteúdos ilegais, mas não os define no seu sentido lato, indo inclusive além do critério criminal.
“Não há critério do que deve nortear a identificação de um conteúdo ilegal, é o literal? é a intenção da pessoa?”, criticou Nuno Igreja Matos, apontando ainda se será o risco de gerar violência, o critério a ser utilizado. Além destes fatores, a regulação recorre ainda a “conceitos instáveis” como o ódio, dando azo a diferentes interpretações pelos intervenientes, acusa o associado da Morais e Leitão.
Para o presidente da Associação da Economia Digital (ACEPI), Alexandre Nilo Fonseca, as novas diretivas europeias representam um “desafio importante para o reforço da confiança e proteção dos consumidores”, com desafios adicionais para as pequenas e médias empresas (PME) que queiram, por exemplo, vender online.
Neste sentido, o presidente deixou um conjunto de recomendações em como o DSA não deve criar obstáculos às empresas europeias e portuguesas, nomeadamente para as PME e marketplaces. De igual modo, Nilo Fonseca também recomendou a assegurar o acompanhamento da elevada produção regulatória na UE, e o maior envolvimento entre Portugal e a UE durante o desenvolvimento das diretivas.
Já Isabella de Michelis, fundadora e CEO da ErnieApp, destaca a capacidade inventiva da Comissão Europeia em encontrar um “equilíbrio” com a elaboração da DSA. Para a CEO, qualquer um pode aceder ao mercado, mas “o que não estava previsto ser tão disruptivo, são as práticas predatórias de muitas empresas sobre a forma como continuam a acumular dados, e a sua velocidade”. Isto é, a CEO explica que a CE procurou maneiras de limitar a “capacidade ilimitada” das empresas em recolher e processar dados.
Neste mesmo sentido, Isabella de Michelis defende mesmo que o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR – sigla inglesa) gerou uma maior disrupção no mercado. Isto deve-se porque o GDPR alterou a forma como o negócio das empresas tecnológicas é contabilizado, deixando de ser considerado o país de origem das empresas em causa, mas sim a localização dos seus utilizadores.
A CEO considera que esta alteração colocou um maior poder de organização nas mãos dos utilizadores, que podem agora determinar o valor dos dados, por si disponibilizados, online. Neste sentido, Isabella de Michelis conclui que o GDPR foi, para todos os efeitos, o embrião do DSA.
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