New Money: Como o setor financeiro está a mudar
Na 2ª edição do New Money, os dois grandes temas foram as finanças 5.0 e as fintech. Os oradores do evento explicaram como a indústria financeira se está a adaptar à mudança, as vantagens e desafios.
A 2ª edição da conferência New Money, que se realizou no sociedade Morais Leitão, recebeu especialistas de diversas áreas dos sistemas de pagamentos, tecnologia e serviços com o objetivo de discutir as principais mudanças a acontecer no setor e entender de que forma podem ser aproveitadas para melhorar a dinâmica da indústria financeira. “Finanças 5.0 – O que muda no costumer journey?” e “Fintech: Old News?” foram os motes dos dois painéis da conferência, ambos moderados por André Veríssimo, redator principal do ECO.
Na abertura do evento, António Costa, diretor do ECO, referiu-se aos motes da conferência como “duas dimensões críticas de transformação do setor financeiro”. Por sua vez, Filipe Lowndes Marques, partner da Morais Leitão, que também interviu na abertura, realçou a importância de trazer estes temas para debate, já que “as transações financeiras estão em constante evolução”.
No primeiro debate – Finanças 5.0: O que muda no costumer journey? -, que teve como convidados Carlos Braziel David, COO Universo Sonae; David Brito, Country Manager da Ebury, e Sebastião de Lancastre, CEO e Founder da Easypay, abordou-se, sobretudo, a tendência da digitalização do setor. Já no segundo – “Fintech: Old News?”, os convidados Maria Antónia Saldanha, Country Manager da Mastercard Portugal; Vera Esteves Cardoso, da Morais Leitão, e Luís Teodoro, administrador da SoftFinança, abordaram a evolução do sistema bancário português.
“Tudo o que pode ser digitalizado, nós acreditamos que será digitalizado. E também acreditamos que a experiência que hoje temos de pagamentos físicos, numa loja, vai convergir muito para a experiência no online. A maneira como pagamos hoje no online vai, no fundo, substituir a experiência do físico“, começou por dizer Carlos Braziel David.
A mesma opinião foi partilhada por David Brito, que destacou ainda o desejo do próprio cliente em conseguir realizar processos à distância: “A jornada que um cliente deseja são processos muito digitalizados, feitos à distância. Acho que é comum a todas as pessoas, tanto para o consumidor como para uma empresa”.
Neste sentido, Sebastião de Lencastre apontou, ainda, outras tendências que ajudam a automatizar processos, tais como o openbanking, o “buy now, pay later”, as digital wallets, o real time e os invisible payments. Neste último, o CEO da EasyPay explicou que se tratava de o cliente dar autorização, no MBWay, para que determinada conta possa debitar valor da sua conta sem que tenha de dar autorização para isso de cada vez que acontece uma transferência de valor. “Isto é muito importante em pequenos comerciantes, que têm serviços frequentes ou de subscrição e que querem, no fundo, ganhar a confiança do seu cliente e poder entregar a mercearia sem estar a chatear com a transferência do dinheiro“, acrescentou.
A importância da Inteligência Artificial no setor financeiro
Quando questionados sobre de que forma a Inteligência Artificial poderia ajudar a melhorar o negócio, a resposta de todos os convidados do primeiro painel foi unânime, já que todos concordaram que a aposta em Big Data é um aliado na melhoria de prestação de serviços, que conseguem ser mais personalizados para cada cliente com a análise dos dados de cada um.
“O Universo nasceu, logo de raiz, na cloud. Ou seja, nós não tivemos legacy nem tudo o que um banco mais tradicional teria. Então, tendo nós a capacidade de processar, mas não tendo balcões, como chegamos às pessoas? Com base nos dados que vamos ter e que usamos para analisar com a Inteligência Artificial o que é que cada pessoa pode precisar“, esclareceu o COO do Universo Sonae.
Tal como o Universo, a Ebury também nasceu na cloud e, nesse sentido, David Brito explicou que isso lhes deu uma capacidade de adaptação muito grande: “Um exemplo: os clientes que interessam à Ebury são os que têm moeda estrangeira. Mas Portugal tem milhares de empresas. Como é que eu sei quais são os clientes que têm moeda estrangeira? Faz-se utilização de Big Data, de Inteligência Artificial, para conseguir perceber tendências e setores. Cada informação que adquirimos na Ebury vai servir para melhorar o modelo, vai servir para que a máquina de inteligência artificial que está por trás ajude o comercial que vai fazer a chamada para que seja mais certeira e mais eficiente”.
Por sua vez, Sebastião de Lencastre alertou para o facto de que a Inteligência Artificial só funciona com dados e, no entanto, estes ficam muitas vezes perdidos. E deu um exemplo em que isso acontece: “Por exemplo, quando uma transferência vem do Brasil para Portugal, metade da informação ficou pelo caminho e eu não faço ideia quem é o ordenante”.
Ainda no âmbito da Inteligência Artificial, o ChatGPT também foi abordado como sendo o resultado de uma mudança processual muito complexa. “Neste momento temos a tecnologia a substituir a intervenção humana. É, pela primeira vez, um modelo a aprender com o Homem para substituir o Homem. Portanto, nós fomos assistindo as revoluções tecnológicas ou industriais e usamos a tecnologia e a computação para fazer um tratamento muito massificado num curto espaço de tempo, coisa que não deixaria de ser possível de fazer pela capacidade humana, mas que implicaria muito mais esforço, mais tempo e com mais imperfeição”, afirmou Luís Teodoro, administrador da SoftFinança.
As criptomoedas, o Euro Digital e a regulação
Se, por um lado, há ainda uma dificuldade de facilitação de processos devido ao legacy, por outro há uma evolução constante no mundo que obriga a que se criem condições para a receber. Exemplo disso são as moedas digitais, como as criptomoedas e, também, a possibilidade (que está em cima da mesa) do Euro Digital.
“Começam a surgir uma série de iniciativas de criptomoedas. Eu não acredito que, em termos de pagamentos, algumas das moedas mais populares, como as bitcoin, vão ser uma solução para pagamento. Mas as CBDCs, as moedas centrais dos bancos centrais, como o Euro Digital, eu acho que aí, sim, poderá vir a ser uma solução”, referiu Carlos Braziel David.
Já David Brito acredita que, tendo em conta que o estudo sobre o Euro Digital termina em outubro deste ano, a probabilidade é que “primeiro seja lançado para o grande consumo”. “Na parte empresas alguma coisa acontecerá, mas acho que ainda vai demorar”, disse.
E como funciona a regulação? De acordo com Vera Esteves Cardoso, da Morais Leitão, o MiCA – Markets in Crypto-Assets Regulation – que, em princípio, entrará em vigor em 2024, terá um impacto muito grande em Portugal. “O MiCA visa desfragmentar a relação que é aplicada aos criptoativos e visa conferir novas proteções, tanto aos consumidores como ao mercado financeiro em si. E, para Portugal, terá um impacto muito grande, uma vez que a regulação que nós temos com o mercado dos criptoativos existe, unicamente, com supervisão de branqueamento de capitais”, começou por dizer.
- Mas como funciona o MiCA?
“O MiCA divide a sua aplicação em três blocos de ativos virtuais, que são os ART – Asset-Referenced Tokens, os EMT – Electronic Money Tokens, e depois os outros, que são aqueles que caem dentro da definição do MiCA”, explicou Vera Esteves Cardoso.”
O MiCA não se aplica a instrumentos financeiros porque não pretende regular ativos que já estejam sujeitos a outra regulamentação europeia. Os DAOs e as DeFis também estão excluídos da lei de aplicação da MiCA desde que garantam que são, efetivamente, descentralizados. E também não será aplicada ao BCE ou outros bancos centrais que emitem ativos“, continuou.
Fazendo a ponte entre o MiCA e as CBDCs, Vera Esteves Cardoso considera que, “tanto uma como a outra tem aqui uma grande oportunidade para os incumbentes, uma vez que pressupõem que os incumbentes vão ficar com bastantes responsabilidades ao nível da distribuição do Euro Digital”.
A emissão do Euro Digital ficará à responsabilidade dos bancos centrais, mas as entidades e os intermediários é que são responsáveis por toda a gestão da relação com os clientes. “Para além da gestão com os clientes, têm de tratar de tudo o que seja a abertura, gestão e manutenção das wallets ou contas. Ainda está a ser averiguado se será em tecnologia DLT, portanto, mais aproximada dos criptoativos, ou se será numa espécie de database que também seja centralizada”, concluiu.
A desmaterialização dos pagamentos e o contactless
Ainda no âmbito da evolução, a desmaterialização dos pagamentos é algo que já tem vindo a acontecer e que, segundo Luís Teodoro, administrador da SoftFinança, foi acelerada durante o período de Covid. “No entanto, houve aqui um conjunto de paradigmas que o mercado tinha, como os terminais que não estavam preparados para aceitar o contactless, e foi preciso chegarmos a esta situação para forçar a indústria a tornar o contactless mais massificado“, disse.
Neste âmbito, Maria Antónia Saldanha, Country Manager da Mastercard Portugal, realçou a importância de se continuar a aderir a criar condições para que muito mais entidades entrem no ecossistema e ofereçam serviços e participem. A responsável da Mastercard Portugal deu, ainda, o exemplo dos transportes públicos, um dos casos em que ainda não é possível haver a desmaterialização dos pagamentos: “O tema de comprar bilhete para andar num transporte público continua a ser uma tragédia. É importante aproveitarmos este momento para que se torne uma tecnologia standard, que se alarga para todos os segmentos e setores, garantindo que há vários players a fazer a oferta“.
Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal, a quem ficou encarregue o encerramento da sessão, trouxe ainda números que corroboram com toda esta tendência de desmaterialização e aumento do uso de contactless. “Em 2022, face a 2021, houve um aumento de quase 21% em termos de quantidade de transações eletrónicas e de 16,2% em termos de quantidade, com predominância às operações em cartão”, referiu. Nestas operações em cartão estão incluídos todos os pagamentos feitos com MBWay.
Já o contactless foi usado, em 2022, em 49% do número total de pagamentos com o cartão. E, antes do período de pandemia, representava menos de 10%. Este aumento também se traduz nos resultados que do estudo Space, realizado pelo Banco Central Europeu, em 2022, que demonstra que a utilização de numerário, em Portugal, tem vindo a diminuir. “Atualmente está presente em cerca de 64% dos pagamentos, mas dois anos antes o mesmo estudo apontava para 81%, ou seja, em dois anos o numerário como instrumento de pagamento do retalho diminuiu 17% e esta tendência deverá acentuar-se nos próximos tempos”, concluiu o administrador do Banco de Portugal.
Pode rever a conferência aqui.
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