Aumento dos preços afetou a reputação dos supermercados? Como recuperar?
"É natural que haja um reforço das insígnias em desenvolver campanhas promocionais em torno das categorias de produtos que integram o cabaz alvo de redução de IVA", refere a APED.
Com a escalada dos preços, foi-se instalando na opinião pública a ideia de que a distribuição estará a beneficiar com a inflação, ideia assumida, e negada, pelo setor. Agora, com a redução do IVA para zero em 44 produtos essenciais, a dúvida continua a ser se as grandes insígnias vão ou não refletir essa descida no preço final dos produtos.
O certo é que, na segunda semana de março, com a ASAE a dizer ter identificado margens de lucro de 50% nos supermercado e com Costa Silva, ministro da economia, a apontar uma “divergência muito grande em alguns produtos entre os preços de aquisição e de venda ao público, a margem bruta”, a desconfiança em relação às empresas de distribuição e aos seus lucros parece ter aumentado.
A resposta por parte do setor não tardou, com a APED (Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição) a garantir que as empresas do setor não estavam a aumentar as margens de negócio no atual contexto de inflação. A APED referiu inclusive que o setor se “reinventou” de modo a evitar que os consumidores sofressem mais impactos com o aumento dos preços.
A ideia de que a distribuição está a ganhar com o aumento dos preços têm vindo a ser “repudiada” ao longo de “praticamente um mês, a partir do momento em que se procurou criar na opinião pública a ideia injusta e desenquadrada que a distribuição estaria a beneficiar com a situação de aumento dos preços”, afirma Gonçalo Lobo Xavier, diretor geral da APED, ao +M.
Ao invés de “lançar suspeições”, a APED defende que apresentou dados concretos, que demonstravam que os preços não subiram por vontade da distribuição e que ninguém está a ganhar com esse aumento. “Pelo contrário, todos os elos da cadeia de abastecimento, desde a produção agrícola, passando pela indústria até chegar à distribuição se debatem com o aumento generalizado dos custos dos fatores de produção, havendo um esforço da distribuição, enquanto elo final desta cadeia, em não transmitir a totalidade do acréscimo de custo recebido ao consumidor final”, diz.
As medidas tomadas pelo Governo, de forma a apoiar não só o consumidor mas também os vários elos da cadeia de abastecimento, demonstra compreensão de que “só apoiando todos as fases da cadeia será possível mitigar e controlar custos e, assim, apresentar ao consumidor final produtos a um preço mais competitivo”, afirma Gonçalo Lobo Xavier, acrescentando que o pacto assinado entre o Governo, APED e CAP “demonstra precisamente que o Governo tentou corrigir o erro de atribuir à distribuição a responsabilidade pelos aumentos“.
“É natural que haja um reforço das insígnias em desenvolver campanhas promocionais em torno das categorias de produtos que integram o cabaz alvo de redução de IVA”
Quanto à redução do IVA para 0% em alguns produtos alimentares – medida que deverá proporcionar uma poupança de 12 euros num cabaz de 200 euros – a APED considera ser uma “boa notícia” para os consumidores e para toda a cadeia de abastecimento.
“É um compromisso que vai mais além do que a simples descida do IVA para zero num cabaz de 44 categorias de produtos alimentares. É, antes, um passo importante dado pelo Governo para avançar com apoios à produção agrícola, que há muito pedia para fazer ao agravamento dos custos dos fatores de produção. Para o consumidor é também uma notícia positiva, na medida em que os efeitos positivos que se possam sentir desde a produção até chegar aos espaços de retalho alimentar irão, com certeza, permitir que os consumidores encontrem os melhores produtos aos preços mais competitivos”, explica Gonçalo Lobo Xavier.
Mas, como passar essa ideia para o consumidor? Vão as insígnias reforçar, ou alterar, a sua linha de comunicação nesse sentido?
O +M contactou as principais cadeias de distribuição sobre este tema. O Minipreço afirmou que optava por não responder. A Auchan não respondeu até ao momento.
O Continente remeteu a sua posição para a APED. Em fevereiro, recorde-se, a empresa do grupo Sonae lançou uma nova campanha. “Quando caminhamos lado a lado, ninguém fica para trás”, pretende mostrar “o compromisso da marca em continuar ao lado das famílias, apresentando sempre preços baixos, promoções, cupões, a maior variedade de produtos, os melhores frescos e tudo o que os portugueses estão habituados”, disse no início de março fonte do Continente ao +M.
“Apesar dos tempos desafiantes, o Continente tem vindo a adaptar-se às novas circunstâncias, colocando sempre o cliente no centro das suas prioridades e sendo, simultaneamente, proativo na procura de oportunidades em prol do consumidor, não esquecendo o impacto social da sua atividade”, acrescentava.
Por seu lado, o Intermarché diz que tem vindo a desenvolver “vários mecanismos em prol da defesa do poder de compra dos consumidores”, exemplificando com a marca própria PorSi, a qual se posiciona como a “marca de distribuidor mais barata do mercado”, disponibilizando 3.600 referências. “Desde o início que o Intermarché trabalha diariamente para manter a promessa da marca PorSi, que é fazer chegar aos consumidores produtos de qualidade aos preços mais baixos de mercado, para que o fator preço não seja um obstáculo e que todos os clientes tenham acesso a qualquer segmento de produto”, afirmou a marca de supermercados ao +M.
Recentemente a insígnia do grupo Os Mosqueteiros apresentou uma nova assinatura: “Por si, viver bem ao melhor preço”. Esta nova assinatura “é o ponto de partida para uma estratégia que agrega aderentes, os colaboradores e clientes na oferta de produtos de qualidade aos preços mais baixos de forma a proteger o poder de compra dos consumidores”, explicou então Ernesto Cunha, membro do conselho de administração do Intermarché.
O Lidl, também optou por não responder às questões do +M, dizendo antes que trabalha em Portugal há 28 anos, período ao longo dos qual se manteve “fiel” à “premissa de estar ao lado dos portugueses, apostando sempre numa comunicação transparente com o consumidor”. Em relação ao actual contexto económico o Lidl está alinhado com o posicionamento da APED, acrescenta.
Contactado, o Pingo Doce remeteu para uma conferência de imprensa relacionada com os resultados anuais da Jerónimo Martins. Nos destaques evidenciados no site da empresa, Ana Luísa Virgínia (CFO do Grupo Jerónimo Martins) afirma que “não existem lucros excedentários, excessivos ou especulativos” e Isabel Pinto (CEO do Pingo Doce) garante que os supermercados da marca vão “repercutir integralmente a diminuição do IVA no preço dos produtos.” Quanto à comunicação a ser desenvolvida, foi referido ao +M que ainda era prematuro adiantar pormenores.
O diretor geral da APED avança, por seu turno, que tendo em conta que o retalho alimentar é uma área de elevada competitividade na conquista de clientes através da disponibilização de produtos ao preço mais baixo, “é natural que haja um reforço das insígnias em desenvolver campanhas promocionais em torno das categorias de produtos que integram o cabaz alvo de redução de IVA”.
“O setor já se caracteriza por priorizar mensagens em torno da qualidade e preço competitivo, pelo que esta medida se enquadra nessa forma de abordagem já seguida. A APED não comenta ou interfere nas opções comerciais seguidas pelos seus associados mas sempre refere que o setor vai estar à altura das suas responsabilidades”, responde Gonçalo Lobo Xavier, questionado sobre se descida do IVA vai representar uma garantia na redução dos preços e se os seus associados devem apostar nessa comunicação.
Perante uma perceção generalizada de aproveitamento e lucro indevido, é preciso esclarecer a opinião pública sobre os bastidores desta crise, nomeadamente o papel de entidades políticas na formação das perceções
Nenhum consumidor “acolhe de ânimo leve um aumento generalizado de preços”, sendo que essa situação é ainda agravada no caso de o problema estar “envolto em desinformação, muitas vezes alimentada por populismos políticos”, diz contactado pelo +M Salvador da Cunha, CEO da Lift Consulting.
“Temos assistido a uma associação direta entre os valores da inflação e os lucros das retalhistas, sem que seja devidamente esclarecido que custos acrescidos estão estas empresas a suportar para manter níveis de serviço e disponibilidade de produtos. Omitir ou não esclarecer estes dados constitui um risco reputacional sério, na medida em que influencia a perceção de todos os stakeholders”, explica Salvador da Cunha.
Sem comunicação, o consumidor “cristaliza a sua perceção apenas com base na etiqueta que vê nos supermercados, quando sabemos que esse suporte é demasiado estreito para contar a história toda”, acrescenta.
Na opinião do CEO da Lift Consulting, as perceções são a unidade de medida porque têm impacto direto no negócio. “Sem confiança não há consumo”, defende. Neste âmbito Salvador da Cunha diz que para contrariar estas perceções, as grandes superfícies devem “comunicar de imediato e com transparência”.
“Perante uma perceção generalizada de aproveitamento e lucro indevido, é preciso esclarecer a opinião pública sobre os bastidores desta crise, nomeadamente o papel de entidades políticas na formação das perceções”, diz Salvador da Cunha, adicionando que, para as empresas de retalho, “este é o momento de mostrar que os valores não existem apenas no código de conduta, mas sim na sua tomada de decisão diária”.
“É o momento de assumir vulnerabilidades e mostrar disponibilidade para construir soluções de compromisso”, conclui.
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