Meio ano de suspeitas e teorias sobre a explosão do Nord Stream

  • Joana Abrantes Gomes
  • 2 Abril 2023

Especialistas consideram inverosímil envolvimento da Rússia ou da Alemanha nas explosões do Nord Stream. EUA, por serem produtores de gás, poderiam ter interesse na sabotagem.

Corriam cerca de sete meses do início da invasão russa da Ucrânia quando, a 26 de setembro de 2022, ocorreram uma série de explosões que danificaram os gasodutos Nord Stream 1 e 2, infraestruturas energéticas no centro das tensões geopolíticas, sobretudo após Moscovo interromper o fornecimento de gás à Europa. Meio ano e pelo menos quatro teorias depois, as investigações em curso ainda não chegaram a uma conclusão sobre o culpado; a única certeza é que se tratou de um ato de sabotagem deliberado e feito por especialistas.

Até agora, as investigações deram apenas conta de que foram encontrados resíduos de explosivos e “objetos estranhos” no fundo do mar, cerca de 100 metros abaixo da superfície do Mar Báltico, perto da ilha dinamarquesa de Bornholm. Além disso, o Ministério Público da Alemanha confirmou que tinha investigado um navio, em janeiro, suspeito de transportar explosivos utilizados na sabotagem, mas que ainda estava a investigar os objetos apreendidos, as identidades dos perpetradores e os seus possíveis motivos.

Sem conclusões, e até porque é complexo recolher provas materiais de um evento que aconteceu debaixo de água, surgiram apenas teorias que apontam responsabilidades à Rússia, Reino Unido, EUA e a um “grupo pró-ucraniano” – não necessariamente apoiado pelo Estado da Ucrânia.

A primeira hipótese levantada por analistas dos países aliados da Ucrânia foi que se tratava de um ato de intimidação por parte do Kremlin. Também um conselheiro presidencial de Volodymyr Zelensky chegou a afirmar, logo no dia seguinte, que o incidente era “um ataque terrorista planeado pela Rússia e um ato de agressão contra a União Europeia” (UE), acusações reforçadas pelo primeiro-ministro da Polónia, que insinuou o envolvimento de Moscovo.

Esta conjetura não faz sentido na ótica de especialistas ouvidos pelo ECO. Do “ponto de vista racional”, Carlos Santos Silva, do Instituto Superior Técnico (IST), considera que, sendo a Rússia o principal investidor dos gasodutos e o seu principal beneficiário a nível económico, não fazia sentido rebentá-los.

Rui Baptista, professor de Geologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), também não crê que Moscovo tivesse interesse em destruir as infraestruturas. “O fechar ou abrir (dos gasodutos) podia ser uma arma política usada pelos russos para pressionarem os alemães a estarem mansinhos, a não serem claramente favoráveis ou a apoiarem – como hoje já está a acontecer – a Ucrânia, desde o fornecimento de armas até à autorização para que outros forneçam as armas que produzem”, argumenta, em referência ao fornecimento de tanques Leopard.

Os gasodutos Nord Stream são parcialmente detidos pela energética estatal russa Gazprom, que, na altura das explosões, já tinha anunciado um encerramento “indefinido” do Nord Stream 1, alegando questões técnicas que a UE classificou como “pretensões falaciosas”. O novo Nord Stream 2, por seu lado, ainda não estava a funcionar.

Note-se que o Nord Stream 2 é o segundo gasoduto de gás natural que liga o oeste da Rússia e o nordeste da Alemanha, através do Mar Báltico. Assim como o Nord Stream 1, inaugurado em 2011, tem capacidade para transportar 55 mil milhões de metros cúbicos de gás natural por ano. Ao todo, as duas infraestruturas enviariam 110 mil milhões de metros cúbicos de gás natural anualmente à Alemanha.

A construção do Nord Stream 2 custou cerca de 9,5 mil milhões de euros e os seus 1.230 quilómetros de extensão tornam-no o mais longo gasoduto subaquático do mundo. O projeto não saiu do papel durante mais de uma década, mas a construção só foi iniciada em maio de 2018 e concluída em setembro de 2021.

Embora pertença à estatal russa Gazprom, a sua construção teve o apoio de cinco energéticas europeias: OMV da Áustria; a anglo-holandesa Shell; a francesa Engie; e as alemãs Uniper e Winterhall – esta última uma subsidiária da multinacional Basf.

Após a invasão da Ucrânia, Vladimir Putin ameaçou que a Europa “ficaria congelada” se prosseguisse com o seu plano de sanções energéticas contra a Rússia. Já em outubro, Putin disse que o ataque tinha mostrado que “qualquer infraestrutura crítica nos transportes, energia ou comunicação está sob ameaça, independentemente da parte do mundo em que se encontra”, o que foi entendido pelos países aliados como uma ameaça de que mais estaria por vir.

Ainda nesse mês, o Presidente russo classificou como ato de “terrorismo internacional” as explosões que provocaram as fugas de gás no Nord Stream 1 e 2, dizendo que beneficiavam os Estados Unidos, a Polónia e a Ucrânia, e desafiou o homólogo norte-americano, Joe Biden, a admitir que o país fora responsável pela sabotagem.

Simone Tagliapietra, especialista em energia do think tank Bruegel, disse que era possível que existissem divisões internas na Rússia caso tenha decidido explodir os gasodutos. “Nessa altura, quando Putin tinha basicamente decidido deixar de fornecer [gás à] Alemanha, muitos na Rússia podem ter sido contra isso. Isto era uma fonte de receitas”, frisou. Como tal, é possível que os “adeptos da linha dura” tenham tomado a decisão de pôr fim ao debate, acabando com os gasodutos, apontou Tagliapietra, citado pelo Politico.

Kremlin atira culpas à Ucrânia e aliados

Desde que foram conhecidas as explosões, os líderes russos insinuaram que ou a Ucrânia ou os seus aliados ocidentais estavam por detrás do ataque. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse, dois dias após as explosões, que atribuir a culpa à Rússia era “bastante previsível e previsivelmente estúpido”, assinalando que Moscovo não tinha qualquer interesse em fazer explodir o Nord Stream.

Um mês mais tarde, as acusações viraram-se especificamente para a Marinha britânica, sem serem apresentadas quaisquer provas. Segundo o Ministério da Defesa da Rússia, “representantes da Marinha do Reino Unido participaram no planeamento, apoio e execução” das explosões e também estiveram envolvidos em ajudar a Ucrânia a coordenar um ataque com drone a Sevastopol na Crimeia.

O Ministério da Defesa do Reino Unido, por sua vez, disse que as alegações “inventadas” se destinavam a distrair a atenção das recentes derrotas das forças russas no campo de batalha. Esta teoria foi perdendo eco e mesmo o professor Carlos Santos Silva considera “estranho” que os serviços secretos britânicos atuassem em águas territoriais dinamarquesas e suecas.

EUA à procura do apoio “firme” de Berlim

Já em fevereiro deste ano, uma investigação do jornalista norte-americano vencedor do Prémio Pulitzer, Seymour Hersh, baseada numa única fonte que alega que tem “conhecimento direto do plano”, acusou mergulhadores da Marinha dos EUA de terem plantado explosivos nos gasodutos, e a Noruega de os ter ativado posteriormente.

A teoria de Hersh descreve que um grupo de mergulhadores na Cidade do Panamá tinha sido secretamente designado para colocar bombas de detonação remota nos gasodutos, alegando que a intenção da Casa Branca era cortar de vez o fornecimento de gás da Rússia à Alemanha para que nenhuma chantagem do Kremlin dissuadisse Berlim de apoiar firmemente a Ucrânia.

Do ponto de vista económico, os Estados Unidos seriam talvez os principais interessados porque querem exportar o gás deles“, afirma Carlos Santos Silva, em declarações ao ECO, ressalvando, no entanto, que acha “estranho que uma potência amiga, aliada, possa fazer um ato hostil”.

Sem nomear os EUA, o professor Rui Baptista também considera que quem explodiu os gasodutos serão os interessados em vender gás por si produzido. “Outros fornecedores de gás podiam tirar vantagem económica se passassem a ser fornecedores do gás e mais ainda se fosse a um preço mais alto – mas isso já é entrar numa especulação simples”, aponta o professor da FCUL.

A Casa Branca declarou que a investigação de Hersh era “totalmente falsa e completa ficção”. Há pelo menos algumas afirmações imprecisas, como aquela que diz que o secretário-geral da NATO tem “cooperado com a comunidade dos serviços secretos americanos desde a guerra do Vietname”, sendo que Jens Stoltenberg, nascido em 1959, tinha 16 anos de idade quando o conflito terminou.

Por seu lado, o Kremlin citou a história de Hersh como prova no Conselho de Segurança da ONU em fevereiro, apelando para que as Nações Unidas conduzissem um inquérito sobre as explosões, o que levou a Alemanha, a Dinamarca e a Suécia a emitir uma declaração conjunta para reiterar que as suas investigações estão em curso.

Importa recordar que, semanas antes do início da invasão, o Presidente norte-americano chegou a dizer que não haveria Nord Stream 2, o gasoduto que liga a Rússia à Alemanha mas que não entrou em funcionamento, caso a Rússia invadisse a Ucrânia. Washington sempre foi muito crítico deste projeto por considerar que provocaria o aumento da dependência energética da Europa em relação à Rússia.

Além disso, Radoslaw Sikorski, eurodeputado e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia no governo de Donald Tusk, agradeceu aos Estados Unidos por terem alegadamente provocado danos nos gasodutos Nord Stream 1 e 2.

Numa publicação no Twitter – entretanto apagada –, acompanhada de uma fotografia em que é possível ver uma das três fugas de gás detetadas, Sikorski afirmou “Obrigada, EUA”.

O misterioso grupo pró-ucraniano

A mais recente teoria, avançada pelo The New York Times e vários meios de comunicação alemães, revela que um iate com seis pessoas, com passaportes falsos, partiu do porto alemão de Rostock, parando depois na ilha dinamarquesa de Christiansø.

Os media referem que as suspeitas apontam para uma ligação a um grupo pró-ucraniano, embora não haja provas de que quaisquer ordens tenham vindo do Governo ucraniano e as identidades dos alegados perpetradores sejam também ainda desconhecidas.

Mykhailo Podolyak, conselheiro de Zelensky, escreveu na rede social Twitter que estava a gostar de “recolher divertidas teorias de conspiração” sobre o que aconteceu ao Nord Stream, mas que a Ucrânia não tinha “nada a ver” com isso e não tinha “nenhuma informação sobre grupos pró-ucranianos de sabotagem”.

Entretanto, num novo relato, Seymour Hersh alegou que a recente e inesperada visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, a Washington serviu para preparar uma versão alternativa sobre as explosões dos gasodutos Nord Stream.

Este envolvimento da Alemanha é “inverosímil”, no entender de Carlos Santos Silva. “A Alemanha estar ativamente envolvida na sabotagem de uma infraestrutura da qual era a principal beneficiada e à entrada do inverno, parecer-me-ia um ato muito pouco racional da parte do Governo alemão. Isso parece-me uma teoria muito conspirativa e pouco sustentada na racionalidade“, explica o professor do IST.

O ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, advertiu contra “tirar conclusões precipitadas” sobre estes relatos, acrescentando que era possível que tivesse havido uma operação de “falsa bandeira” para culpar Kiev.

As autoridades dinamarquesas disseram apenas que a sua investigação estava em curso, enquanto um porta-voz da Procuradoria da Suécia disse que a informação seria partilhada quando disponível – mas não havia “nenhuma linha temporal” para a conclusão das investigações.

O responsável pelas explosões continua por descobrir, à medida que os países que conduzem as investigações permanecem em sigilo. Certo é que as explosões não foram um acidente e não foram levadas a cabo por amadores, concluem os especialistas.

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