Investidores “dourados” forçam discussão no Parlamento antes de avançar em tribunal

Advogados, agentes e promotores imobiliários avançam com direito de petição contra alteração "inconstitucional" às regras dos vistos gold. Via legal terá milhares de queixosos contra Estado português.

Em poucas horas, durante o fim de semana, mais de 200 profissionais ligados há mais de uma década aos vistos gold em Portugal, incluindo alguns dos principais advogados, promotores e mediadores imobiliários do país, juntaram-se num grupo de WhatsApp para avaliar a resposta a dar à proposta “claramente injustificada e discriminatória” do Governo de alterar o regime de autorização de residência (AdR) atribuído a estes investidores para o de “imigrantes empreendedores”.

A primeira “peça” da contestação ao diploma aprovado na última reunião do conselho de ministros, no âmbito do pacote Mais Habitação, é uma petição pública com o título “Pela defesa da imagem e reputação de Portugal junto dos investidores internacionais”. A iniciativa partiu da PAIIRPortuguese Association of Immigration, Investment and Relocation, uma pequena associação a que se juntou em poucas horas um conjunto de outros advogados. O documento começou a circular por volta das 16h de domingo e já foi assinado até ao momento por quase 3.000 pessoas.

André Miranda, sócio da sociedade Pinto Ribeiro Advogados, que redigiu a primeira versão da petição que depois será registada na Assembleia da República, explicou ao ECO que o objetivo é participar no debate parlamentar e influenciar um processo legislativo que ainda vai a meio. É que os deputados ainda deverão promover consultas e há partidos com propostas pendentes sobre o tema na comissão parlamentar, como as do PSD. “Acreditamos que haverá uma tentativa de consensualização e, portanto, ainda há tempo de, em sede de especialidade, serem feitas correções. Porque o que está proposto é claramente inconstitucional”, alega.

Em causa está uma “alteração radical” introduzida já depois da consulta pública ao pacote do Executivo, que recebeu 2.700 contributos, para que todos os vistos gold sejam convertidos numa AdR para imigrantes empreendedores, que tem “obviamente pressupostos completamente diferentes” das AdR para investimento. Incluindo nos pedidos de renovação, que acontecem a cada dois anos, e nos pendentes de apreciação. “Serão apreciados de acordo com a lei geral e com a certificação por parte da AICEP, do Banco de Fomento, do IAPMEI, da Agência Nacional de Inovação ou do Ministério da Cultura sobre a sua mais-valia económica, científica ou cultural”, especificou o primeiro-ministro, António Costa, em conferência de imprensa.

Os investidores sentem-se completamente defraudados e enganados. Foram convidados a investir no país [com a promessa] que lhes seria dada uma autorização de residência com uma determinada configuração, e agora, de forma abrupta, sem períodos de transição, dizem que vão convertê-la automaticamente numa autorização para imigrantes empreendedores.

André Miranda

Sócio da Pinto Ribeiro Advogados e coautor da petição

Confiando que tenha sido abandonada a ideia inicial de não considerar os pedidos entrados após 16 de fevereiro, data em que a proposta foi tornada pública, para evitar uma corrida aos vistos gold, “há um efeito retroativo muito mais gravoso e complicado, que está a gerar uma indignação enorme juntos dos investidores”, contrapõe André Miranda. “Sentem-se completamente defraudados e enganados. Foram convidados a investir no país [com a promessa] que lhes seria dada uma AdR com uma determinada configuração – permitia que não tivessem de viver permanentemente em Portugal, só tinham de vir cá 14 dias a cada dois anos –, e agora, de forma abrupta, sem períodos de transição, dizem que vão convertê-la automaticamente numa AdR para imigrantes empreendedores”, resume.

André Miranda, sócio da Pinto Ribeiro Advogados

O porta-voz deste movimento reconhece que “os Governos e as instituições democráticas têm sempre legitimidade para aprovar as medidas que entenderem; não podem é aprovar medidas que sejam violadoras e que atentem aos direitos das pessoas”. Mas se esta forma de “sensibilizar o poder político” não resultar, “no fim da linha temos os tribunais”. À pergunta que os investidores lhe têm feito nas últimas horas sobre o que acontecerá se a lei entrar assim em vigor, responde que “a via será recorrer aos tribunais para poderem serem compensados ou então reverter a própria medida legislativa, por força de uma inconstitucionalidade que possa ser suscitada, e afastar estas normas ilegais e inconstitucionais do ordenamento jurídico”.

“Sentimento de ingratidão” pode chegar aos tribunais

E caso este dossiê chegue mesmo às instâncias judiciais, antecipa um processo “massivo”. É que aos 11.758 investidores a quem foram concedidas AdR com base no regime especial dos vistos gold desde 2012 – 89% do valor total de 6.800 milhões de euros foi investido em imobiliário – e a que acrescem mais de 20 mil familiares que podem ser reagrupados, somam-se os perto de 2.000 pedidos pendentes de aprovação e ainda “à volta de 500 ou 600” de outros que estão em curso, por exemplo, de pessoas já com contratos-promessa assinados.

“Isto é quase senso comum. Não é uma questão complexa do ponto de vista jurídico, como a lei da eutanásia. Isto é muito claro para as pessoas. Foram convidadas a investir, seguiram as regras definidas pelo próprio Estado português, investiram naquilo que era impossível investir, cumpriram os requisitos impostos pelo Estado e não entendem como é que as regras do jogo podem ser mudadas a meio. As leis devem valer para o futuro, e não afetar direitos que já estão constituídos”, sublinha o advogado, falando num “sentimento de ingratidão” por parte destes investidores.

A petição fala mesmo num “estranho preconceito contra cidadãos estrangeiros que também devem ser protegidos pelo Estado de Direito que vigora em Portugal”, e que “estão a ver postas em causa a proteção e a segurança dos seus investimentos com medidas que são injustificadas e discriminatórias”. Além disso, lê-se ainda, “é a imagem e a reputação internacional [do país] que ficam fortemente abaladas”. “Deixará de ser visto como um país estável e amigo do investimento estrangeiro. Será com forte embaraço e vergonha que Portugal passará a ser percecionado como um país instável e em que a incerteza e a volatilidade dos agentes políticos farão do investimento uma atividade de risco”, alegam os subscritores.

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