Programa “Mais Habitação” trava confiança dos investidores

Os promotores imobiliários alertam para a quebra de confiança dos investidores criada pelo pacote "Mais Habitação" e mostram-se pessimistas sob o efeito que essas medidas terão no mercado.

A crise na habitação está longe de ser resolvida com o programa “Mais Habitação”. A certeza é dada pela maioria dos promotores imobiliários que responderam ao inquérito “Portuguese Investment Property Survey” de abril, promovido pela Confidencial Imobiliário e pela Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).

Segundo 91% dos promotores imobiliários inquiridos, o pacote “Mais Habitação” terá inclusive efeitos negativos sobre o mercado residencial. Entre os principais efeitos enumerados está a perda de confiança dos investidores no mercado imobiliário nacional que, segundo os especialistas, terá um impacto na redução da oferta e, por conseguinte, dando continuidade ao percurso de aumento dos preços.

“A quebra de confiança criada com o primeiro anúncio de 16 de fevereiro está feita”, refere Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, ao ECO, notando que, “só a partir do anúncio do programa a 16 de fevereiro houve uma quebra de 45% de novos arrendamentos só em Lisboa, apenas ultrapassada durante o Covid quando houve uma quebra de 50%.”

No mercado de compra e venda é também notório o abrandamento do volume de negócios. “Nos últimos três meses, aponta-se para uma redução do número de vendas e uma suavização da subida dos preços, daqui resultando um sentimento predominantemente negativo, embora em melhoria face ao último trimestre de 2022″, refere o Confidencial Imobiliário em comunicado.

Parte da quebra de confiança dos investidores evocada pelo presidente da APPII está no fim do programa de Autorização de Residência por Investimento (ARI), mais conhecidos por vistos gold, que até então geraram investimentos de quase 7 mil milhões de euros – 89% desse montante no mercado imobiliário.

“Desde o início me mostrei contra o fim dos visa gold, não por termos projetos com golden visas, mas por acreditar que podem ser uma solução e não um problema”, refere Elad Dror, CEO do grupo Fortera, que conta com mais de 750 milhões de euros em investimento em Portugal.

A opinião é partilhada por José Botelho, presidente da Vanguard Properties. Com mais de duas dezenas de projetos residenciais e turísticos no seu portefólio e investimentos superiores a 1,2 mil milhões de euros, José Botelho considera que “demos um tiro nos pés relativamente aos investidores estrangeiros, que são daqueles que mais precisamos, porque voltámos a mostrar instabilidade política e mudança de leis.”

Recorde-se que a 16 de fevereiro, António Costa anunciou oficialmente o fim dos vistos gold, garantindo que os novos pedidos não seriam aceites desde essa data. No entanto, na proposta de deu entrada na Assembleia da República, o Governo recuou, deixando cair a intenção inicial de aplicar o fim deste regime com efeitos retroativos a 16 de fevereiro, para evitar uma corrida aos pedidos depois do anúncio do Governo feito nessa data.

“Hoje, os investidores, com este Governo, pouco já acreditam na credibilidade do país e nas respostas sérias que o país quer dar à habitação”, refere Hugo Santos Ferreira.

Profissionais do setor mantêm muitas reservas

No seguimento da aprovação do pacote “Mais Habitação”, os resultados do “Portuguese Investment Property Survey” notam ainda um agravamento da falta de atratividade da promoção do investimento imobiliário para arrendamento (build-to-rent).

Segundo o relatório do Confidencial Imobiliário, apenas 12% dos promotores imobiliários consideraram o mercado build-to-rent atrativo, face a 40% no trimestre anterior, além de 32% dos inquiridos considerar este investimento como “totalmente inviável”.

Elad Dror é uma dessas vozes. O líder do grupo Fortera refere que “se o governo esta disponível a fomentar a built-to-rent tem de haver uma enorme redução fiscal sobre o arrendamento. Só assim conseguirá aumentar a oferta e assim reduzir os preços.”

Entre as várias novas medidas do programa “Mais Habitação” aprovadas em Conselho de Ministros a 30 de março e que deram entrada no Parlamento para discussão na passada sexta-feira está a cedência de imóveis públicos, o lançamento de uma linha de financiamento bonificado de 250 milhões de euros e incentivos ficais para a promoção de projetos privados de arrendamento acessível.

Apesar de positivas, os especialistas contactados pelo ECO não atribuem muita esperança na resolução da crise habitacional do país. José Botelho refere, por exemplo, que “uma linha de financiamento de 250 milhões de euros pode parecer um valor elevado, mas deverá dar para construir entre 1.000 a 1.500 fogos”, cerca de 10% do número médio de casas construídas por ano desde 2018 – período marcado também por um ritmo de construção inferior ao de períodos anteriores.

Recorde-se ainda que, segundos os dados publicados no Censos 2021, entre 2011 e 2021 foram construídos apenas 110.784 edifícios, “valor significativamente inferior aos verificados em décadas anteriores e que corresponde a apenas 3,1% do total do parque habitacional.”

A cedência de terrenos públicos e os incentivos fiscais para o desenvolvimento de projetos privados é recebido com agrado pelos promotores imobiliários. No entanto, José Botelho nota que “independente da força que o cliente tenha, a banca não financia a longo prazo, ao contrário do que acontece em muitos outros países europeus”.

No plano fiscal, apesar de o programa “Mais Habitação” definir uma taxa de IVA de 6% para empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis maioritariamente afetas ao Programa de Apoio ao Arrendamento, o ministério das Finanças clarificou que este incentivo fiscal irá aplicar-se apenas a empreitadas de reabilitação de edifícios.

Para Hugo Santos Ferreira, esta limitação da aplicação do IVA vai representar o fim da reabilitação urbana. “Pedir aos investidores que passem a pagar 23% nas obras de reabilitação vai ditar o fim da reabilitação.”

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