Turquia tem duas grandes coligações em disputa renhida por 600 lugares
Um total de 24 partidos apresentam-se às eleições legislativas na Turquia de 14 de maio e em paralelo às presidenciais.
Um total de 24 partidos apresentam-se às eleições legislativas na Turquia de 14 de maio e em paralelo às presidenciais, apesar de as sondagens indicarem que apenas seis consigam ultrapassar os 7% de votos para garantir presença no Parlamento.
Os cerca de 60,5 milhões de eleitores que se vão deslocar às assembleias de voto — para além dos cerca de três milhões de emigrantes também inscritos — vão deparar-se com um boletim de voto com um metro de comprimento, entretanto aprovado pela Conselho eleitoral superior (Yüksek Seçim Kurulu, YSK) e eleger os 600 deputados à Grande Assembleia Nacional (o Parlamento unicameral).
O Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), liderado pelo Presidente Recep Tayyip Erdogan, e a principal força da oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP) lideram coligações eleitorais antagónicas, integradas por diversos partidos.
Os islamistas conservadores, que governam a Turquia desde a sua incontestada vitória nas legislativas de novembro de 2002, encabeçam a coligação eleitoral Aliança Popular (CI) e têm como aliados o Partido de ação nacionalista (MHP, extrema-direita) e dois partidos menores, o islamista e ultranacionalista Partido da grande unidade (BBP) e o islamista Partido da prosperidade (Yeniden Refah, YRP).
As listas da Aliança Popular acolhem ainda candidatos da formação ultra-islamista curda Partido da Livre causa (Huda-Par), com ligações ao Hezbollah curdo.
O CHP, que reclama a herança de Mustafa Kemal, fundador da República da Turquia, mantém a sua coligação com o nacionalista O Bom partido (IYI), liderado por Meral Aksener e atualmente a quinta formação no hemiciclo, ao qual se juntam outros quatro partidos que formam a designada “Mesa dos Seis”, o principal bloco opositor e que surge nas listas sob a designação de Aliança da Nação (MI).
No entanto, as restantes quatro formações menores — o Gelecek (Partido Futuro) do ex-primeiro-ministro turco islamista Ahmet Davutoglu, o DEVA do economista Ali Babacan, também ex-ministro del AKP, o islamista Saadet e o liberal Partido Democrata — não surgem nos boletins e os seus candidatos concorrem nas listas do CHP para evitar a dispersão de voto.
Pelo facto de um partido apenas garantir representação parlamentar caso ultrapasse a barreira obrigatória dos 7% de votos expresso, as coligações passaram a assumir grande importância na Turquia.
Nesta perspetiva, a ampla coligação oposicionista tem como objetivo fazer regressar a Turquia a um sistema como predomínio parlamentar, e após a imposição do sistema presidencial elaborado por Erdogan e referendado em 2017. Para alterar a atual legislação, será necessário garantir a aprovação de 400 dos 600 deputados da Grande Assembleia Nacional, ou de 360 para levar a proposta a referendo.
A atual terceira força política do Parlamento nacional, Partido Democrático dos Povos (HDP, esquerda e pró-curdo), envolvido num processo judicial movido pelo poder por alegados “vínculos terroristas”, e com a procuradoria a pedir a sua ilegalização, também não surge no amplo boletim.
Devido aos riscos de ilegalização antes das eleições de 14 de maio, os candidatos do HDP vão concorrer sob a sigla do Partido dos verdes e o futuro da esquerda (Yesil Sol Parti, YSGP), que em outubro passado adotou um símbolo semelhante ao do HDP e se apresenta em coligação com o Partido dos trabalhadores da Turquia (TIP, esquerda).
Num contexto pouco favorável, Erdogan vai tentar que o seu partido se mantenha a principal força política, apesar de ter perdido as maiorias absolutas, e prolongue a sua permanência no poder que assegura desde 2003.
A Turquia confronta-se com uma elevada inflação e com as consequências dos dois sismos de 6 de fevereiro que provocaram cerca de 50.000 mortos e dezenas de milhares de feridos e desalojados. Erdogan tem sido ainda acusado de crescente autoritarismo, e perante a persistente crise económica o AKP tem prometido reduzir a inflação a um dígito, compromisso também emitido pelos rivais políticos.
Um crescente setor da população censura-o pela crescente inflação, devido à sua recusa pessoal em aumentar as taxas de juro. A taxa de inflação oficial anual situa-se pouco acima dos 50% e com eventual tendência para descer, mas diversos especialistas consideram que atualmente ultrapassa dos 100%.
Erdogan e o AKP foram duramente criticados por não terem adaptado as práticas de construção exigidas na Turquia antes dos terramotos de 06 de fevereiro, e por erros nas operações de busca e salvamento que se seguiram.
Milhões de turcos ficaram sem casa nas 11 províncias atingidas pelos sismos, e pelo facto de muitas dessas zonas serem bastiões do AKP, a eleição pode ser vencida ou perdida nestas regiões do leste e sul do país.
Já na corrida presidencial, que decorre em paralelo, o candidato que obtiver mais de metade do voto em 14 de maio será eleito. Caso contrário, haverá uma segunda volta duas semanas depois.
Kemal Kilicdaroglu, 78 anos, líder do CHP e apoiado pela Aliança da Nação (MI) e pelos partidos de esquerda pró-curdos, é o grande desafio para o atual chefe de Estado.
Erdogan já cumpriu dois mandatos, e a apresentação a um terceiro mandato parecia contrariar as regras da Constituição turca. Mas a YSK decidiu que o começo do seu primeiro mandato deveria ser considerado não em 2014 mas em 2018, quando o novo sistema presidencial se iniciou, com eleições simultâneas para o Parlamento e a presidência.
Líder incontestado da Turquia desde 2003, inicialmente como primeiro-ministro e desde 2014 como Presidente (as primeiras eleições presidenciais no país por sufrágio direto) Erdogan decidiu reforçar três anos depois os seus poderes na sequência de uma revisão constitucional aprovada em referendo, uma consequência do fracassado golpe militar de julho de 2016.
Num país onde os votos são tradicionalmente muito polarizados, Erdogan, 69 anos, começou a ser contestado com mais veemência, em particular após a forte repressão em Istambul contra a destruição do parque Gezi, em meados de 2013. Numa rápida sucessão de acontecimento, a Turquia derivou para um crescente autoritarismo sob o atual líder, instalado no enorme palácio de Ancara que mandou construir e com a generalidade dos ‘media’ controlados pelos seus aliados.
As sondagens eleitorais na Turquia são muito voláteis, mas a hipótese de Kiliçdaroglu vencer na primeira volta parece estar comprometida após a decisão de um antigo membro do CHP, Muharrem Ince, em concorrer às presidenciais.
Ince, 58 anos, foi o candidato presidencial do CHP em 2018 (30,67% dos votos expressos), mas deixou o partido dois anos depois devido a divergências com Kiliçdaroglu. Agora, concorre pelo secular e nacionalista Partido da Pátria (Memleket Partisi, MP) e foi acusado de dividir o voto da oposição e de beneficiar Erdogan.
Outro candidato, com reduzidas hipóteses, é o ultranacionalista Sinan Ogan, mas o seu apelo ao voto num dos candidatos no caso de segunda volta poderá ser decisivo.
De acordo com as reformas de Erdogan, o Governo é escolhido pelo Presidente, e não existe primeiro-ministro. Caso a sua coligação garanta maioria no Parlamento deverá prosseguir o mesmo estilo de governação pessoal, como sucedeu no atual mandato onde manteve o apoio de 334 dos 600 deputados.
Em alternativa, a Aliança da Nação de Kiliçdaroglu já disse pretender restaurar o sistema parlamentar e reformar a presidência, retirando ao chefe de Estado o direito de veto legislativo, terminar as suas relações com partidos políticos e promover uma eleição para a chefia do Estado em cada sete anos.
Para estas duplas eleições, a Assembleia parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) vai enviar uma missão de observadores que inclui 14 peritos, 28 observadores de longo prazo e outros 350 observadores que apenas permanecerão até final do escrutínio.
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